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O Globo
Nossa
mais recente crise institucional, não a derradeira, é consequência da leniência
com que as instituições vêm tratando os frequentes abusos autoritários do
presidente Bolsonaro e de seus radicais seguidores. Chegamos a essa situação, e
não é a primeira desse tipo, porque o Congresso aceitou que deputados
bolsonaristas e milícias digitais promovessem, como continuam a fazer depois da
prisão do deputado federal (ainda?) Daniel Silveira, ataques às instituições, e
que as Forças Armadas aderissem acriticamente ao governo Bolsonaro e
aceitassem, algumas vezes com o endosso tácito até mesmo do ministro da Defesa,
diversas tentativas de transpor as linhas da legalidade, contra a democracia.
O general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo encarregado das
negociações com os parlamentares, quase nunca fundadas em bases republicanas,
declarou que não se envergonha dessas negociações. Deveria, pois assumiu, na
sua faceta civil, a parte apodrecida das relações políticas, a mesma tática que
o leva, e a outros generais, a repudiar o lulopetismo e, anteriormente, o
próprio Centrão. Lembram-se do general Heleno cantando na campanha eleitoral
“se gritar pega ladrão, não sobra um no Centrão?”.
A revelação do general Villas Bôas de que a nota de pressão sobre o Supremo
Tribunal Federal (STF) na véspera do julgamento de um habeas corpus a favor do
ex-presidente Lula foi feita não em caráter pessoal, mas pelo Alto-Comando do
Exército, é muito mais grave do que já parecia há três anos. Não importa se
você gosta do Lula ou não, se acha que ele merecia o habeas corpus ou não. É um
absurdo que o Alto-Comando do Exército respalde uma declaração daquelas às
vésperas de um julgamento do STF.
É por isso que gente como esse deputado bolsonarista se acha em condições de fazer
o que fez, de afrontar o Supremo. É inexplicável, também, a ironia atual do
general em relação à nota que o ministro Edson Fachin soltou, de repúdio à
revelação. Fachin não falou há três anos porque falou pelo STF o decano Celso
de Mello, rebatendo vigorosamente a tentativa de pressão ilegal.
Esta crise que estamos vivendo, política e institucional, vem da aceitação de
um governo autoritário, antidemocrático, que usa as Forças Armadas para se
respaldar nessas ações e usa milícias digitais, que podem se transformar em
milícias reais com os decretos de liberação de armas. Bolsonaro está armando a
população claramente com o intuito de ter uma militância armada para se impor,
como aconteceu com Trump nos Estados Unidos.
Trump tinha milícias armadas que desfilavam pelas ruas. Nos EUA é mais comum o
porte de arma, então os militantes andavam altamente armados nas ruas e
invadiram o Capitólio por incitação do ex-presidente Trump, que agora será
processado civilmente por essa atitude, já que, politicamente, o Partido
Republicano não permitiu que fosse impedido de continuar atuando na política.
Estamos chegando ao ponto em que as autoridades terão que tomar uma decisão,
porque a democracia está permanentemente sob ataque neste governo Bolsonaro. O
mais importante hoje é saber como a Câmara se comportará. No caso de Delcídio
do Amaral, o Senado aprovou imediatamente a decisão do STF. Neste caso, há
muita resistência, inclusive na base bolsonarista radical que está atuando e
continua atacando o Supremo e a democracia, continua atacando os representantes
das instituições que consideram agir como agentes da esquerda internacional,
numa das várias teorias conspiratórias que espalham.
O importante é saber se a nova base do governo Bolsonaro vai se impor, a ponto
de não aceitar a prisão do deputado (ainda?), um sujeito desqualificado, já
investigado em dois outros inquéritos no STF, por atitudes antidemocráticas e
por espalhar fake news. Saber se o corporativismo que protege uma deputada
acusada de homicídio e outro, um senador, apanhado em flagrante com dinheiro
escondido nas suas partes íntimas, chega ao ponto de acobertar ataques
antidemocráticos de um autoritário que, ironicamente, foi enquadrado na Lei de
Segurança Nacional da ditadura militar que tanto venera.
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