No
incerto começo, o governo Bolsonaro tentou. Pregaram: “Bastam um soldado e um
cabo para fechar o STF”. Incitaram os quartéis proclamando na sua frente: “Eu
sou, realmente, a Constituição”. Hackers ameaçaram a privacidade dos ministros
e seus parentes. Estimularam protestos na Praça dos Três Poderes. Pegou o país
desprevenido. Assustou a democracia. Mas não deu certo.
Em
compensação, revelou parte importante do projeto de poder. Que foi e está sendo
construído. Às vezes, na noite das redes. Em vez de Supremo independente,
pretende-se Supremo dependente. Apenas aparente. Existe, mas não vive. Quando
vive, respira o ar que lhe sopra o Planalto.
Esse
projeto é permanente. Só vai parar nas próximas eleições. Vai se agravar
enquanto as pesquisas eleitorais, seja da “Folha” ou do Ipespe, mostrarem que
Sergio Moro o vence. Moro é sua assombração diurna. Nesse contexto, inserem-se
a violência do deputado Daniel Silveira e suas consequências.
De
imediato, muda a pauta do Brasil. Ainda que instantaneamente. Antes voltada
para vacinas e a incapacidade do governo em lidar com o problema. E a tentativa
no Supremo de criminalizar o presidente e seu ministro da Saúde pelas mortes
ocorridas. Por algum tempo, a pauta será um possível conflito entre Supremo e
Congresso. E violência de militantes extremistas.
Líder
não é apenas o que tem mais coragem. Mais força física. Ou é mais inteligente.
Líder no século digital é quem cria e comanda o clima. No caso, a pauta do
país. O presidente Bolsonaro é obcecado por estar na mídia. Pautá-la e
controlá-la.
Bertrand
Russell, Prêmio Nobel de Literatura, explica essa obsessão de maneira quase
psicanalítica. A vaidade do poder cresce com aquilo que a alimenta. Quanto mais
falado for, mais o presidente desejará sê-lo. Mais vaidoso será. Maior o
indicador de sua importância.
É quase como criança que precisa de permanente atenção. “Olhem, eu estou aqui!”, “Não se esqueçam de mim!”, “Lembrem-se!”. Seria uma espécie de excitação permanente com o poder. Sempre necessitando da demonstração de potência. Segundo Russell.
Em
vez de “eu sou a Constituição”, diria “eu sou a comunicação”.
Desinstitucionalizar
e privatizar os órgãos democráticos de controle do poder é objetivo maior. O
controle sou eu. O acionista majoritário sou eu. Favor não incomodar.
Infelizmente,
enquanto 11 ministros falarem cada um por si e se autodisputarem fora dos
autos, contribuirão para essa estratégia.
Nada
mais indicador da neutralização dos órgãos de controle do que o fato de Daniel
Silveira dizer já ter sido preso 90 vezes.
Nada
mais difícil para a opinião pública entender que a prova ilícita pode ser
considerada lícita. Nada mais arriscado do que o Supremo tentar dar o visto
como não visto. Como bem alega o ministro Luís Roberto Barroso. De tentar
sequestrar a verdade. De esconder imagens com palavras pretensiosamente
técnicas.
Violência
é gênero. A violência verbal de Daniel Silveira contra o Supremo, por meio de
seus ministros, e a psicológica, contra a República, são tipos claros.
Para
alguma coisa serviu. Explicitou o incômodo de todos os ministros com a
desinstitucionalização em curso. Crescente mal-estar no ar. Silêncios se movem.
Nunca tantos brasileiros dependeram de tão poucos. Que tenham a ousadia da
coragem democrática. Apoiá-los é preciso.
Alexandre
de Moraes uniu e não permitiu que capturassem a independência do Supremo. A
independência é sua honra maior. Shakespeare diria que quem rouba a honra
alheia não aumenta a sua. Nem o estado democrático de direito.
O
Supremo falou. O Congresso vai falar. E, pela fala, será julgado pelos
eleitores que representa. Vai enviar para a Comissão de Ética da qual Silveira
é membro? E que está há 11 meses sem funcionar? E nem consegue julgar a
deputada Flordelis?
A
queda de braço não é, neste momento, entre o Supremo e o Congresso. É entre o
Congresso e seu deputado Daniel Silveira e a violência que ele representa. Será
capaz ou não de controlar agressões à democracia? Vai também ser órgão de
controle sem autocontrole?
Depois
do Congresso, o Supremo fala outra vez.
*Professor da FGV Direito Rio e membro da Academia Brasileira de Letras
Nenhum comentário:
Postar um comentário