A
força dos eventos em torno da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) vai
muito além do personagem. O Supremo consagrou duas teses. Primeiro, que a
imunidade parlamentar não cobre ataques e ameaças à democracia. Segundo, que a
internet alarga o conceito de prisão em flagrante porque nela se pratica crime
continuado. O que era no começo do dia uma decisão do ministro Alexandre de
Moraes virou de todo o STF após a aprovação por unanimidade. A cúpula da Câmara
tentava encontrar formas de amenizar a punição.
Daniel
Silveira é reincidente. É investigado no inquérito das fake news e das
manifestações antidemocráticas. É um defensor da violência como arma política.
Em um dos seus vídeos mais conhecidos, ele ameaça de morte manifestantes
antifascistas. Mais importante, ele é um bolsonarista raiz, da ala radical. Ao
atacar o Supremo ele estava tentando escalar a crise iniciada pela declaração
do general Villas Bôas de que o Alto Comando do Exército participou da redação
da postagem que fez em 2018 ameaçando o STF. Três dos integrantes do Alto
Comando da época são ministros de Bolsonaro, e o então ministro da Defesa é
diretor-geral de Itaipu. Era nessa crise que Daniel Silveira tentava surfar.
Ex-policial
militar, defensor da disseminação das armas, propagandista da ditadura e do
AI-5, o deputado é fruto também do perigoso fenômeno da politização das
polícias militares, uma das bases do atual presidente. O ex-ministro da
Segurança Raul Jungmann explica melhor.
— A hiperpolitização das polícias militares acontece pela permissão de que eles saiam, se candidatem e, se perderem a eleição, possam voltar e retomar o serviço ativo. Ganhando ou perdendo pode-se voltar. A possibilidade de ir e vir da política para a PM tem sido um estímulo a que indivíduos liderem rebeliões e motins para depois se candidatarem. A greve é proibida, mas eles entram em greve e depois são anistiados — diz Raul.
E
pior, não há um período de desincompatibilização. Ele pode sair da corporação
direto para a campanha. E se não for eleito, volta direto. Nada a perder,
portanto. Um estudo feito pela newsletter Fonte Segura , do Fórum Brasileiro da
Segurança Pública e da Analítica Comunicação, mostra que isso não acontece em
outros países. Bolsonaro estimulou ao máximo essa politização e continua cultivando
as PMs como uma de suas bases. Em 2018, foram eleitos 77 militares ou policiais
militares, 43 deles pelo PSL, partido ao qual o presidente era filiado.
Silveira,
ao discutir no IML, para não usar máscara, disse que é um policial. Não é mais.
Ficou apenas cinco anos, nove meses e dezessete dias. Não pode voltar,
portanto, porque não completou 10 anos. No vídeo em que ameaçou manifestantes,
ele também falou como se ainda fosse policial e lembrou que eles andavam
armados e “em algum momento um de vocês vai achar o de vocês e tomar um no meio
da testa e no meio do peito”. No vídeo que o levou à prisão o deputado fez
ameaças físicas aos ministros do STF.
A
decisão do STF, independentemente da reação da Câmara, esclarece princípios que
o governo de Jair Bolsonaro tentou confundir. A liberdade de expressão não
serve para encobrir crimes contra a democracia. Nem mesmo de um parlamentar.
Bolsonaro quando era deputado fez apologia da ditadura e da tortura, falou em
matar adversários políticos e nunca foi punido. Vejam o preço que o país paga
pela leniência das instituições.
O
presidente Jair Bolsonaro nos decretos de liberação de armas eleva o perigo
extremo que a democracia brasileira corre no seu governo. Jungmann acha que a
liberação de armas e a redução do controle do Estado sobre elas levarão a um
aumento do crime e a um fortalecimento do crime organizado.
É
claro que Bolsonaro está também tentando formar milícias políticas. Em várias
ocasiões mostrou que seu objetivo é político. Ele afirmou na famosa reunião ministerial
que queria “escancarar” o acesso às armas, alegando que assim resistiriam a
ditadores. Disse que pessoas armadas poderiam enfrentar governadores e
prefeitos. Por fim afirmou que aqui aconteceria pior do que houve nos Estados
Unidos, no ataque ao Capitólio.
Esta crise extrapola em muito a figura medíocre e repulsiva do deputado que a provocou. Se a Câmara proteger o truculento Daniel Silveira, o país afunda mais um pouco no abismo institucional em que entrou desde a eleição de Bolsonaro, um inimigo declarado da democracia.
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