O
Parlamento esteve paralisado — por mais de semana — em decorrência do caso
Daniel Silveira; escada para que Arthur Lira pusesse em marcha o trator que
pretendeu alargar a câmara de blindagem que distingue a casta política
brasileira. Afinal, a PEC da Impunidade não prosperaria. Mas foi a agenda
legislativa do Brasil — ainda sem Orçamento para 2021, ainda sem solução para a
volta do auxílio emergencial — na semana em que o país bateu o recorde de
mortos pela peste em um só dia.
Nada
mais se moveu no Congresso, desde a prisão do deputado, senão a tentativa
corporativista de subverter o princípio da imunidade parlamentar para que
crimes como o de Silveira — contra a ordem democrática — restassem autorizados.
O Parlamento, à cata de escudar seus investigados por corrupção, quase aceitou
dar guarida à fábrica de conflitos que ataca a própria democracia
representativa. Exemplo perfeito do que produz a sociedade entre bolsonarismo e
Centrão. Exemplo também de por que a natureza — para o golpismo — da base
social que elegeu Bolsonaro contamina e interdita qualquer pauta reformista.
Avalie-se a constituição da persona do presidente e do fenômeno reacionário que encarna — exercício que mostra como sempre foi improvável crer que um seu governo pudesse reformar o Estado. Um sujeito cuja ignorância econômica forjou-se na segunda metade da década de 1970; péssimo militar cujos rudimentos sobre economia beberam do fetiche de um Brasil Grande induzido pelo governo central.
O
apego ao tamanho da superfície estatal aumentaria com a chegada a Brasília. No
curso de três décadas, Bolsonaro — aboletado nas bordas fartas (aquelas
recheadas de catupiry) da pizza do establishment — se estabeleceria como
bem-sucedido líder classista, agente contra qualquer esboço de diminuição do
território em que ergueu frutífera (sim, laranjas) empresa familiar.
Um
tipo que, para acrescentar complexidade ao reformismo impossível, tornou-se
competitivo nacionalmente ao incorporar a demanda de ressentimentos variados
contra o sistema de que sempre foi parte, eleito presidente associado a (e
dependente de) um ímpeto por ruptura institucional, movimento desestabilizador
em essência, que tem personificação em Daniel Silveira e efeito materializado
na revolução dos caminhoneiros que travou o país em 2018.
Um
presidente — com cabeça de sub-Geisel, que, agora desde o Planalto, orienta-se
em função dos interesses dos mesmos grupos de pressão (armados, não raro
amotinados) de quando era vereador — que é o próprio núcleo provedor da instabilidade
avessa ao mais mínimo programa de reformas do Estado. Isso, claro, se houvesse
projetos para reformar o Estado. Não há. Porque a Bolsonaro se juntou — para
compor este raro espetáculo de estelionato eleitoral — um ministro da Economia
incompetente como gestor público e que, politicamente autoritário, apaixonou-se
pelo populista autocrata que o chefe é. Reformas?
Não
se iluda mais, amigo liberal. Daqui até 2022, com algumas migalhas para as
viúvas de um Guedes de fantasia, a parceria entre iguais — Bolsonaro e Lira —
trabalhará por proteção e reeleição; o que significará mais Estado, contida na
ideia de proteção a defesa das mamas em que os presidentes da República e da
Câmara engordam há décadas. (Mas você pode acreditar que os estudos modais para
a capitalização da Eletrobras avançarão celeremente até que a operação esteja
pronta, a ser realizada à véspera ou no próprio ano eleitoral.)
Veja-se
a maneira como vai humilhada a tal PEC Emergencial, prioridade de Paulo
Palestra. Um projeto que se tentou requentar socado como contrapartida à
retomada do auxílio; transformado, porém, numa frondosa árvore de jabutis
perversos, a ponto de se haver condicionado a retomada urgente do auxílio ao
fim dos pisos constitucionais para Saúde e Educação. Uma aberração. Que não
prosperará — felizmente. Mas de cujo impasse se insinua, tocado pela pressa, o
improviso. Tem método. O bolsonarismo depende de volubilidades.
O
ciclo da fortuna bolsonarista, beneficiado e acelerado pela peste, consiste em
prolongar — pela inação calculada — a circulação do vírus, provocar o caos
(pela falta de vacinação em massa), atribuir responsabilidades a inimigos
artificiais (governadores) e colher créditos extraordinários, para os gastos
populistas que financiarão 2022, liberados pela urgência em enfrentar problemas
deliberadamente gerados pelo governo Bolsonaro.
Porque
o auxílio voltará — sempre se soube, mesmo quando se apregoava a mentira de que
o vírus cedia, e a economia se recuperava em V. E a PEC Emergencial avançará,
tudo indica, como síntese do liberalismo do amanhã de Guedes; minguando no
Senado até resultar num corpo de compensações fiscais desprovidas de impacto
imediato. Isso se o auxílio não regressar sem o estabelecimento de qualquer
resposta fiscal — nem mesmo as empurradas ao futuro. A pandemia — que é
sustentada no Brasil — desculpa e justifica. Reaja-se.
É o que querem Bolsonaro e seus parceiros do Centrão: um cheque especial, à margem do teto de gastos, para investir em popularidade e apaniguados — e que se dane a dívida pública. O minion Guedes topa. O presidente informa que as privatizações devem ficar para 2023. Não mente. A autocracia é um modo de privatizar. Guedes fica. Sabe bem ao que serve.
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