Em
2030 ainda se sentirá o efeito da pandemia nas estatísticas brasileiras. As
projeções refeitas da população podem registrar de um milhão e meio a três
milhões menos brasileiros do que haveria se não tivesse ocorrido a pandemia. A
crise sanitária reduziu a expectativa de vida dos brasileiros em 2,2 anos,
segundo cálculos atualizados da demógrafa Ana Amélia Camarano, e isso mexe com
todas as outras projeções. Há vários efeitos da pandemia na vida das pessoas. A
participação da mulher no mercado de trabalho caiu aos níveis dos anos 1990. A
morte dos mais velhos pode impactar fortemente a renda de milhões de famílias.
Há
muito tempo os demógrafos calculam o momento em que o número de habitantes do
país passará a diminuir anualmente, em vez de aumentar. Cada demógrafo ou
instituto faz um cálculo diferente, dependendo das premissas. Mas uma coisa é
certa: o encolhimento vai acontecer mais cedo e de forma mais intensa por causa
da redução da expectativa de vida que está ocorrendo agora.
—
Comparando a projeção que eu fiz em 2018 para a população brasileira com a que
faço diante da diminuição da expectativa de vida, concluo que haverá um milhão
e meio de brasileiros a menos na população. Na projeção do IBGE, o número pode
ser de três milhões de brasileiros a menos. Alguns dados ainda nem se conhece,
como a queda da taxa de fecundidade — diz a pesquisadora do Ipea.
Ana
Amélia vinha chamando a atenção nos seus artigos e entrevistas para o fenômeno
do prolongamento da vida no Brasil, e todas as mudanças decorrentes disso. Os
brasileiros vivendo mais mudavam os seus hábitos e isso tem impacto na
economia. A demógrafa costuma usar a expressão “os novos velhos” para se
referir a pessoas com mais de 60 anos que estão mudando o conceito do que é ser
velho:
— A recomendação médica era para a pessoa sair de casa, fazer exercício, encontrar os amigos para ter uma velhice saudável. O mercado de trabalho começava a rever seus conceitos, aceitando pessoas mais velhas. Um mercado de consumo de viagens, turismo e entretenimento se voltava para esse segmento. A pandemia mudou tudo isso.
As
pessoas com mais de 60 anos são o alvo principal de um vírus que tem matado no
Brasil numa intensidade alarmante. Para permanecer vivos, eles precisam
abandonar os bons hábitos:
—
Os idosos precisam mesmo se proteger porque 77,6% das mortes ocorrem na faixa
com 60 anos ou mais. É justamente o grupo que tem um impacto crescente no
consumo de lazer, turismo. Quem ainda estava no mercado de trabalho saiu pelo
medo de se contaminar ou foi demitido porque aumentou o preconceito contra os
idosos. A pessoa saiu da ideia da “melhor idade” para a do “grupo de risco”.
A
população idosa continua sendo a que mais cresce, porque no passado nasceu
muita gente, mas ela vai crescer menos. Aumentou para quase oito anos a
diferença de expectativa de vida entre homens e mulheres. A desigualdade de
expectativa de vida entre negros e brancos deve aumentar.
—
E é a população preta e parda que está mantendo o Brasil funcionando, mesmo no
isolamento social — lembra a pesquisadora.
São
muitas as consequências e as sequelas desta pandemia. Há a mortalidade
indireta. Muitas pessoas não puderam ser tratadas de outras doenças porque os
hospitais estavam lotados pela Covid ou porque adiaram exames preventivos. O
número de mamografias no SUS, segundo o alerta feito pelo ex-ministro Luiz
Henrique Mandetta, na Globonews, foi menos de 50% em 2020 comparado a 2019.
—
O câncer de mama é o que mais mata mulher no Brasil — lembra Ana Amélia.
Existem
outras consequências. Há 21 milhões de domicílios nos quais a renda dos idosos
é mais da metade da renda da família:
—
Nesses domicílios há seis milhões de crianças com menos de 15 anos. Quando
morre o idoso, a família não fica apenas órfã, ela fica mais pobre.
E
ainda encolheu o mercado de trabalho para a mulher:
—
A participação da mulher no mercado de trabalho voltou aos níveis dos anos
1990. Muitas tiveram que deixar o emprego para cuidar dos filhos, outras foram
demitidas, as mulheres trabalham muito nos serviços e no comércio. Houve queda
forte também no número de vagas para empregadas domésticas.
Depois da pandemia haverá muito trabalho para combater todos os efeitos desta tragédia que vivemos.
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