País
não demonstra a gana necessária para emergir e parece resignado com seu próprio
subdesenvolvimento
O
programa liberal do governo Jair Bolsonaro levou uma surra do “mercado” na
semana passada. Bastou o presidente anunciar a troca do presidente da
Petrobras, que havia sido indicado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes,
para que a bolsa desabasse e o dólar subisse.
O
“mercado” parece não acreditar mais na palavra de Bolsonaro, que se elegeu
presidente, a despeito de sua biografia autoritária, com o discurso de que as
decisões econômicas seriam do liberal Guedes. Na sua santa ingenuidade, o
“mercado” acreditou e o ajudou a se eleger.
Se
o mercado fosse sem aspas, daria importância também ao que a atual gestão do
governo não está fazendo. É absurdo que no debate econômico de hoje sejam
considerados relevantes, como escreveu o economista André Lara Resende, apenas
o risco fiscal e o equilíbrio das contas públicas.
Ainda
que as reformas sejam feitas e que o risco fiscal seja debelado, o país não
estará salvo nem pronto para virar potência econômica. O leitor atento já viu
neste espaço que o presidente dos EUA de 1933 a 1945, Franklin Roosevelt,
aconselhava seus auxiliares a ousar e persistir na adoção de políticas de
desenvolvimento. Mesmo que algumas fracassassem, a ideia era tentar outros
modelos e buscar obstinadamente o crescimento. Detalhe: a economia americana
cresceu, em média, mais de 8% ao ano durante seus 12 anos de governo.
Promover reformas é saudável, mas fazer só isso e esperar a pandemia passar para começar a pensar no planejamento econômico constituiu omissão. Mesmo antes do fim da pandemia e da conclusão das reformas, o país precisa se preparar para uma fase em que o investimento público vá puxar o crescimento da economia e do emprego. [Cabe aqui uma reflexão, entre colchetes: será que algum dia as reformas vão terminar? Desde 1964, quando João Goulart propagava suas reformas de base, nunca mais paramos de ouvir falar nelas]. Não se pode esperar, ingenuamente, que o desenvolvimento se dê num passe de mágica, por obra e graça do “mercado”. A recuperação pós-pandemia depende de ações obstinadas do setor público.
Está
na hora, então, de fazer algumas perguntas. Quem demonstra obstinação por
“desenvolvimento” no atual governo? Embora haja um ministério com esse nome, a
palavra entre aspas nem é pronunciada na cúpula econômica, desperta nojo, tida
como bibelô da esquerda desenvolvimentista.
Quem
prepara programas de estímulos para incentivar investimentos em setores-chaves
nas próximas décadas? Com a honrosa exceção do ministro da Infraestrutura,
Tarcisio Gomes de Freitas, aparentemente ninguém, porque a convicção liberal é
de que a mão invisível do “mercado” fará esse papel.
A
área da mobilidade passa por mudanças explosivas. Em menos de dez anos, os
carros de hoje serão “carroças” do século XX. A Ford já anunciou que a partir
de 2030 só produzirá elétricos ou híbridos na Europa. Quem está pensando nisso
no governo? Se alguém está, opera em segredo. A Ford preferiu apostar mais na
Argentina do que no Brasil. O que será da indústria brasileira de veículos
daqui a dez anos? E dos empregos que ela proporciona?
Quem
está olhando para o eficiente setor de agronegócios do país para modernizá-lo
ainda mais e evitar que seja superado por outras produções globais mais
competitivas? Alguém avalia as formas de agregar valor ao produto agropecuário?
Cadê
o Ministério do Planejamento? Não existe mais. Quem tem coragem de fazer planos
nacionais de desenvolvimento? Aparentemente ninguém, porque os avanços
tecnológicos atropelam os lentos formuladores e também porque o pensamento está
voltado muito mais ao equilíbrio fiscal, adorado pelo “mercado” e capaz de
promover, pela crença liberal, o desenvolvimento.
Joseph
Stiglitz, Nobel de Economia, em recente entrevista ao Valor, deu a dica para outras
perguntas. Quem está debruçado em pensar as etapas exigidas na pós-pandemia? A
saber, o apoio à população mais exposta à crise, os investimentos em inovação e
a transição ecológica? Esta última é criminosamente ignorada, até combatida
pelo governo e expõe o país ao ridículo no caso da Amazônia.
A
pandemia promove um verdadeiro massacre aos idosos. Apesar disso, a população
brasileira vai envelhecer nas próximas décadas e demandar novos cuidados. Quem
se preocupa com o assunto no governo? Aparentemente ninguém, exceto no caso da
Previdência, em que se fez uma reforma para proteger os cofres do governo do
aumento dos custos das aposentadorias nos próximos dez anos. Sobre a Economia
da Longevidade, tão bem descrita em livro pelo jornalista Jorge Félix, nenhuma
palavra.
Mas
a pandemia, observa Stiglitz, está levando os economistas a simpatizar
novamente com a provisão pública de serviços essenciais como saúde, educação,
transporte e segurança. “Tivemos fé demais nos mercados e, quando chegou o
momento decisivo, eles se mostraram pouco resilientes, incapazes de produzir
máscaras (...). Por outro lado, embora tenhamos pouca fé nos governos, sempre
nos voltamos a eles quando estamos no meio de uma crise. E essa foi uma lição
custosa que tivemos de engolir.”
A
falta de planejamento na economia brasileira é acompanhada do desastroso e
omisso desempenho na área da saúde, do descaso com a educação e da política
externa equivocada. Observe-se que, em plena pandemia, articula-se o fim da
obrigação constitucional de aplicação de recursos mínimos em saúde e educação
pelos governos, nos três níveis. Observe-se que há uma lenta, gradual e segura
destruição do BNDES, sendo o tiro de misericórdia o cancelamento de repasses
constitucionais de 28% da receita do PIS/Pasep para financiar programas de
desenvolvimento do banco, medida prevista na PEC Emergencial.
Nos últimos 30 anos, o Brasil foi pomposamente incluído entre os grandes emergentes, junto com China, Índia e Rússia. E mereceu isso, por vencer uma longa batalha contra a inflação e pelas políticas sociais que melhoraram a distribuição de renda, uma chaga aumentada pela política concentradora do regime militar. Agora, o rótulo de emergente soa como eufemismo, porque não há no país gana de emergir. A cara do Brasil, infelizmente, voltou a ser de apático e irrelevante subdesenvolvido.
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