- O Estado de S. Paulo
O comandante do Exército está no pior dos mundos: ou perde o cargo, ou perde a autoridade
Por que o presidente Jair Bolsonaro saiu ontem de
Brasília, voou quase 3 mil quilômetros e se meteu no meio da Amazônia para
inaugurar uma pontezinha de madeira, de menos de 20 metros? Simples. Para
continuar seduzindo os militares e tentar fazer com o novo comandante do
Exército, general Paulo Sérgio,
o que fez com o também general Eduardo Pazuello: cooptá-lo, para
manipulá-lo. Mas Paulo Sérgio não é Pazuello.
A ponte Rodrigo e Cibele fica na BR 307,
liga São Gabriel da Cachoeira (AM) à Comunidade Indígena Balaio e foi feita
pela Engenharia do Exército. Bom pretexto para o encontro de Bolsonaro com
Paulo Sérgio e o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, com direito a
fotos e ao teatro de que vai tudo às mil maravilhas entre o presidente e as
Forças Armadas. Não é assim.
Enquanto Bolsonaro se encontrava com o comandante e o ministro, bem longe da capital, vencia o prazo de 72 horas para que Pazuello se defendesse no Comando do Exército sobre sua presença num ato evidentemente político com o presidente, no Rio, domingo passado. O Estatuto Militar e o Regimento Disciplinar do Exército proíbem militares da ativa, caso de Pazuello, em atos políticos.
Quem tem poder monocrático no caso Pazuello
é Paulo Sérgio, que tem sete dias para decidir e está no pior dos mundos: ou
pune, correndo o risco de ser desautorizado por Bolsonaro e obrigado a se
demitir; ou não pune e perde o respeito e a autoridade. Como ele estava ontem
confraternizando com o presidente, suspeita-se que possa estar sendo convencido
a optar por mera advertência. Não será fácil.
Ao defender punição,
“para evitar a anarquia”, o vice Hamilton Mourão reflete
um sentimento generalizado entre militares, que temem um estouro da boiada não
mais no Meio Ambiente, mas nas Forças Armadas. Se um general pode subir em trio
elétrico, todo mundo pode. Com uma agravante: no ano que vem tem eleição, pode
virar uma farra...
Depois de proibir a compra da “vacina
chinesa do Doria”, Bolsonaro foi ao hospital adular Pazuello, que estava com
covid e caiu na lábia. Agora, o presidente age preventivamente, já aplainando
terreno para evitar uma sentença dura contra Pazuello ou para vetá-la depois.
Nesse caso, Paulo Sérgio vai se conformar com uma visitinha e uma adulação? Vai
aderir ao “um manda, outro obedece”?
Como parte do script, Bolsonaro fez sua
live semanal, ontem, no Pelotão Especial de Fronteira de Maturacá, usando uma
antena do sistema de comunicação por satélites do Exército. E dormiu lá com a
turma, manipulando egos e vaidades, para reduzir o mal-estar e a ansiedade para
a nova crise com as Forças Armadas.
O strike na cúpula militar, com a demissão
do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército, da Marinha e da
Aeronáutica, já demoliu a falácia, ou a impressão, de que as Forças Armadas são
um monobloco e esse monobloco está inteiro com Bolsonaro. Ficou claro que não é
assim.
Não satisfeito em dividir os militares, até
então unidos e disciplinados, mesmo nos governos Lula e Dilma Rousseff,
Bolsonaro aprofundou o incômodo com as imagens inacreditáveis do general
Pazuello no seu palanque político. Crise renovada, ou piorada, Bolsonaro passa
de incendiário a bombeiro, tentando seduzir os militares com falso prestígio,
tapinhas nas costas, confraternizações.
Paulo Sérgio cai nessa? É a pergunta que
não quer calar em comandos, quartéis e lares militares, onde cala fundo o
alerta do general Fernando Azevedo e Silva ao ser demitido da Defesa: é
fundamental preservar as Forças Armadas como instituições de Estado, não de
governos que vêm e vão. Nunca antes, pós-redemocratização do País, um
presidente fez tão mal às Forças Armadas como Jair Bolsonaro.
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