Por João Pedroso de Campos / Revista Veja
Um experiente parlamentar costuma brincar
que, em meio a uma confusão generalizada provocada por uma catástrofe nuclear,
procuraria Gilberto Kassab para saber o que fazer. Atual presidente
do PSD, ele já ocupou cargos como o de prefeito de São Paulo e de ministro de
Dilma Rousseff e Michel Temer. Não perdeu o prestígio de “oráculo” político
mesmo depois de ter sido atingido por suspeitas de corrupção (responde no
momento a um processo por corrupção passiva, lavagem de dinheiro, caixa dois
eleitoral e associação criminosa, denúncias negadas por ele). Respeitado pela
sua habilidade nos bastidores, prepara uma mudança de patamar do seu PSD: a
sigla deve ter candidatos próprios e bastante competitivos em alguns dos
maiores colégios eleitorais do país, e flerta com o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco, hoje no DEM, para uma inédita candidatura presidencial.
Segundo Kassab, há espaço para um nome de centro romper a polarização entre
Lula e Bolsonaro. Nos últimos tempos, aliás, tem subido o tom das críticas ao
capitão e enxerga nele sinais preocupantes de quem deseja um golpe.
Políticos da esquerda à direita costumam se
referir ao senhor como “oráculo”. Previa lá atrás que o governo atual teria
tantos problemas?
Estou acostumado a conviver com resultados que não corresponderam à expectativa. Hoje, mais do que nunca, estou convencido de que a vitória do Geraldo Alckmin teria sido melhor para o Brasil em 2018. A eleição de Bolsonaro não foi boa para o país. Essa é a razão de eu estar entre aqueles que procuram hoje alternativas. Vejo com muita preocupação a continuidade de um governo que tem uma série de problemas e que em nada tem ajudado.
O senhor se surpreendeu com o comportamento
de Bolsonaro no governo?
Eu tinha certeza de que ele teria
dificuldades para ser presidente. Convivi com Bolsonaro como deputado federal
em dois mandatos e não enxerguei qualidades que o credenciassem a ser
presidente. Ser candidato e ganhar as eleições não é tudo. Aprendi que o
importante não é apenas ganhar as eleições. Se é para ganhar com um projeto
ruim, é melhor perder, porque isso vai trazer um desgaste talvez irreversível à
sua carreira, e do ponto de vista de políticas públicas a um município, um
estado, um país, o resultado será também muito danoso.
Na mais recente crise entre o presidente e
o STF, Bolsonaro pediu o impeachment do ministro Alexandre de Moraes. O que
achou desse gesto?
Bolsonaro errou. A tensão no país está sendo criada pelo presidente, e não pelo STF, que tem se manifestado adequadamente. Felizmente, o presidente do Senado rejeitou esse pedido de impeachment. É um absurdo vindo do presidente, porque ele sabe que quem está acirrando os ânimos, provocando tensão, é ele, procurando, intencionalmente ou não, gerar confusão no processo eleitoral. Isso é lastimável para alguém que foi eleito democraticamente por esse sistema de votos. Convivi com a época da apuração em cédulas de papel. Aquele sistema, sim, possibilitava fraudes.
Teme que o presidente tente alguma ruptura
democrática caso seja derrotado em 2022?
Tenho uma forte percepção de que ele pensa no assunto, sim, e dá sinais de que deseja o golpe. Ele verbaliza isso. É muito preocupante. Um presidente da República, quando sinaliza um golpe, pode estar brincando ou falando sério. Se estiver brincando com isso, é um irresponsável. Se estiver falando sério, pior ainda. Diante das suas manifestações mais recentes, temos de estar preparados para tudo. Acho que o Supremo e o Tribunal Superior Eleitoral estão se preparando para que ele não tenha sucesso, caso não seja uma brincadeira. O Congresso vai se preparar e eu, pessoalmente, também.
“O presidente dá sinais de que deseja o
golpe, verbaliza isso. Se estiver brincando, é irresponsável. Se estiver
falando sério, pior ainda. Temos de estar preparados para tudo”
Depois do desfile com tanques de guerra em
Brasília, o bolsonarismo está se mobilizando para fazer manifestações
barulhentas em 7 de setembro. O senhor teme tumultos?
Espero que sejam atos democráticos, que são
sempre bem-vindos. Sobre aquele desfile militar, foi uma piada. Fez muito
barulho nos dias que antecederam, provocou polêmica e depois virou galhofa pela
maneira como foi feito. É triste, mas imagino que talvez daqui a alguns meses
as pessoas vão parar de dar importância a Bolsonaro.
O impeachment já foi mais possível do que é
hoje?
Tenho muitas críticas ao governo, mas
sempre descartei o impeachment. Não vejo até agora nenhum motivo para isso na
conduta do presidente. Ele tem dado opiniões, mas não deu passo concreto em
direção a um golpe. Se em algum momento as opiniões virarem ações, o Congresso
precisa ser célere e defenderei a ideia de que meu partido apoie o impeachment.
O partido nunca fechou questão, mas, quando Bolsonaro ultrapassar essa linha,
dentro do partido vou defender o afastamento.
A CPI da Pandemia pode favorecer um clima
para o impeachment?
Tem de ter algo concreto, não se pode
banalizar o impeachment. Os erros dele na pandemia foram desastrosos,
promovendo aglomerações, a demora na compra das vacinas… Tudo isso causou um
desgaste de imagem, mas não sei se justifica o impeachment. Justifica, sim,
punições, ações do Ministério Público… Se ele avançar mais alguns passos no
sentido de trabalhar por um golpe, a Câmara tem o dever de abrir o processo de
impeachment.
Além de Bolsonaro, já há outros candidatos
em campanha para 2022. O que deve influenciar mais o voto do eleitor no
ano que vem?
A vontade de mudar. Hoje, apenas
aproximadamente 25% dos brasileiros querem continuar com este governo. A cada
semana, a cada mês, está havendo queda na sua popularidade. Há uma aspiração
por uma mudança tranquila. O brasileiro não aguenta mais enfrentamento,
acirramento de ânimos.
Por que o centro ainda não tem um candidato
competitivo?
O eleitor vai escolher isso no momento
certo, na pré-campanha vai sinalizar o seu apoio. No Brasil existe a tradição
do voto útil, que acontece com muita frequência. Acredito que acontecerá de
novo. Aposto em uma proposta nova, conciliadora.
O senhor tem defendido a candidatura do
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, mas nomes como Ciro Gomes não indicam
que abrirão mão da disputa presidencial. Esse número de candidatos correndo na
mesma faixa não pode sufocar a terceira via?
É da democracia os partidos terem
candidatos. Respeitamos as candidaturas colocadas, não acho que estejamos
caminhando para um número excessivo de candidatos. O PSD se preparou para ter seu
próprio nome, que é o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Ele tem mais
chance de conseguir recolher o voto daqueles que rejeitam os dois extremos.
Pacheco é visto como político conciliador,
mas ainda muito desconhecido. Há tempo para fazer dele um candidato competitivo
até 2022?
As razões das pessoas para rejeitarem o
atual governo é constatarem que está à frente dele uma pessoa sem experiência
de gestão, que não estava preparada para ser presidente. É quase uma aventura
esse governo, o brasileiro não quer mais isso. Rodrigo Pacheco é um advogado
bem-sucedido, bem preparado, com trajetória parlamentar admirável. Não se pode
ficar impressionado com pesquisa no momento. Se ele aceitar o convite, muito
possivelmente será o candidato que melhor representará a união nacional, o
candidato dessa mudança tranquila.
Pré-candidato do PSDB à Presidência, o
governador João Doria procura também ocupar esse espaço. Como avalia as chances
dele?
Ele tem muita exposição e todos sabem que
ele é candidato. Mesmo assim, tem dificuldades. É difícil o governador chegar
aos 25% para ir para o segundo turno. As pesquisas também mostram que sua
avaliação não é boa.
O senhor descarta apoio do PSD a outro
candidato de centro, caso Pacheco não se filie, ou até mesmo uma aliança com
Lula?
O PSD só tem seus planos A, B e C, que são:
Rodrigo Pacheco candidato a presidente.
Em que medida a volta de Lula à disputa
eleitoral e os movimentos dele ao centro podem reduzir o campo da terceira via?
A candidatura do Lula atinge mais a do Ciro
Gomes, que tem muitas qualidades, mas o Lula dificulta a ida do Ciro para a
esquerda, onde o ex-presidente tem mais força.
Acredita ainda numa candidatura do ex-juiz
Sergio Moro?
Ele pode ser um bom candidato ou um bom
apoiador. Moro tem um legado, sinaliza aos brasileiros um dos principais
agentes públicos no combate à corrupção, com bastante êxito, e também com
erros. O problema dele foi aceitar ser ministro de um governo em que
muitas pessoas não acreditavam. Isso trouxe complicações à sua carreira, mas ele
tem legitimidade para aspirar ao cargo.
“Meus planos A, B e C para o Palácio do
Planalto em 2022 são o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Se aceitar o
convite, ele será o candidato que melhor representará a união nacional”
Na disputa aos governos estaduais em 2022,
seu partido quer lançar candidaturas próprias em estados importantes. Em São
Paulo, vai mesmo tirar Geraldo Alckmin do PSDB para enfrentar os tucanos como
cabeça de chapa do PSD do estado?
Acho que Alckmin tem vários motivos para se
filiar ao PSD, um partido que está arrumado e tem várias lideranças. Ele foi
quatro vezes governador, sempre muito bem avaliado. É uma candidatura segura.
Só depende dele agora.
O senhor costuma negar que o PSD seja parte
do chamado Centrão. O que os diferencia?
O PSD é de centro e não temos nenhum
problema de convivência com o Centrão. Como qualquer sigla de centro, o PSD tem
preocupação extremada com a saúde pública, com o ensino público, a ciência e as
políticas sociais. E isso não é incompatível com algumas políticas públicas que
pregam os liberais no campo da economia, como fortalecimento da iniciativa
privada. A opinião pública não sabe o que pensam os partidos do Centrão.
O senhor disputou pela última vez uma
eleição em 2014, ao Senado, e não foi eleito. Não tem mais aspiração a cargos
majoritários?
Estava me preparando para ser candidato a
senador, entendo que há circunstâncias favoráveis pela minha relação com
prefeitos, com a sociedade, as realizações em São Paulo, o conhecimento e a
experiência. Mas as circunstâncias de fortalecimento do PSD, um projeto que eu
assumi o compromisso de coordenar, me levaram a deixar de lado a ideia. Penso
no futuro em voltar a disputar eleições, mas não em 2022.
Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753
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