Correio Braziliense / Estado de Minas
“No
establishment econômico, institucional e até mesmo militar, porém, a grande
interrogação é se chegaremos às eleições de 2022 com Bolsonaro no poder”
O imponderável da democracia brasileira,
com eleições limpas e apuração instantânea, é o voto popular. Vem daí o medo
que Jair Bolsonaro sente das urnas eletrônicas, porque sua reeleição subiu no
telhado, em razão de o país estar à matroca — com inflação em alta, desemprego
em massa, crise sanitária e risco de apagão. Por isso, ameaça tumultuar as
eleições de 2022. O presidente da República teme não se reeleger, desde que o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva despontou como favorito nas pesquisas
de opinião, mesmo sabendo que ninguém ganha eleição de véspera. Outros
postulantes querem romper essa polarização: João Doria (PSDB), Ciro Gomes
(PDT), Henrique Mandetta (DEM), quiçá Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado,
e Sérgio Moro, o ex-juiz que não se assume como candidato e continua pontuando
nas pesquisas. Nas simulações de segundo turno, Bolsonaro perderia para todos.
Obviamente, esse cenário ameaça até sua presença no segundo turno.
Pressionado psicologicamente, diante do próprio fracasso político-administrativo, a 14 meses das eleições, Bolsonaro aposta na polarização ideológica e na radicalização política extrema. Busca um atalho para se manter no poder. Apoiado por partidários fanatizados, escala um confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e trabalha para melar as eleições, ao levantar suspeitas sobre a integridade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na condução do pleito. Tenta intimidar a oposição, a imprensa e os ministros do Supremo, e arrastar as Forças Armadas para uma aventura golpista. Não obteve sucesso até agora. Quer transformar o Sete de Setembro, no qual pretende realizar duas grandes manifestações, uma em Brasília e outra em São Paulo, numa demonstração de que pode resolver no braço o que não consegue pelo convencimento, como fazem os valentões.
Os próximos meses serão complicados.
Bolsonaro tem um pacto com os violentos. Primeiro, com as milícias do Rio de
Janeiro, cujo modelo de atuação naturalizou e traduziu para a política.
Aproveitando-se dos interesses corporativos de categoriais profissionais
embrutecidas pelos riscos da própria atividade, mobiliza atiradores e
indivíduos que cultuam a violência por temperamento ou ideologia, fundamentais
para a formação de falanges políticas armadas, para as quais conta com a
expertise de militares reformados e agentes de segurança pública. A violência
sempre presente nos territórios dominados por atividades transgressoras ou na
fronteira da economia informal, onde não existe título em cartório e as dívidas
são cobradas sob ameaças, é o caldo de cultura de que se aproveita.
Establishment
Na Itália do jurista, político e ex-primeiro-ministro Aldo Moro, assassinado em
1978 pelas Brigadas Vermelhas, os terroristas escreveram nos muros da sede da
Democracia Cristã: “Transformar a fraude eleitoral em guerra de classes”. Com
sinal trocado, quando fala que o povo deveria comprar fuzil e não feijão,
Bolsonaro sinaliza na direção de que pretende transformar as eleições numa
guerra. Está armando os militantes que pretende mobilizar para tumultuar o
pleito, como tentou Donald Trump nas eleições americanas, diante da
impossibilidade de mobilizar as Forças Armadas para dar um golpe de Estado.
No establishment econômico, institucional e
até mesmo militar do país, porém, a grande interrogação é se chegaremos às
eleições de 2022 com Bolsonaro no poder. Sua escalada contra as regras do jogo
democrático e contra o Supremo não tem como dar certo. No limite, propõe a
discussão sobre a eventualidade de interdição por insanidade mental ou
inelegibilidade por atentar contra a democracia. Talvez seja essa a aposta do
presidente da República, para provocar uma crise institucional de desfecho
violento.
A democracia é uma conquista civil da qual não se pode abrir mão precisamente
porque, onde ela foi instaurada, substituiu a violenta luta pela conquista do
poder por uma disputa partidária com base na livre discussão de ideias.
Condenar as eleições, esse ato fundamental do sistema democrático, em nome da
guerra ideológica, nos ensina o mestre Norberto Bobbio, significa “atingir a
essência não do Estado, mas da única forma de convivência possível na liberdade
e através da liberdade que os homens até agora conseguiram realizar, na longa
história de prepotência, violência e cruel dominação”. Deixemos o povo resolver
as disputas pelo voto, em clima de eleições pacíficas e ordeiras.
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