EDITORIAIS
Congresso precisa rever cortes na área de
ciência
O Globo
A ciência, essa persona non grata no
governo Jair Bolsonaro, sofre mais uma perigosa estocada. A pedido do
Ministério da Economia, o Congresso mudou o projeto de lei que cria o crédito complementar
para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, maior fonte
de fomento à pesquisa no país. Com isso, o Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovações, que receberia R$ 690 milhões, ficará com apenas R$ 89,8 milhões.
O objetivo do governo é remanejar os recursos para outras áreas. Desenvolvimento Regional receberá R$ 252 milhões para Defesa Civil, habitação e infraestrutura hídrica; Educação terá R$ 112 milhões para bolsas e ensino básico; Comunicações, R$ 100 milhões para programas de inclusão digital; Agricultura, R$ 58 milhões; Saúde, R$ 50 milhões; e Cidadania, R$ 28 milhões.
O próprio ministro de Ciência e Tecnologia,
Marcos Pontes, que costuma fazer vista grossa aos desmandos de Bolsonaro,
criticou a decisão. Disse ter sido pego de surpresa e confidenciou que quase
deixou o cargo na quinta-feira. Segundo Pontes, os recursos seriam destinados a
subvenção de empresas, financiamento de startups, melhorias em laboratórios de
universidades e bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). Os editais já lançados não poderão ser executados. No
domingo, Pontes publicou numa rede social que o corte é “equivocado e ilógico”.
Bastou para que virasse alvo dos bolsonaristas.
Entidades de pesquisa, como a Academia
Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), protestaram. Em carta enviada ao presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (DEM-MG), fazem um apelo aos parlamentares para que cancelem a decisão.
Afirmam que ela subtrai recursos destinados ao apoio a pesquisas e
impossibilita projetos já agendados pelo CNPq: “É um golpe duro na ciência e na
inovação, que prejudica o desenvolvimento nacional”.
Ao justificar a decisão, o Ministério da
Economia alegou que, em nove meses deste ano, só foram empenhados R$ 87,4
milhões de um orçamento autorizado de R$ 104,7 milhões na área de C&T e que
não seria adequado elevar os recursos para R$ 690 milhões. As entidades
científicas contestam, afirmando que o argumento “afronta a comunidade
científica e tecnológica”.
A tesourada expõe ainda mais o desprezo do
governo Bolsonaro pela ciência, evidente ao longo da pandemia. Ao optar pelo
obscurantismo, Bolsonaro incensou drogas comprovadamente ineficazes contra a
Covid-19, minou a confiança nas vacinas, mandou às favas os protocolos
sanitários recomendados pela comunidade científica e, como mostrou a CPI da
Covid, preferiu se aconselhar com um gabinete paralelo anticiência, na
contramão das orientações do próprio Ministério da Saúde. Bolsonaro tem se
revelado mais próximo ao curandeirismo que à ciência.
O Congresso precisa urgentemente rever os
cortes. Tratar a ciência de forma tão mesquinha como faz o governo Bolsonaro
terá consequências nefastas no desenvolvimento do país, que hoje já assiste a
uma indesejável fuga de cérebros. O crescimento da produtividade depende mais e
mais do conhecimento e da integração entre empresas e a produção acadêmica. Não
se chegará a lugar algum sem investir em ciência, pesquisa, tecnologia e
inovação. Ignorar isso é condenar o país ao atraso.
STF faz bem em garantir aos cidadãos
proteção contra a arapongagem oficial
O Globo
Guardiões da Constituição, os ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram de forma unânime na semana passada
proteger os brasileiros contra a arapongagem estatal. Em voto aclamado pelos
pares, a relatora Cármen Lúcia estabelece que órgãos competentes só podem
fornecer dados e informações à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) quando
comprovado o interesse público, sob o controle de legalidade pelo Poder
Judiciário. Mesmo quando esses pré-requisitos forem preenchidos, são exigidos
sistemas de registro para responsabilização por eventuais desvios e abusos.
Que a mais alta Corte do país tenha de
perder tempo examinando as regras para a ação de agentes da Abin é mais uma
triste consequência do governo de Jair Bolsonaro. Na famigerada reunião
ministerial de 22 de abril de 2020, o presidente confessou suas intenções: “Pô,
eu tenho a PF que não me dá informações. Eu tenho as inteligências das Forças
Armadas, que (sic) não tenho informações. A Abin tem os seus problemas, tenho
algumas informações. (...) Mas a gente não pode viver sem informação. Quem
nunca ficou atrás da porta ouvindo seu filho ou filha?”.
Dois episódios de seu governo ainda merecem
mais escrutínio. O primeiro é um relatório de inteligência atribuído à
Secretaria de Operações Integradas, do Ministério da Justiça e Segurança
Pública, sobre atividades de integrantes de movimentos antifascistas e críticos
ao governo. O segundo diz respeito a uma tentativa de usar a Abin para ajudar
os advogados de defesa do senador Flávio Bolsonaro a anular o caso Fabrício
Queiroz, pivô de operações bancárias suspeitas envolvendo servidores da
Assembleia Legislativa do Rio quando o filho do presidente era deputado
estadual.
A manifestação do plenário do STF na semana
passada se deu a partir de um questionamento do PSB e da Rede Sustentabilidade
sobre a Lei 9.883/1999, que condiciona o fornecimento de dados a ato do
presidente da República. Outra fonte de preocupação dos dois partidos é o
Decreto 10.445/2020, responsável por alterar a estrutura da Abin para facilitar
a obtenção de informações pelo diretor-geral.
No seu voto, a ministra Cármen Lúcia
ressalta que a atividade de inteligência é de inegável importância para
preservar a segurança nacional. Reconhece que tem caráter sigiloso tanto na
execução como no teor das informações coletadas. Porém o Estado Democrático de
Direito exige que se submeta a controles.
Nas palavras da ministra, deve-se afastar
“qualquer possibilidade de o fornecimento de dados atender a interesses
pessoais ou privados”. Principalmente para o atual presidente, mas também para
todos os próximos, a mensagem não pode ser mais direta: a democracia não admite
arbitrariedades e exige que todos se submetam à lei.
A prudência do agronegócio
O Estado de S. Paulo
Setores do agronegócio procuram alternativas entre os candidatos de centro. Lulopetismo e bolsonarismo trazem problemas
Setores do agronegócio procuram
alternativas a Jair Bolsonaro entre os candidatos de centro para as eleições
presidenciais de 2022, mostrou reportagem do Estado. Além de ser uma atitude
de prudência – com seus atuais índices de desaprovação, Jair Bolsonaro não é
empecilho para a volta de Lula –, a movimentação revela um aspecto fundamental
da relação entre o agronegócio e a política. Mais do que soluções, o
lulopetismo e o bolsonarismo trazem problemas, de diversos níveis, para o setor
agropecuário.
Por diferentes meios, Lula e Bolsonaro
reforçam a equivocada imagem de que o agronegócio é inimigo do meio ambiente.
Nos governos petistas, o setor sempre foi tratado como vilão das causas sociais
e ambientais, o que levou a um agravamento dos conflitos entre o campo e
ambientalistas, movimentos de sem-terra e ONGs.
Dessa forma, a agropecuária não tem nenhum
motivo para apoiar uma volta de Lula ao Palácio do Planalto. Significaria
transigir com o nefasto histórico petista, que ainda não foi esquecido. Enquanto
esteve no poder, o PT financiou, com dinheiro público, grupos e organizações
cujas práticas incluíam difundir desinformação sobre o agronegócio, ameaçar
produtores rurais e produzir tensão no campo.
Por isso, o apoio do campo em 2018 ao
candidato anti-Lula foi tão expressivo. No entanto, de 2019 para cá, também
ficou evidente que Jair Bolsonaro atrapalha o agronegócio. De forma
inteiramente irracional, o Palácio do Planalto difundiu, no cenário
internacional, a imagem de um Brasil inimigo do meio ambiente.
“A credibilidade do País foi perdida com a
permissão de ilegalidades, a extração de madeira e o garimpo. Se não enfrentar
isso e o grilo de terras, que é roubo de terra pública, não resolve nada, não
adianta ficar falando de bioeconomia e de pagamento por serviço ambiental na
Amazônia. Nisso o governo falhou e é muito grave”, disse Pedro de Camargo Neto,
que foi presidente de diversas entidades do setor rural, ao Estado.
O agronegócio é um grande aliado da
preservação ambiental. As áreas de vegetação nativa preservadas por
agricultores, pecuaristas, silvicultores e extrativistas equivalem a 26,5% do
território brasileiro, o que representa um imenso patrimônio privado
imobilizado a serviço da preservação do meio ambiente. Entre outros fatores,
esse quadro é o resultado de uma legislação ambiental moderna, equilibrada e
responsável, que é referência no mundo inteiro.
No entanto, apesar de tudo isso, Jair
Bolsonaro conseguiu dar ao Brasil a condição de pária internacional em matéria
ambiental, o que favorece os concorrentes das exportações brasileiras. De forma
paradoxal, o discurso a favor do meio ambiente tornou-se arma contrária aos
produtos brasileiros. Ou seja, o bolsonarismo também faz mal ao agronegócio, ao
dificultar a conquista e ampliação de novos mercados.
O distanciamento de setores do agronegócio
em relação ao governo federal tornou-se explícito nas vésperas do 7 de
Setembro. Enquanto o presidente Bolsonaro convocava a população para o
enfrentamento com outros Poderes, entidades do setor publicaram uma veemente
carta em defesa da democracia e das instituições.
“Somos força do progresso, do avanço, da
estabilidade indispensável e não de crises evitáveis”, dizia o documento
assinado, entre outras entidades, pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag),
a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e o Sindicato
Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal. A carta também fazia
um alerta a respeito do “tensionamento e riscos de retrocesso e rupturas”.
O agronegócio tem muito a ensinar ao País.
Fala-se muito – e com razão – do seu papel positivo para a balança comercial.
Suas contribuições, no entanto, vão muito além disso, por exemplo, na
preservação ambiental, no aumento da produtividade e na criação de empregos cada
vez mais qualificados. Agora, o setor pode ser também uma importante ajuda na
política, fortalecendo o centro democrático e responsável.
Velhos problemas, novas soluções
O Estado de S. Paulo
Ferramentas que requalificam os centros urbanos têm de ser disseminadas pelo País
Todas as manhãs a cena se repete: milhões
de pessoas nas periferias se amontoam no transporte público e percorrem longas
distâncias até o trabalho, comércio ou serviços no centro. Ao cair da tarde,
essas multidões vibrantes e plurais se dispersam e o centro se torna uma cidade
fantasma povoada por pobres sem-teto que se acomodam nas reentrâncias e
sarjetas. Ao esvaziar escritórios e confinar as pessoas em casa, a pandemia
agravou a agonia dos centros urbanos: ante a falta de moradores e visitantes,
muitos de seus bares, restaurantes e estabelecimentos comerciais ou culturais
fecharam as portas, expondo ainda mais sua insalubridade e insegurança.
Ante esse cenário de desolação, vários
programas municipais – como o Aluguel no Centro, de São Luís do Maranhão; o
Reabilitação do Centro, de Porto Alegre; e, em especial, o Requalifica Centro,
de São Paulo; e o Reviver Centro, do Rio de Janeiro – vêm fomentando o chamado
retrofit.
Mais do que reforma ou restauro, o retrofit
(reciclagem, reabilitação, revitalização) visa a substituir funções
tecnológicas obsoletas em edifícios degradados, preservando configurações
originais de fachada e volumetria, para garantir a sua reutilização ou novos
usos. O modelo foi vital para a recuperação dos centros velhos da Europa. Um exemplo
de excelência no Brasil foi a metamorfose de uma estação ferroviária abandonada
no centro paulistano em uma das melhores salas de concerto do mundo, a Sala São
Paulo. Em escala, o retrofit serve tipicamente à habitação.
Por razões que vão de incêndios traumáticos
à proteção do patrimônio contra a voracidade imobiliária, passando por
zoneamentos rígidos e ultrapassados, a reedificação nos centros é complicada e
custosa. Os novos planos buscam facilitá-la por meio da flexibilização de
exigências construtivas e de incentivos fiscais.
Muitos são alvo de críticas. O de São
Paulo, em particular, pelo trâmite açodado, sem maiores consultas públicas e
estudos de impacto. Os empreendedores questionam a falta de soluções para o
excesso de burocracia; os urbanistas, a falta de incentivos para habitações de
interesse social. São críticas a serem consideradas na hora de regulamentar,
ajustar e desenvolver o plano paulistano. De todo modo, a urgência de
instrumentos de reabilitação é consensual.
Muitos desses problemas podem ser sanados
inspirando-se nas soluções do Rio de Janeiro. Mesmo com incentivos fiscais, a
adaptação de construções antigas é custosa. Para atrair empreendedores, o Rio
criou uma Operação Interligada, pela qual aqueles que recuperam um prédio no centro
podem comprar direitos de verticalização em áreas nobres. Essa receita é
obrigatoriamente reinvestida em obras de requalificação de espaços públicos,
recuperação do patrimônio ou habitações sociais. O Plano de Intervenção Urbana
do Centro, em trâmite na Câmara de São Paulo, prevê um mecanismo similar. O Rio
oferecerá ainda benefícios ao incorporador que destinar uma cota das unidades
residenciais à locação social. A construção do programa vem sendo modulada por
uma série de enquetes públicas.
As diversas tentativas de recuperação dos
centros foram recorrentemente frustradas pela burocracia excruciante e a
dificuldade de dissolver imbróglios fundiários e fiscais dos imóveis
abandonados. Isso pode ser sanado com a criação de grupos intersecretariais com
representantes das várias instâncias de aprovação, como Corpos de Bombeiros ou
departamentos de peritagem.
Para impedir a perpetuação dos centros como
cemitérios de prédios glamourosos, mas degradados – e das secretarias de
planejamento como cemitérios de projetos exuberantes, mas inviáveis –, é
crucial ter claro que a riqueza dos centros vem da pluralidade única de usos e
usuários, e que sua reabilitação depende de abordagens colaborativas
multidimensionais que integrem espaços públicos e privados, eixos de mobilidade
e polos imobiliários, construções antigas e tecnologias novas, usos comerciais
e culturais e interesses sociais e empresariais. Dentre essas abordagens, o
retrofit é uma das principais.
As lições de um malogro
O Estado de S. Paulo
Fracasso no leilão do petróleo sinaliza que é preciso se preparar para a transição energética
A 17.ª rodada de licitações de áreas
exploratórias de petróleo, no último dia 7, teve o pior resultado de todos os
leilões de concessão já realizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (ANP). Fatores conjunturais e características
intrínsecas às ofertas e aos blocos ofertados contribuíram para o resultado.
Mas, numa perspectiva panorâmica, em meio à megatendência global da transição
energética, o malogro sinaliza o fim de um ciclo para a indústria brasileira de
óleo e gás, o que exigirá adaptações do poder público e dos produtores.
Dos 92 blocos, localizados em 11 setores e
4 bacias sedimentares marítimas – Campos, Pelotas, Potiguar e Santos –, apenas
5 foram arrematados, todos pela Shell, 1 deles em parceria com a colombiana
Ecopetrol. Foram as únicas empresas a apresentar ofertas. Desde a primeira
rodada de licitações, em 1999, essa foi a mais fraca, tanto em número de
participantes quanto em áreas arrematadas. A arrecadação de R$ 37 milhões foi a
segunda pior.
Com exceção da Bacia de Santos, nenhuma das
outras três bacias recebeu ofertas. Sem concorrência – especialmente da
Petrobras, que não participou do certame –, não houve ágio nos bônus de
assinatura. A rodada interrompeu uma intensa série de licitações, iniciada em
2017, que contou com as principais petroleiras do mundo.
De saída, as expectativas eram modestas.
Quase todas as áreas mais cobiçadas, com potencial para o pré-sal, já foram
licitadas. Os investimentos das petroleiras foram pesados, suas carteiras de
projetos estão cheias e ainda não houve grandes descobertas nas áreas
perfuradas. As empresas definiram sua participação na licitação ainda em 2020,
em meio às incertezas da pandemia e o impacto sobre seus caixas por causa das
quedas dos preços do petróleo. Além disso, em dezembro serão licitadas
excedentes promissoras da cessão onerosa de Sépia e Atapu, no pré-sal da Bacia
de Santos, com previsão de desembolsos de R$ 11 bilhões. Todos esses aspectos
redobraram a cautela das petroleiras.
Mesmo nas Bacias de Campos e Santos, que
concentraram três quartos dos blocos arrematados desde 2017, as áreas licitadas
eram distantes da costa, o que aumenta as incertezas jurídicas e riscos
exploratórios. Ainda mais arriscados eram os blocos nas fronteiras da
plataforma continental brasileira, como Pelotas e Potiguar, que, além de tudo, são
áreas sensíveis do ponto de vista ambiental. A licitação de Potiguar, em
especial, foi alvo de ações judiciais, petições públicas e protestos, em razão
da proximidade do arquipélago de Fernando de Noronha e da reserva Atol das
Rocas.
O leilão foi o primeiro desde que as
petroleiras multinacionais assumiram compromissos de descarbonização, em 2020.
Os investidores estão cada vez mais temerosos em relação aos combustíveis
fósseis, e os projetos de petróleo competem cada vez mais com os de energia
solar e eólica.
Todas essas variantes exigirão do poder
público estratégias de curto, médio e longo prazos. Os royalties são uma fonte
importante de receita para os governos. Segundo o diretor-geral da ANP, Rodolfo
Saboia, há urgência na exploração do petróleo, porque “essa janela de
oportunidade” não estará aberta para sempre. À espera de um momento favorável,
os blocos não arrematados entrarão em regime de oferta permanente – no qual as
empresas apontam as áreas de seu interesse. Mas para serem atraentes precisarão
ser seguros do ponto de vista jurídico e ambiental.
Não se sabe em que velocidade se dará a
transição dos combustíveis fósseis para os renováveis, mas ela é inexorável. O
resultado do último leilão é um sinal de que o ciclo das grandes explorações
petrolíferas no Brasil está se fechando. Mas isso significa que um novo ciclo
está se abrindo. O País já é um dos maiores produtores de energia limpa do
mundo, e tem vantagens potenciais enormes a serem exploradas. Como advertiu o
grande historiador do declínio e queda do Império Romano Edward Gibbon, “os
ventos e as ondas estão sempre a favor dos melhores navegadores”.
As partes e o todo
Folha de S. Paulo
Queixa do MCTI e veto a absorvente mostram
conflitos orçamentários sob Bolsonaro
Era previsível que o teto para os gastos
federais, inscrito na Constituição em 2016, acentuaria os conflitos políticos
em torno do Orçamento —que haviam sido mitigados, nas duas décadas anteriores,
por meio da expansão contínua e generalizada das despesas.
Hoje está explicitado, de modo quase
literal, que os recursos públicos são finitos; que para atender ao pleito de
uma área é em geral necessário sacrificar outra; que governantes e legisladores
precisam estabelecer prioridades e fazer escolhas difíceis.
Um pequeno, mas didático, exemplo disso se
viu na quinta (7), quando o Congresso votou projeto do Executivo que, em sua
versão original, elevaria em R$ 690 milhões as verbas do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovações, até ali de R$ 8,7 bilhões neste ano.
Durante a tramitação do texto, o governo
mudou de ideia e orientou que o dinheiro adicional fosse repartido com outras
pastas, como Desenvolvimento Regional, Educação, Saúde e Agricultura, restando
ao MCTI mais R$ 89,8 milhões.
Adições, subtrações e remanejamentos são
operações corriqueiras durante a execução orçamentária ao longo do ano. O caso
em tela gerou repercussão por causa das queixas públicas de representantes da
comunidade científica e
do próprio ministro Marcos Pontes.
O setor, de fato, é um dos mais duramente
atingidos pela crise fiscal dos últimos anos —ressalve-se, porém, que parcela
considerável da redução imposta sobre seus gastos se deve ao fim do Ciência sem
Fronteiras, um programa caro e com sérias falhas de gestão.
Sob Jair Bolsonaro, as tensões se agravam
com a profunda desorganização política e administrativa, que turva a
previsibilidade de recursos e o debate programático.
Também na quinta, o presidente
vetou projeto aprovado pelo Congresso que determinava a distribuição gratuita
de absorventes para mulheres de baixa renda e presidiárias. Alegou-se,
entre outros motivos, que faltava previsão de receitas para a iniciativa, de
custo calculado em R$ 84,5 milhões anuais.
O objetivo do texto é pertinente, dado que
a falta desses produtos é apontada como um dos fatores de perda de aulas e
danos à saúde. Cabe avaliar, como sempre, a melhor forma de enfrentar o
problema.
O tema mereceria ser incluído, por exemplo,
nas discussões sobre a ampliação do Bolsa Família, o mais relevante programa
voltado à população carente; valeria contemplar e articular esforços já
realizados por estados e municípios. Não será surpresa, contudo, se o veto for
derrubado sem uma devida análise de mérito e opções.
A escassez de liderança em Brasília eleva o
risco de que políticas públicas e alocações de verbas sejam decididas à base de
pressões momentâneas, sem uma visão do todo. A escassez de dinheiro público não
permite esse luxo ao país.
Brasil queimado
Folha de S. Paulo
Pleito por recursos para o ambiente é
justo, mas governo carece de credibilidade
O rito anual se repete: na antevéspera de
mais uma reunião de cúpula sobre mudanças climáticas, a COP-26 em Glasgow no
próximo mês, o governo brasileiro almeja um lugar na comissão de frente da
negociação internacional. Ao menos, desta vez, não como obstrucionista dado à
chantagem.
O papel desonroso havia sido desempenhado
em Madri, na COP-25, por Ricardo Salles. Na ocasião, o então ministro do Meio
Ambiente contribuiu para tornar o encontro um fracasso condicionando qualquer
compromisso ao aumento de verbas de países ricos para nações em
desenvolvimento.
Seu sucessor, Joaquim Leite, deixou o
anonimato silencioso na pasta para voltar
a bater na tecla financeira, mas com o mínimo de prudência diplomática ao
não colocar a demanda como precondição. É a melhor chance de lograr algum
avanço nessa questão justa.
Os países desenvolvidos, maiores
responsáveis pelo agravamento do aquecimento global, comprometeram-se em 2010
com carrear US$ 100 bilhões anuais para financiamento de ações em favor do
clima. A meta deveria ser cumprida até 2020, o que não ocorreu.
Governos de nações industrializadas tendem
a ver a cifra como teto e não como piso. Provavelmente alegarão em Glasgow que
os gastos e a crise legados pela pandemia tornam inviável o compromisso.
Leite não propôs valor, mas mencionou que
outros governos teriam aventado até US$ 1 trilhão por ano.
Ecoando o constrangedor discurso de Jair Bolsonaro na ONU, disse que vai
apresentar o “Brasil real, que cuida de suas florestas”.
Ora, o desmatamento na Amazônia retornou ao
patamar de mais de 10 mil km² anuais na primeira metade do mandato. E a
destruição das florestas, sobretudo no século 20, põe o país no quarto lugar
entre os maiores emissores da história, segundo estimativa recente.
Ao tratar de mercados de carbono, Leite
defendeu que créditos eventualmente vendidos pelo país sejam descontados das
metas assumidas por Brasília. O abatimento implicaria dupla contagem e nada
contribuiria, de fato, para arrefecer o aquecimento da atmosfera.
Com essa retórica e sem compromissos
palpáveis, o estreante não conseguirá arranhar a imagem consolidada por
Bolsonaro de pária entre as nações do mundo.
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