O Globo
O país terá que ser reconstruído ao fim do
governo Bolsonaro e da pandemia. Muitas áreas precisarão de mais dinheiro:
saúde, educação, ciência, meio ambiente, proteção de indígenas, transferência
de renda. A responsabilidade fiscal terá que ser vista por outra ótica. Não
creio que o país tenha que ficar prisioneiro do dilema entre cortes
inaceitáveis ou descontrole fiscal. Quem governar o Brasil após essa
administração desastrosa precisará de mais capacidade de pensar fora das
fórmulas fiscais nas quais a polarização política muitas vezes nos colocou.
Aumentou a ligação do país com o SUS. As pessoas viram, na hora da vacinação, o rosto do sistema único de saúde. Não é mais uma abstração dos formuladores de políticas públicas. Cada pessoa que se vacinou e registrou nas suas redes o lema “viva o SUS” se sente integrante da resistência do sistema público. E isso inclui gente de todas as idades, idosos, jovens e adolescentes. Mesmo antes da pandemia, especialistas como André Medici, diziam que era preciso gastar mais com o SUS, além de gastar melhor. Depois da pandemia, as necessidades serão maiores.
Será necessário investir mais em educação
porque as desigualdades aumentaram na pandemia. O investimento no sistema
público de ensino para trazer adolescentes que perderam o vínculo com as
escolas, para reverter o processo de perda de aprendizado nos anos iniciais,
terá que ser maior e mais eficiente. É preciso novos investimentos em
conectividade de professores e de estudantes para não repetir o risco de
aumentar o fosso aberto entre os alunos das escolas públicas e os dos colégios
particulares.
Será necessário recuperar e ampliar os
investimentos em ciência, porque foi através dela que o mundo saiu da situação
em que estava. A máquina pública dedicada à proteção ambiental está sucateada.
Além disso, tanto no Ibama, no ICMbio, quanto na Funai, foram nomeados gestores
hostis às missões dos órgãos. Trocar a orientação da máquina pública será um
grande passo, mas ninguém executará bem o trabalho de recuperação desses órgãos
se eles continuarem sem recursos.
O país empobreceu nos últimos anos. A recessão
já era visível em 2014 e ficou forte em 2015 e 2016. Depois virou estagnação em
2017, 2018 e 2019. Houve a queda do PIB de 2020, provocada pela pandemia. Este
ano, o crescimento vai apenas neutralizar a perda de produto do ano passado,
mas em 2022 a economia estará de novo estagnada. Isso aumentou o número de
pobres. A inflação alta está agravando a perda de renda. O desemprego
persistente piorou o drama social brasileiro. É preciso mais recursos para as
políticas de transferência de renda.
Em resumo, será preciso aumentar as
despesas em diversas áreas, mas, ao mesmo tempo, o expansionismo fiscal sem
limites é o caminho mais curto para revogar todos os avanços sociais, através
do aumento da inflação e da continuidade da estagnação. Esse é o grande dilema.
Como ampliar esses gastos sem elevar a carga tributária, ou aumentar o
endividamento público? O país está com déficit primário, desde 2014, e hoje
parte das despesas têm sido cobertas por recursos extraordinários, que não se
submetem ao limite do teto de gastos ou das metas fiscais.
O teto de gastos foi criado com a proposta
de obrigar o gestor público a escolher que despesas seriam prioritárias. O
administrador escolheu muitas vezes os gastos errados. O governo Bolsonaro
aprovou despesas com militares, enquanto cortava em outros orçamentos, aceitou
salários acima do teto do funcionalismo, para assim beneficiar alguns
integrantes da cúpula do governo, capitalizou estatais militares e, mesmo
quando fez a reforma da Previdência, manteve intactos privilégios como a
paridade e a integralidade para o setor de segurança.
O dilema dos gastos não é aquele expresso
de maneira grosseira pela ministra Damares Alves, “ou vacina ou absorvente
higiênico” para meninas e mulheres pobres. Mas, quem for governar no pós-Bolsonaro,
não poderá cometer nem o erro da austeridade fundamentalista, nem o
expansionismo fiscal sem controle. O país precisará reforçar as bases da sua
estabilidade econômica e, ao mesmo tempo, ampliar investimentos na proteção
social e na reconstrução do que está sendo demolido no atual governo.
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