quinta-feira, 14 de abril de 2022

Malu Gaspar: O voto, a vergonha e as redes

O Globo

A recente recuperação de Jair Bolsonaro nas pesquisas de opinião fez uma pergunta que andava superada voltar a ocupar as mentes de estrategistas e analistas políticos. Afinal, até onde o presidente da República pode crescer? Teremos, neste ano, uma quantidade significativa de votos envergonhados, daqueles que só se revelam na última hora? E ainda: pelo andar da carruagem, Bolsonaro pode acabar se reelegendo? 

É um combo de questões complexas. Qualquer um que se arrisque a fazer afirmações peremptórias neste momento errará. Mas o exercício de procurar as respostas é útil para compreender o que vem por aí.

Considerando o histórico de eleições passadas, era razoável prever que Bolsonaro fosse subir nas pesquisas à medida que seu pacote de bondades começasse a irrigar a economia.

Desde março, ele já liberou R$ 160 bilhões para ampliar o alcance e o valor do Auxílio Brasil, turbinou o vale-gás e acaba de dar um reajuste de 5% aos servidores públicos da União. Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma adotaram estratégias parecidas e conseguiram o segundo mandato. 

Mas a inflação recorde e a queda na renda da população são obstáculos difíceis de transpor. Segundo o último levantamento do Datafolha, 46% dos brasileiros dizem desaprovar o governo, e 55% afirmam que não votariam em Bolsonaro de jeito nenhum.

Apurados no final de março, antes da saída de Sergio Moro da corrida eleitoral, esses números davam a Lula e a seus aliados a confiança de estar próximos de chegar ao Planalto. Até outro dia, era comum ouvir de dirigentes petistas frases como “nós vamos pegar uma situação econômica pior que em 2002”. Em seus discursos, Lula dizia ter certeza de que Bolsonaro seria derrotado.

Mas não é só o presidente da República que sofre rejeição. O Datafolha mostra que 37% dos eleitores afirmam não votar em Lula de forma nenhuma. E Bolsonaro tem 26% das intenções de voto nessa mesma pesquisa. Mesmo havendo nesse grupo pessoas que também o rejeitam, ele pode tentar atraí-las explorando de forma eficaz o antipetismo.

É o que o analista político Maurício Moura chama de “batalha de rejeições”. O bolsonarismo está disposto a vencê-la. Parte dessa estratégia se baseia em pesquisas qualitativas segundo as quais uma parte relevante dos eleitores que se dizem inclinados a votar em Lula muda de ideia depois de assistir a vídeos das delações de empreiteiros e de antigas estrelas petistas como Antonio Palocci. 

Por enquanto, Lula vem facilitando o trabalho dos bolsonaristas com suas recentes declarações sobre o aborto e a classe média, que ajudam a acionar o gatilho do antipetismo adormecido em alguns eleitores. A divulgação da foto de Pabllo Vittar fazendo um manifesto a favor de Lula no festival Lollapalooza foi outro exemplo de tiro no pé amplamente comemorado no bolsonarismo.

Lula ainda tem tempo suficiente para construir um discurso mais ao centro na economia e de mitigar os temores de uma parcela do antipetismo, da mesma forma como fez em 2002.  

Há, porém, uma arena em que, tanto no lulismo quanto no bolsonarismo, muita gente acha que o caldo pode entornar: as redes sociais. Seria prematuro dizer que as eleições deste ano serão ganhas nas redes.

Mas não dá para ignorar que elas são elemento crucial do ecossistema político e têm imenso poder multiplicador, especialmente em momentos de grande tensão eleitoral.

Os dados mostram que o petista vem crescendo e conquistando engajamento ao longo do tempo. Segundo a consultoria digital Bites, se, em 2019, o presidente da República tinha 13 vezes mais interações em seus posts que Lula, hoje essa diferença é de apenas três vezes.

Mas Lula partiu de um patamar bem mais baixo do que Bolsonaro. O presidente tem 45 milhões de seguidores em suas plataformas, enquanto o petista está com 13 milhões. 

As redes petistas de WhatsApp também ainda não parecem muito orgânicas. Há grupos de apoio a Lula onde o administrador se despede às dez da noite, e as mensagens param, enquanto os bolsonaristas se mantêm em frenética atividade, mandando vídeos, memes e links de todo tipo.

O contraste entre o visual tosco e pretensamente original dos apoiadores do presidente e o jeitão programadinho das mensagens petistas mostra que a campanha de Lula ainda precisa avançar muito nesse quesito. Claro que ainda faltam seis meses até a eleição — na política, uma eternidade.

Mas o quadro geral não recomenda descansar. Pelo sim, pelo não, talvez seja melhor o pessoal da campanha de Lula botar as redes sociais para trabalhar de noite também.

 

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