O Globo
A declaração do presidente do Banco
Central, Roberto Campos Neto, de que se surpreendeu com a inflação levou vários
economistas de volta às suas projeções, desta vez de taxa de juros. Se ele foi
surpreendido, pode elevar ainda mais a Selic. O raciocínio é esse. Mas alguns
bancos já estavam prevendo que seria mesmo mais forte o aperto monetário.
Ontem, entrevistei Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú-Unibanco, e ele já
estava prevendo 13,75% de taxa de juros, ou seja, mais dois pontos percentuais
de alta pela frente.
E por que tão alta? A inflação tem sido sempre pior do que as projeções. Mesquita mesmo disse que eles estão constantemente revendo o pico da inflação. Era novembro, foi para dezembro, e agora será abril, quando a taxa chegar a 12%. E depois? Durante todo o primeiro semestre o índice ficará em dois dígitos.
— Ela fica alta até julho e só em agosto
pode ter um número caindo um pouco de dois dígitos, talvez 9,7%. Há uma
descompressão do preço de energia elétrica já contratada (pelo fim da bandeira
de escassez hídrica agora) e a gente espera uma redução da inflação de preços
industriais. Não haverá grande alívio no preço de serviços. Isso continuará
alto. Mas o surto de inflação começou pelos produtos comercializáveis, a
desinflação também virá por aí — disse Mário Mesquita, em entrevista que fiz
com ele na Globonews.
O economista explica que a inflação alta
durante muito tempo acaba afetando as expectativas das empresas e das famílias
e para evitar que esses preços acabem sendo repassados é preciso elevar ainda
mais a taxa de juros.
Apesar disso, a previsão recente do banco
para o PIB melhorou. Vários outros bancos e consultorias têm elevado a projeção
do PIB. O Itaú achava que haveria em 2022 uma recessão de 0,5%, depois ajustou
para um ligeiro positivo: 0,2%. E agora acabou de subir de novo, para 1%.
— O PIB cresceu mais no fim do ano passado
do que projetávamos, houve uma redução da poupança das famílias que nos
surpreendeu, e isso significa que elas consumiram mais, houve liberação do
FGTS, os preços das commodities subiram, e tem uma regra de bolso que diz que
em cada 10% de alta nos preços das commodities o PIB do Brasil sobe 0,4% — diz
Mesquita.
Ele conta que no segundo semestre não
haverá todos esses eventos. As famílias não continuarão em despoupança, o
trabalhador não fará novos saques no FGTS e os efeitos da política monetária
serão sentidos. Por isso ele prevê uma queda do PIB no segundo semestre. A
inflação poderá estar descendo, mas ainda para um nível alto, com o PIB
contraindo. Essa será a conjuntura na qual haverá a eleição.
O que mais preocupa o mercado financeiro é
o fim do teto de gastos e a falta de clareza do que virá depois. A avaliação
dele é a seguinte:
— Houve uma melhora fiscal no último ano, e
o setor público teve superavit, mas nem por isso o mercado ficou tranquilo,
porque ainda não sabe qual é o arcabouço fiscal. O teto é uma resposta. Se o
novo governo não quiser essa, terá que escolher outra e perseverar. O teto de
gastos sofreu mudanças e parte importante da classe política de todo o espectro
ideológico manifesta desconforto em relação a ele. Se apresentarem outra
âncora, outra lógica, tudo bem, mas será preciso buscar o mesmo objetivo de
redução da dívida pública. A dívida não precisa cair de imediato, mas é preciso
ficar claro que o governo tem instrumentos para isso.
Tudo vai depender de como os candidatos vão
apresentar seus planos econômicos para essa questão específica, as contas
públicas. E até o presidente Bolsonaro terá que se explicar, porque a atual
administração é que mudou o teto. A melhora do resultado fiscal se deve em
grande parte à inflação, e o superávit primário foi feito pelos estados e
municípios.
A queda do dólar, segundo Mesquita, é
provocada por capital financeiro buscando retorno de curto prazo e não
multinacionais querendo abrir fábrica no Brasil. Esse capital vem por causa dos
juros altos. Outros países com juros altos pioraram muito, como Rússia, Turquia
e Argentina. Ele ficará também dependendo do horizonte da economia:
— A grande questão é fiscal. Daqui até o
final do ano precisamos ter clareza do arcabouço fiscal. O país tem um encontro
marcado com essa questão.
Os economistas já mudaram o cenário do ano várias vezes e, pelo visto, vão continuar mudando.
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