O Globo
O apoio do setor a Bolsonaro já foi maior,
mas o presidente ainda consegue arrancar alguns aplausos e vivas
Altamiro se orgulha da sua
trajetória profissional. Ele começou a trabalhar ainda menino. Aos dez anos
garimpava no interior de Minas Gerais. Foi depois faxineiro, trabalhou numa
empresa de material de construção e representou uma indústria de tintas na
região em que morava, até reunir algum dinheiro e virar pequeno empresário.
Montou então uma loja de artigos de R$ 1,99, quando aquilo era febre no Brasil,
e foi ainda contrabandista de bugigangas que trazia do Paraguai para abastecer
sua loja e a dos concorrentes. Hoje, com 54 anos, é dono de uma empresa de
transportes de pessoas. Seu orgulho é ter conseguido vencer mesmo sem estudar.
Fez apenas o primeiro grau. “Parei de estudar porque tive de trabalhar”,
afirma. É bolsonarista mas não sabe bem porquê.
O apoio dos empresários brasileiros a Bolsonaro já foi maior, mas o presidente ainda consegue arrancar desse grupo aplausos e vivas, como ocorreu na reunião dos supermercados na semana passada. Os graúdos da Faria Lima já foram mais efusivos, enquanto os menores seguem com algum entusiasmo, talvez por sentirem-se mais próximos do candidato. Não que isso seja uma regra, mas os grandes estão tirando o pé da canoa da extrema direita mais rapidamente porque entendem melhor o perigo crescente de radicalismo e rompimento institucional que ela representa. E, claro, de olho nas consequências inevitáveis para os negócios.
Entre os menores, há muitos que
não conseguem enxergar os sinais ou que ainda não foram alcançados pelas ondas
causadas com as pedras arremessadas por Bolsonaro no lago e continuam mantendo
o discurso antipetista alicerçado em dois pilares: corrupção e comunismo.
Empresários como Altamiro, que leem pouco, não têm informação de qualidade e
não entendem muito de política, acabam engolindo o discurso bolsonarista, que
confundem com comunhão de valores. Para eles, o PT é corrupto e comunista; vai
roubar o dinheiro público e acabar com os negócios privados.
A estes não importa o
perfil estatizante do PT, que preocupa os seus pares graduados. Tampouco se
interessam por esta questão de teto de gastos. Talvez nem saibam que para eles,
quanto mais Estado, melhor. Prestam pequenos serviços e fornecem produtos que
interessam a um Estado gastador e à cadeia consumista que ele alimenta.
Não conseguem ver os
efeitos de uma ruptura institucional em seus negócios, que estão na parte
debaixo da cadeia produtiva, mas fazem parte do ciclo e certamente sofreriam
pelo efeito cascata. Se houver uma ruptura institucional, o Brasil será
boicotado comercial e economicamente, como a Rússia depois da invasão da
Ucrânia. Os produtos brasileiros perderão mercado causando desemprego e
quebradeira. Novos players globais entrarão em setores hoje dominados pelo
Brasil em condições de produzir estrago permanente a médio prazo.
Os grandes já perceberam
isso. Pesquisa Deloitte Global feita em janeiro revela que 68% de 491 mega
empresários ouvidos reconhecem que a eleição pode impactar seus negócios. Estes
representam 31% do PIB brasileiro e têm receita anual de R$ 2,3 trilhões.
Muitos pequenos ainda não entenderam como Altamiro, por exemplo, seria
alcançado se houvesse um golpe. É simples. O grosso do seu negócio ocorre em
Ipatinga e Timóteo, cidades do Vale do Aço de Minas, onde ele faz transporte de
empregados de empresas siderúrgicas. Se estas companhias pararem de exportar
seus produtos, terão que demitir empregados e deixarão de usar os serviços de
Altamiro.
No agro, os
desdobramentos de um golpe seriam ainda mais dramáticos, dado o volume da
riqueza que produz e o número de pessoas que emprega. Se qualquer embargo a um
determinado produto agropecuário (como de carne em razão de aftosa, por
exemplo) já causa rebuliço nacional, imagine um boicote total por motivação
política. Esse é o principal problema econômico de uma ruptura institucional. O
desastre claramente está batendo à nossa porta. Só não vê quem não quer ou quem
não sabe ler sinais e olhar ao redor com atenção.
Leis e salsichas
Todo mundo já ouviu dizer que é melhor não
saber como se faz salsichas. No Brasil, a manufatura de leis muitas vezes é tão
esquisita quanto a das salsichas. Não são raros os casos de lobbies em favor de
leis que favoreçam setores empresariais, igrejas, associações de classe, clubes
de futebol e outros tantos grupos de pessoas ou entidades. Muitas absolutamente
legítimas. Mas, agora, pela
primeira vez na história do parlamento brasileiro, se
aprovou uma emenda constitucional, que é mais do que uma lei ordinária porque
exige quórum qualificado, para beneficiar duas pessoas. Trata-se da PEC que
aumentou de 65 para 70 anos a idade máxima para uma pessoa ser indicada a um
tribunal superior e atende lobby de dois ministros do STJ, Humberto Martins e
João Otávio Noronha. Ambos têm 65 anos e furaram a barreira anterior, mas com a
PEC Salsicha voltam a sonhar com o STF. Aos dois resta agora torcer para
Bolsonaro ganhar um novo mandato porque a nova vaga para o Supremo só será
aberta no ano que vem.
Orelha a orelha
As imagens da reunião da cúpula do PSDB de
terça passada sugeriam que se tratava de um ajuntamento festivo, não de um
encontro grave em meio à maior crise já vivida pelo partido que um dia governou
o país e mudou a
história da sua economia. Antes de fecharem as portas para
iniciar o processo de sabotagem da candidatura do partido, alguns tucanos riam
de orelha a orelha. O mais animado era o bolsonarista Aécio Neves, que ao final
do convescote pediu “grandeza”a João Doria.
Grandeza
No dicionário de Aécio Neves, grandeza deve
significar: desiste; sai; se manca; cai fora; dá o pira. Ou ainda: deixa que do
dinheiro do fundo partidário a gente cuida. Alguém acha mesmo que a turma
liderada pelo deputado
amigo de Joesley Batista se preocupa com quem vai ganhar a
eleição presidencial? Ou com democracia, futuro, ética e lealdade?
Gordinho
Na semana passada, Bolsonaro atacou um
certo “deputado gordinho” que, segundo ele, chegava e dizia “olha, se não
arranjar este ministério não entra em pauta nada”. O presidente fake acrescentou
que isso o impedia de governar. Duas observações. Primeira: O deputado gordinho
deve ser Rodrigo Maia, o único que podia travar a pauta na Câmara até 2020. Uma
injustiça com Rodrigo, que fez tudo
o que Bolsonaro queria, inclusive a reforma da Previdência, e
não encaminhou os pedidos de impeachment. Segunda: Alguém já contou o número de
ministérios que ele deu ao Centrão; contabilizou o orçamento secreto que abriu
o cofre público aos aliados; ou registrou o número de encontros que manteve com
os pastores dourados que atravessavam verbas no MEC por indicação sua?
Balizamentos
O ministro Edson Fachin deu novo
balizamento às eleições de outubro ao anunciar que vai convidar mais de cem
instituições internacionais para observar
o processo eleitoral. E que não há mais espaço para “aventuras
autoritárias”. Já o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco, disse
numa entrevista que há uma linha amarela que separa a democracia do
autoritarismo que não pode ser ultrapassada. Todo discurso antigolpe é bem
vindo. Discurso com medidas é melhor ainda.
Data crucial
É importante que os observadores convidados
por Fachin cheguem logo no primeiro turno. A tentativa de golpe será aí. Se
Bolsonaro aceitar os resultados do primeiro turno, não terá como depois refutar
os do segundo. Tem gente apostando que a muvuca bolsonarista ocorrerá entre 3 e 4 de
outubro, logo depois do domingo eleitoral.
Viva a vida
Alguns petistas andam meio ressabiados com Lula. Acham que ele virou um marqueteiro com discurso despolitizado. Em pequenas rodas, chegam a criticar seu casamento em plena campanha por excesso de glamour. Dizem que não era a hora. Não de casar, mas de casar com tanta pompa. Os mais próximos ao patriarca petista afirmam que isso é ciumeira de quem não foi convidado para a festa. Lula tem razão. Como disse John Lennon: “Vida é o que acontece quando você está ocupado fazendo outros planos”.
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