Folha de S. Paulo
A preferência pelo eufemismo é um traço
clássico da linguagem estatal-burocrática
Investigando o "declínio" da
língua inglesa, George Orwell escreveu: "ela torna-se feia e imprecisa
porque nossos pensamentos são tolos, mas o desmazelo de nossa linguagem
facilita-nos desenvolver pensamentos estúpidos". O raciocínio aplica-se ao
português e especificamente à Folha,
que escolheu a palavra "embargo" para noticiar o advento da censura
interna de opinião (13/5).
A preferência pelo eufemismo é um traço
clássico da linguagem estatal-burocrática. Num jornal de extensa tradição, é
coisa incomum. Não contente com um eufemismo, a Folha dobrou a dose,
batizando uma PIP (Polícia Identitária do Pensamento) como Comitê
de Inclusão e Equidade, composto por 17 jornalistas anônimos (mas
identificados por cor e gênero).
Imprecisa, a notícia nada esclarece sobre a
extensão da influência da PIP nas decisões de censura interna. Fica claro,
porém, que as duas iniciativas procedem da mesma fonte: o clamor da IRUD
(Igreja Racialista dos Últimos Dias) e do grupo auxiliar Jocevir (Jornalistas
pela Censura Virtuosa) pela supressão de artigos opinativos não alinhados com a
teologia das políticas de raça.
A renúncia ao pluralismo de opiniões, uma violação direta do Projeto Folha, decorre da "reação à publicação de um texto de Antônio Risério, em que o antropólogo acusa negros de racismo contra brancos". O texto não foi selecionado aleatoriamente: proibi-lo cumpre uma função política específica.
Yusra Khogali, fundadora do BLM
(Black Lives Matter) em Toronto, escreveu que "pessoas brancas
são um defeito genético da negritude" e que "a pele branca é
sub-humana". Ainda: "Brancos precisam do supremacismo branco como
mecanismo para proteger sua sobrevivência como povo. Negros, simplesmente por
meio de seus genes dominantes, podem literalmente aniquilar a raça
branca."
Khogali também implorou a Alá para ajudá-la
a "não matar essa gente branca hoje" e, mais tarde, classificou o
primeiro-ministro Justin Trudeau como "supremacista branco". A
supremacista negra continuou na liderança do BLM/Canadá e suas ideias racistas
inspiram uma ala minoritária do BLM nos EUA, o que corrói o apoio social a um
movimento tão importante na denúncia da violência policial contra negros.
Risério apontava tendências ideológicas
relevantes, não detalhes marginais. Seu artigo deveria ser lido pelo movimento
negro como um alerta: o antirracismo, para prevalecer, precisa pertencer a
indivíduos de todas as cores de pele. A lição, ensinada por Martin Luther King
e Wyatt Tee Walker, parece esquecida por uma geração de ativistas que trocam o
princípio da igualdade pela reivindicação da diferença.
Nas páginas da Folha, Risério foi submetido a
enxurradas de ofensas e, antes de poder replicar, "embargado". Não
por acaso, no auge da expedição difamatória, um grão-sacerdote da IRUD
cravou-lhe (livre de "embargo", claro) o mesmo insulto lançado por
Khogali a Trudeau. Finalidade do cancelamento: proibir a crítica da
institucionalização da raça, pedra de toque da ideologia racialista.
A linguagem da diferença biológica, no
estilo de Khogali, não é a regra. Contudo, sua matriz ideológica tornou-se
parte do discurso identitário corriqueiro: a invocação do "povo
negro", um fruto da noção de que brancos e negros formam "povos"
separados.
O antirracismo baseia-se no conceito de que
todos são cidadão detentores de direitos iguais – e, portanto, a discriminação
racial deve ser criminalizada e reprimida. Já o identitarismo racial baseia-se
na ideia de que, em lugar de uma nação única assentada no contrato
constitucional, o que existe são "povos", definidos racialmente, em
conflito latente sob um mesmo poder estatal.
A censura interna cumpre a função de criar
um santuário imune à crítica para a ideia de que o Brasil é uma confederação de
"povos-raça". De fato, fica vetado falar sobre o que nos une.
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