sábado, 21 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Bolsa Família sofreu retrocesso ao se tornar Auxílio Brasil

O Globo

O Bolsa Família é citado dentro e fora do Brasil como exemplo de política social bem-sucedida. De forma direta ou indireta, atingia 40 milhões de brasileiros carentes, garantindo subsistência a um custo relativamente baixo, em torno de 0,4% do PIB. Para alcançar o objetivo estratégico de quebrar a transmissão da miséria de geração a geração, mantinha foco e exercia cobrança de contrapartidas dos beneficiários — visitas periódicas ao posto de saúde, vacinação em dia e frequência escolar dos filhos. O registro de desvios sempre foi mínimo.

Por tudo isso, é extremamente preocupante a deterioração da qualidade dessa política pública exitosa desde que foi transformada no Auxílio Brasil, o programa eleitoreiro criado pelo presidente Jair Bolsonaro para chamar de seu e ostentar nos palanques. Em vez de persistir na trajetória que assegurou ampliação, evolução e êxito do Bolsa Família ao longo dos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma, Bolsonaro tem promovido uma razia nos princípios que sempre o regeram.

O desmonte se acentuou a partir da pandemia. Como o auxílio emergencial distribuído em 2020 e 2021 destinava-se a parcela maior da população, o coronavírus serviu de pretexto para a suspensão da cobrança de contrapartidas daqueles que recebiam o Bolsa Família. Ao mesmo tempo, criou-se uma pressão maior no caixa do Tesouro. Para o lançamento do Auxílio Brasil, com valor estipulado em R$ 400 sem nenhum tipo de critério ou embasamento técnico, o custo do programa passou a cerca de 1% do PIB, sem que houvesse ganho correspondente na eficácia. Eis uma das razões para a ruptura do teto de gastos no Orçamento deste ano.

Ainda mais preocupante que o impacto fiscal — ao menos pode-se argumentar que esse dinheiro é destinado a sanar um dos maiores flagelos nacionais — foi a perda de foco do programa. Não há distinção entre os beneficiários, não se sabe se Bolsonaro restabelecerá a cobrança de contrapartidas e, para piorar, o Cadastro Único de quem recebe o benefício não vem sendo atualizado como deveria pelas prefeituras. Um governo sustentado pelo Centrão por certo não fará a cobrança para que seja.

O economista Ricardo Henriques, colunista do GLOBO, apresenta números eloquentes que atestam a deterioração da política social. Em fevereiro de 2020, dos 28,2 milhões de famílias no cadastro, 23,3 milhões tinham dados atualizados, ou 83%. Em fevereiro passado, dos 33,8 milhões de famílias no Auxílio Brasil, apenas 20,6 milhões tinham informações em dia, ou 61%. A queda é inaceitável tanto em valores absolutos quanto relativos.

O relaxamento na administração do Auxílio Brasil resulta em perda de foco na distribuição dos recursos e o rebaixa à condição de um plano assistencial meramente populista, contrário aos interesses do contribuinte. Ele deixou de ser um programa de Estado para se converter apenas em trunfo eleitoreiro.

Henriques propõe que o próximo presidente da República tenha entre suas prioridades o reparo das avarias que essa infraestrutura de assistência social vem sofrendo desde 2019. Até para evitar a corrupção que costuma acontecer na distribuição de dinheiro público sem controles sólidos. Só é difícil acreditar que um novo governo Bolsonaro teria a capacidade de melhorar aquilo que ele próprio fez piorar.

MP do Fies deseduca ao beneficiar estudantes que não quitaram dívida

O Globo

A Câmara conseguiu piorar o que já era ruim. Na última terça-feira, os deputados aprovaram a Medida Provisória que permite a renegociação de dívidas do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). É uma decisão discutível não só por incentivar o calote, mas também pela motivação evidentemente eleitoral. Não bastasse isso, ampliou-se o equívoco quando o relator da proposta, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), incluiu no texto três “jabutis” que nada têm a ver com o propósito da MP, entre eles o parcelamento de dívidas das Santas Casas e hospitais filantrópicos.

A renegociação de dívidas do Fies é mais um item que entra na cesta de bondades distribuídas pelo governo federal às vésperas das eleições. Em três anos de gestão, Bolsonaro não havia se preocupado com a inadimplência dos estudantes que recorrem ao programa para pagar as mensalidades em universidades particulares. Mudou de ideia no fim do ano passado, depois que o pré-candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu a renegociação e até uma anistia dos débitos. Lula e Bolsonaro fazem populismo à custa dos contribuintes.

Pelo projeto aprovado na Câmara, que ainda seguirá para o Senado, os estudantes com mais de um ano de atraso que estejam inscritos nos programas sociais do governo por meio do Cadastro Único, ou que receberam Auxílio Emergencial, terão direito a um desconto de 99% na dívida com o Fies. Para os demais, o alívio será de 77%. A quitação do débito poderá ser feita em 15 parcelas.

A inadimplência sempre foi um problema crônico do programa, criado em 1999 com o objetivo de ampliar o acesso ao ensino superior. A ideia, bem-intencionada, era que estudantes sem condições de pagar as mensalidades pudessem cursar universidades particulares e quitar suas dívidas depois de formados, quando estivessem empregados. A fórmula nunca se mostrou muito eficaz. Prova disso é que o Fies passou por várias reformulações e continua capenga.

A taxa de inadimplência (considerando os contratos com mais de 90 dias de atraso) chega a 49%. As prestações não pagas somam R$ 7,3 bilhões. Ao contrário do que faz o governo, o perdão não parece ser o melhor caminho para recuperar a credibilidade do Fies. Em 2019, o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas apontou a flexibilização das regras e a expansão do programa como um dos vilões responsáveis pelo risco fiscal. Técnicos constataram que parte significativa dos inadimplentes poderia arcar com o pagamento das prestações.

Compreende-se que a pandemia tenha agravado o problema do desemprego e que a sucessão de crises de todo tipo no país funciona como obstáculo a projetos de longo prazo, como o Fies. Mas, ao perdoar a dívida dos inadimplentes, o governo deseduca. A MP suscita uma pergunta óbvia: o que pensam os que deram duro para não cair na inadimplência? Ficará mais difícil convencer os estudantes de que é bom negócio pagar as parcelas em dia.

Pista vazia

Folha de S. Paulo

Fragilidade da terceira via contribui para o empobrecimento do debate eleitoral

Os partidos políticos em busca de uma candidatura que empolgue os eleitores insatisfeitos com os dois líderes da corrida presidencial parecem longe de superar as dificuldades que têm encontrado.

Na quarta (18), os presidentes das siglas na mesa de negociações apontaram a senadora Simone Tebet (MDB-MS) como sua melhor opção e resolveram submetê-la a discussões mais amplas com dirigentes na próxima semana.

A cúpula do PSDB trabalha contra as pretensões do ex-governador João Doria, que saiu vencedor das prévias internas realizadas pela legenda no fim do ano passado, mas enfrenta a rejeição de segmentos expressivos do eleitorado.

Pouco conhecida nacionalmente, Tebet não tem o mesmo problema, mas tampouco se sobressai quando seu potencial é testado pelas pesquisas de intenção de voto. As sondagens mais recentes lhe conferem só 1% das preferências.

Não há consenso nas duas legendas nem mesmo a respeito da conveniência de lançar candidatura própria. Em ambos há facções que torcem pela reeleição de Jair Bolsonaro (PL) e grupos simpáticos a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o líder das pesquisas.

A confusão na chamada terceira via é tão grande que há motivos até para duvidar que estejam realmente dispostos a entrar nesse jogo.

Para muitos dirigentes do MDB e do PSDB, a chave para sua sobrevivência nos próximos anos está no fortalecimento das bancadas no Congresso, essencial para que continuem se apropriando de fatias gordas dos recursos públicos que hoje enchem seus cofres.

Nesse contexto, soa mais sensato usar o dinheiro para investir nas campanhas estaduais do que apostar em candidaturas que não se mostram competitivas na disputa nacional, o que deixaria as siglas de mãos amarradas na busca de alianças locais.

Se o Datafolha indica que 31% dos eleitores não se mostram inclinados a votar como primeira opção nos dois líderes da corrida, é evidente também que nenhum dos nomes lançados até agora logrou aglutinar os anseios dos que buscam alternativa a Lula e Bolsonaro.

Em terceiro lugar nas pesquisas, Ciro Gomes (PDT) continua distante dos dois e sofre pressões para abandonar a competição em favor de Lula, que herdaria boa parte dos seus eleitores e assim teria chances de vencer no primeiro turno.

É de lamentar que tais articulações passem ao largo de qualquer consideração programática. Discutem-se as conveniências de cada partido no jogo eleitoral, sem que se pronuncie palavra sobre a recuperação da economia, amparo social e outras aflições da população. A falta de opções contribuirá para empobrecer ainda mais o debate.

Mala sem alça

Folha de S. Paulo

Congresso insiste em restabelecer a gratuidade ilusória das bagagens em voos

A ilusão da gratuidade é das mais proverbiais na economia e das mais populares na política. A todo momento se veem iniciativas para livrar consumidores de preços de passagens de ônibus, estacionamentos de shopping centers, eventos esportivos e culturais —como se fosse possível fazê-lo sem transferir a conta para terceiros.

A quimera está perto de ganhar corpo e alcance nacional no caso do despacho de bagagens em voos comerciais. O Senado aprovou na terça-feira (17) um texto que restabelece a proibição de cobrança pelo transporte de malas, sacolas e outros pertences de até 23 kg nas viagens aéreas nacionais e 30 kg nas internacionais.

Como de costume, os parlamentares enxertaram a norma em uma proposta de objetivos diferentes —no caso, uma medida provisória que busca estimular o setor aéreo. Modificado pelo Senado, o diploma voltará à Câmara dos Deputados, que já votara antes pela gratuidade das bagagens. Depois só restará a sanção presidencial.

A atual permissão para que as companhias cobrem pelas malas despachadas foi dada em 2016 pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A lógica da providência já era clara na ocasião.

Quanto mais peso carregado no avião, maiores são o consumo de combustível e os custos do voo. Sem a cobrança individual, tais encargos serão incluídos no preço do bilhete e divididos entre todos os passageiros, inclusive aqueles que levam apenas pertences de mão; pode haver ainda estímulo a bagagem acima do necessário.

O fim da gratuidade obrigatória favoreceria, assim, o barateamento das passagens, inclusive por meio da atração de companhias especializadas em viagens mais populares.

Tal resultado, porém, é difícil de observar sem uma análise especializada e de longo prazo, pois há inúmeros outros fatores a influenciar as tarifas —custos operacionais, inflação doméstica e cotação do dólar, por exemplo. No período recente, ademais, a pandemia teve enorme impacto no setor aéreo.

Por fim, a disparada recente dos preços dos combustíveis e, por conseguinte, das passagens criou a oportunidade para que o Congresso voltasse a explorar a ilusão da gratuidade, como já havia feito em 2019. Na época, Jair Bolsonaro (PL) vetou corretamente a falsa bondade, depois de dizer que seu coração mandava sancioná-la.

Agora, em ano eleitoral, obedecer à razão pode ser mais difícil.

Candidato não é mercadoria

O Estado de S. Paulo

Pesquisa não pode ser decisiva na definição de candidaturas. Importa a capacidade de estimular a esperança com propostas sólidas para os problemas do presente e as ambições do futuro

É desanimadora a notícia de que o candidato da chamada “terceira via”, aquele cuja incumbência é atrair os muitos eleitores que desprezam os populistas que lideram as pesquisas, pode ser escolhido por meio de pesquisas para avaliar sua viabilidade eleitoral.

Há uma clara inversão de valores aqui. O que dá solidez a uma candidatura, sobretudo uma candidatura que se propõe a enfrentar a demagogia de Lula da Silva e Jair Bolsonaro, é a capacidade do postulante e de seu partido de se apresentarem ao eleitorado como veículos de um projeto concreto de país. É isso que tem potencial de atrair votos. Ao definir uma candidatura não por sua substância programática, ora inexistente, mas apenas pelo grau de rejeição dos nomes apresentados, a “terceira via” parece estar disputando não a chefia do governo, mas o lugar de maior destaque na prateleira de um supermercado. 

É óbvio que política envolve carisma, isto é, a qualidade extraordinária de transpirar poder. Logo, nem a mais sofisticada das plataformas eleitorais é suficiente para vencer uma eleição se o candidato que a propõe não inspirar essa força nos eleitores. No entanto, um candidato escolhido somente por ser supostamente mais bem aceito que outros em enquetes, e não por suas ideias ou propostas, tende a ser apenas mais um enlatado na gôndola. Pode até ganhar a eleição, mas empobrece a política e, por tabela, a democracia.

Hoje, infelizmente, os partidos são apenas veículos das ambições pessoais de seus donos ou caciques. Votar neste ou naquele partido faz pouca ou nenhuma diferença para os eleitores, que são convidados não a pensar nos grandes problemas nacionais, mas somente no atendimento imediato – e invariavelmente precário – de suas necessidades. É por isso que os dois líderes das pesquisas de intenção de voto para presidente sejam rematados irresponsáveis, a prometer unguentos mágicos para solucionar problemas que demandam remédios bem mais amargos.

É fundamental que haja entre os postulantes à Presidência uma candidata ou um candidato que represente genuinamente os valores da democracia liberal, especialmente nesta quadra histórica, marcada pelo que o sociólogo Larry Diamond, da Universidade Stanford, chamou de “recessão democrática”, a ascensão de líderes autoritários em diversos países mundo afora. Ou bem se constrói uma candidatura com esse propósito claro, disposta a disputar votos sem abrir mão de convicções liberais nem fazer concessões a demandas estranhas à livre-iniciativa e às liberdades, ou não restará aos brasileiros alternativa senão ter que escolher o “mal menor” entre candidaturas retrógradas. Não é assim que se faz um país.

Não se pode criticar o cidadão verdadeiramente democrata que olhe para o quadro político-eleitoral de momento e não seja tomado por um misto de frustração e desalento. Até aqui, em instante algum se viu os partidos do centro democrático discutindo propostas concretas para tirar o País do atoleiro político, econômico, social e moral em que se encontra há muito tempo. Fala-se muito em impedir que o futuro do Brasil continue condicionado aos desvarios de um presidente demagogo, seja de que partido for. De fato, seria um desastre de consequências funestas. 

Mas o que oferecer ao eleitor no lugar da gritaria iliberal bolsonarista ou do retrocesso estatólatra do lulopetismo? As possíveis candidaturas alternativas até agora postas não deram uma resposta sólida a essa questão. Pelo contrário: perdem tempo e energia digladiando-se em público, pensando unicamente em meios de ganhar a eleição, e não em articular e defender projetos, com confiança e honestidade. É legítimo que todo partido almeje o poder, mas, antes disso, deve ter claro e dizer a todos o que pretende fazer com esse poder. Só então o eleitor fará sua escolha.

Em resumo, não se pode privar os eleitores da chance de sonhar com um futuro melhor, em que prevaleçam a razão, o diálogo e o respeito à democracia – ainda que, ao fim e ao cabo, a vitória não venha. 

Investimentos muito limitados

O Estado de S. Paulo

O aumento da taxa de investimentos deveu-se apenas a dois segmentos da economia, e o setor público investe cada vez menos; o quadro só mudará com crescimento vigoroso

O salto da taxa de investimentos no Brasil entre 2015 e 2021, de 15,52% para 19,17% do Produto Interno Bruto (PIB), com aumento de quase 3,7 pontos porcentuais, traz expectativas animadoras. Aferido pelo Centro de Estudos de Mercados de Capitais (Cemec) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) com base em dados do IBGE e estimativas próprias, esse avanço pode sugerir que a economia brasileira recuperou sua capacidade de investir. Desse modo, o Brasil teria conseguido reduzir sua distância em relação aos países em desenvolvimento que cresceram em ritmo intenso nas últimas décadas e, assim, readquirido sua própria capacidade de voltar a crescer com maior velocidade.

Embora auspiciosos, os dados precisam ser examinados com cuidado, como faz o Cemec, e estão longe de projetar crescimento rápido e sustentado nos próximos anos. Problemas recentes e históricas restrições estruturais ao aumento dos investimentos do setor público ainda desafiam o País e, se não enfrentados, manterão a economia em ritmo exasperantemente lento, com o que velhos problemas sociais persistirão, se não ficarem mais graves.

Mesmo eliminados os registros de exportações fictícias de plataformas de petróleo, a evolução da taxa de investimentos é expressiva. Entre 2019 e 2021, ela passou de 16,2% para 18,2% do PIB, uma evolução de 2 pontos porcentuais num período marcado pela pandemia da covid-19.

Mas, em boa medida, o aumento se deveu a uns poucos segmentos da economia. Ele foi puxado, em primeiro lugar, por máquinas e equipamentos, mas, desses itens, os que mais cresceram foram os voltados para o setor agrícola. O segundo fator foi a construção civil. Outros setores tiveram papel pouco expressivo nos investimentos nos últimos anos.

A eficiência da agropecuária tem sido demonstrada há décadas. Seus ganhos de produtividade e a expansão notável de sua produção, bem como seu papel na geração de superávits excepcionais da balança comercial, o destacam dos demais setores. É o campo que, num período de estagnação ou baixo crescimento, tem evitado resultados econômicos ainda mais decepcionantes. É preciso observar, no entanto, que o aumento recente de sua demanda por bens de capital tem muito a ver com a boa cotação internacional. Surgem indicações fortes de que o bom momento do mercado mundial para os produtos agrícolas pode estar passando.

No caso da construção, o grande estímulo nos últimos tempos foi a oferta abundante de crédito a custos historicamente baixos. Desde meados do ano passado, porém, os juros básicos vêm sendo elevados pelo Banco Central para conter a inflação, que já passa de 12% em 12 meses. O aumento do custo dos empréstimos imobiliários, a maior cautela das instituições financeiras em razão da evolução da inadimplência e a corrosão da renda real pela inflação podem reduzir os negócios no setor.

Além dessas mudanças para os dois setores que mais têm estimulado os investimentos, há o caso do setor público. Os investimentos públicos estagnaram e os bons resultados observados nos últimos anos são frutos apenas dos investimentos privados. O desafio é, ao mesmo tempo, recuperar a capacidade de investimento do setor público e assegurar condições para atrair mais e mais investimentos privados.

Quanto ao setor público, na atual estrutura fiscal, as despesas correntes crescem mais do que a inflação, o que, paulatinamente, reduz o espaço para os investimentos. Romper essa evolução que degenera o gasto público exigirá uma verdadeira reforma do Estado, que permita o controle efetivo da evolução dos gastos correntes de modo a assegurar o aumento dos investimentos.

Ao mesmo tempo, a economia terá de crescer mais rapidamente, com ganhos de produtividade por meio da incorporação das inovações tecnológicas em ritmo e em volumes compatíveis com os observados no exterior. A economia terá de se abrir efetivamente ao mercado mundial.

É difícil ver algo parecido com isso entre as muito poucas ideias e raríssimos projetos que os principais candidatos à Presidência vêm apresentando. 

Risco estratégico no custo da construção

O Estado de S. Paulo

Inflação e juros atingem um setor especialmente importante para a criação de empregos e o crescimento da economia

 

Custos em alta pressionam a construção civil, um setor importante pela criação de empregos e pela ampla demanda de insumos, como aço, alumínio, cobre, cimento, concreto, vidro, plásticos, produtos de cerâmica e madeira, além de equipamentos variados. Puxados principalmente pelos materiais, os custos da construção subiram 1,21% em abril, a maior taxa desde agosto do ano passado, e aumentaram 15% em 12 meses, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As pressões tendem a intensificar-se. Grandes fornecedoras anunciaram elevações de preços entre 10% e 16% para cimento, concreto e argamassas. Além disso, algumas deixaram de trabalhar com vendas antecipadas, passando a cobrar preços novos pelos produtos entregues depois de cada reajuste, segundo noticiou o Estadão na quarta-feira.

O aumento de custos da construção civil é parte do surto inflacionário iniciado em 2021. Com preços mais altos, ganhos menores e juros elevados, consumidores perdem acesso ao crédito imobiliário. Esse tipo de financiamento atingiu R$ 41,2 bilhões no primeiro trimestre deste ano, com redução de 3,7% em relação ao valor de um ano antes, pelos dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). As unidades financiadas passaram de 188,4 mil para 176 mil, com diminuição de 6,6%. Na contramão dos bancos privados, no entanto, a Caixa vem procurando ampliar seus empréstimos, com redução de juros da linha atrelada à poupança e maiores facilidades para os tomadores de recursos. No ano passado, a participação da Caixa nesse mercado recuou de 69,3% para 66,5%. Com o novo impulso, essa perda talvez seja mais que compensada.

Esse movimento é especialmente importante quando a maior parte do poder central pouco faz para estimular a economia e garantir um crescimento maior que as taxas projetadas pelo mercado. Essas projeções têm raramente superado 1%.

Pelos vínculos com muitas indústrias fornecedoras de insumos, assim como por seu potencial de criação de empregos, a construção civil tem considerável importância estratégica. No ano passado, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 4,6%, a produção das construtoras aumentou 9,7%, compensando com folga a perda de 6,3% ocorrida em 2020. No primeiro trimestre deste ano o setor produziu 3,7% mais que nos três meses finais de 2021. Além disso, cresceu 12,4% nos 12 meses até março, segundo o Monitor do PIB-FGV, importante prévia das contas nacionais trimestrais do IBGE.

No balanço do emprego em 2021, o maior crescimento porcentual, 13,8%, ocorreu na construção, com aumento líquido de 845 mil postos de trabalho. No primeiro trimestre deste ano, porém, o setor perdeu 252 mil pessoas, segundo o IBGE, mas ainda manteve aumento de 815 mil em relação a um ano antes. Apesar disso, o quadro geral da ocupação se manteve muito ruim, com 11,9 milhões de desempregados no trimestre inicial de 2022. Os brasileiros estariam mais seguros se o poder central desse alguma importância a esses números.

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