Passadas as eleições e iniciada mais uma legislatura no Congresso, a Câmara dos Deputados promoverá, oficialmente, uma discussão sobre a adoção no Brasil de um sistema de governo semipresidencialista. O presidente da Câmara, Arthur Lira, criou um grupo de trabalho para discutir o assunto, e apresentar uma proposta de mudança constitucional nesse sentido. Pela suposta e futura nova forma de governo, o poderosíssimo cargo de Presidente da República, que reúne em um só ente a chefia do Estado com a chefia do Governo, perderia parte de sua força governativa para o Congresso Nacional.
O presidencialismo adotado no Brasil é um sistema altamente empoderador e, ao mesmo tempo, subserviente. Expressa-se na estrutura do Estado, como o Executivo, tendo como contraparte, o Legislativo e o Judiciário. São os tais "Três Poderes". É representado pelo Presidente da República e todo seu aparato ministerial, seis milhões de funcionários públicos, as forças armadas, as empresa públicas, as autarquias o patrimônio nacional e todas as obras públicas federais em andamento no País.
A essa força expressiva acrescenta-se ainda o privilégio de elaborar e executar o orçamento nacional de quase dois trilhões de reais, o direito de cobrar impostos, de gastar todo dinheiro público e, por cima, exercer o poder de polícia. Uau! ... Poderosíssimo! Muitos dos que chegam ao cargo não resistem a esses afagos e sacralidades da lei, e tornam-se autoritários ou carismáticos, reivindicando ainda mais poder.
A legislação eleitoral não contém dispositivos suficientes, senão retóricos, para impedir a subordinação desse gigantesco aparato de Estado a um único sujeito, que pode ser alguém portador de dupla personalidade - os políticos são os que mais se aproximam disso -, ser um corrupto ou mesmo um incompetente, como tem acontecido. O aparelho institucional é enorme, e o exercício de sua gestão nos campos da política, da economia e da sociedade exige daquele que o detém além de sanidade, ética e competência gestora. Alguns chegam a ele sem nunca ter ocupado quaisquer funções administrativas públicas ou mesmo na iniciativa privada. Então o cargo não pode ser ocupado por qualquer um, desde que saiba ler e escrever.
Que opções teriam os brasileiros para conduzir este País a um futuro mais confiável? Na democracia têm-se praticamente dois sistemas de governo: o presidencialismo e o parlamentarismo. Ambos já foram testados por aqui. Embora dê aparência de maior estabilidade, ao dividir a responsabilidade do Executivo com o Legislativo, a experiência parlamentarista no Brasil republicano foi um fracasso. Por sua vez, o presidencialismo, copiado do modelo norte-americano, vem se arrastando há cem anos, sem encontrar um rumo certo para a Nação, cuja governança é transformada astutamente em um espaço de negócios, sem a participação do povo.
Apesar do grupo de trabalho da Câmara, não será fácil, contudo, mudar o presidencialismo que aí está. Ele é alimentado por egos, oligarquias e um certo fanatismo, quase fora de controle. Por isso, a resistência à mudança começa sempre dentro do próprio Estado. É algo estruturalmente doentio, que agrega um poder imenso, quase divino, a um ou outro sujeito eleitos por votos populares, nem sempre computado como sensatos, já dizia Pelé. Por isso, há quem defenda o parlamentarismo, uma forma de compartilhar a responsabilidade de governar entre o Executivo e o Legislativo.
A Câmara dos Deputados tem em mãos uma terceira opção. Para proteger o Estado e a Nação dos riscos elencados acima, pretende propor no início da nova legislatura, em 2023, a adoção de um sistema de governo semi presidencial para o Brasil, pelo qual o Presidente da República é eleito pelo povo como chefe de Estado, assim como já fazem países como França, Itália, Alemanha, Israel, Rússia e outros, mas tem seus amplos poderes limitados a função de comandante em chefe das forças armadas e condutor das relações externas, cabendo-lhe ainda sancionar ou vetar leis e materializar, com sua existência física, a legitimidade constitucional do Estado e do Governo.
Mas a administração das políticas públicas internas sairia do seu controle. Passaria a um primeiro ministro, indicado por ele, com a aprovação da maioria no Parlamento. O modelo é adotado por muitos países, cada um com estilo próprio. A governabilidade chega a ficar um pouco confusa, conforme ocorre na França, na Itália e na Rússia. Quase todos recorrem às coalizões, a agregação, no Congresso, de dois ou três partidos de apoio. Nem sempre isso se dá sem a utilização de recursos escusos, conforme tem mostrado aí o imaginário sistema de presidencialista de coalizão.
Existe um problema que não pode ser descartado. Na coalizão, o partido ou o seu representante não abre mão da sua maneira de entender os objetivos do Estado e a direção das políticas públicas. Um ministro oriundo de um partido conservador minimiza a política agrária, um mais à esquerda fortalece-a. A política da indústria e comércio vista do ponto de vista empresarial é uma, da perspectiva ambiental é outra. Termina por confundir a governabilidade e a envolver mesmo o gabinete executivo em desvios fraudulentos.
A coalizão gera quase sempre também, um grupo de partidos oposicionistas fortes ou barulhentos, que negando apoio aos governantes e desqualificando a governabilidade tumultuam a gestão de governo. Sobrevive disso: ser oposição. E creiam: dá dinheiro. Recusam-se a dialogar com os governantes. Passam todo o tempo tentando solapar as bases da gestão do Estado, mesmo contradizendo, em alguns casos, as próprias posições. Para se ter uma ideia, no Brasil mais atual tem partido que pediu - e repetiu - o impeachment de todos os governos. Não se sabe, portanto, se o semipresidencialismo é uma tentativa de desmamar que m vive pendurado nas tetas do Estado ou se se trata de um derrame indireto dos recursos e do Poder do Estado. Dos governos no Brasil deve-se sempre esperar a confirmação do anátema de Alkmin: Moralizemos, ou locupletemos todos.
*Jornalista e professor
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