O Estado de S. Paulo
A conta da política e de partidos
disfuncionais chegou para os brasileiros com o nome de polarização e
hiperatividade de interesses.
Entender a psicologia do brasileiro e sua
parte de responsabilidade naquilo que vive, a que se submete e de que reclama
ajuda a analisar a eleição. Nosso problema não é somente culpa de presidentes
com problemas com as Justiças Criminal e Eleitoral, cassados, encarcerados ou
processados no exercício do mandato. É, também, do eleitor capturado pelo
cansaço de tudo.
O mero sustento da vida que o leva a
decidir em quem votar não deveria colocar em segundo plano a preocupação com a
melhor chance de vida estável a que tem direito. Submetido à informação
truncada e à passividade, ele não percebe que perde todas as forças de análise
e defesa. Como animal civilizado que acha que é, sofre contusões, cai em
armadilhas e se oferece ao predador de forma tão ingênua e cativa de fazer
vergonha a animal solto em seu ecossistema natural.
Um país com tantas florestas e recursos
naturais, é nas cidades que a luta pela domesticação se faz de maneira mais
selvagem. Eleição entre nós é um circo, bichos trapezistas que atraem o
público. E é o público que os paga, a troco de ilusões. Deveria ser possível
escolher alguém maior do que aquele com o qual temos interesses pessoais
envolvidos em nossa decisão. A angústia da esperança paralisa o bom senso em
eleição.
A conta da política e de partidos disfuncionais chegou para os brasileiros com o nome de polarização e hiperatividade de interesses – uma eleição pernilongo, que, como a inflação, pousa, pica e deixa ali coçando, podendo virar infecção. A forma psicológica que a preguiça encontrou de impedir a pessoa de usar a inteligência da negatividade a seu favor é carregar na emoção e obscurecer o discernimento.
A principal carência da rigidez binária em
política, muito parecida com o homem ativo de Nietzsche, é que “aos ativos
falta usualmente a atividade superior e, nesse sentido, eles são preguiçosos.
Os ativos rolam como rola a pedra, segundo a estupidez da mecânica”. São
máquinas às quais falta a capacidade de hesitar, não admitem interrupções,
pausa para pensar. Sua aceleração geral e frenética é impulsionada por
analistas de TV, internet, postagens em redes sociais, autores e livros
oportunistas.
“Você viu o que fulano disse?” e “E a
pesquisa, hein?” são o início da conversa mais corriqueira e burra dos últimos
tempos. Um ser doente de certeza sempre começa assim sua catequese para impedir
que se manifeste a negatividade sadia. Negar é o que põe dúvida ao lugar-comum
para emergir a novidade, a liberdade da mudança.
Assim como na famosa frase caluniai, caluniai, alguma coisa sempre fica,
o mal da polarização como um sistema é produzir medo, confusão e distorção. Os
polarizados não são personagens de dois momentos diferentes da nossa história,
mas de um mesmo momento longo, produzido pela polarização. Assim, um quer a
volta dos militares, outro, o jingle de 1989, eleição polarizada, sem
governadores e parlamentares.
Até agora, o que predomina é o rosário de
traços discordantes com a normalidade democrática e hostis aos pilares da
civilização ocidental – democracia, racionalidade e competitividade econômica.
O risco de ser governado por quem tem identidade com Putin, o engolidor do sol
do outro, é eclipse e nudez.
Enfim, em situação não heroica ninguém
sente a perda do presente. Se tudo é eterno retorno, falta força para pensar
alternativa reflexiva. E a pobreza do cardápio de ideias quer dar ao prato
feito a aparência de saciedade. É uma histeria da sociedade extenuada, contida
pela política dos partidos financiados pelo Estado que apostam tudo na rixa
entre eleitores.
Não é hora de elogiar candidato. Com a
política tão excessiva e cotidiana entre nós, as ideias fora do lugar,
instituições civis fora do eixo, militares sensualmente provocados em suas
emoções e a economia a Deus-dará, melhor olhar o futuro. Até agora, são interesses
políticos privados que impõem ao inconsciente do eleitor tal noção de
preferência, ordem e hierarquia. Tal fato alterou definitivamente o sistema
imunológico do cidadão, tornando-o incapaz de distinguir entre ele e o outro, o
cru e o cozido. O inessencial é visível aos olhos.
A política da pressa e sem filosofia gosta
de fato consumado. É só observar a baixa vocação para o progresso no caso de
cidades e Estados onde líderes populistas, manipuladores, mandam e desmandam
até o fim da vida, sem deixar os moradores em paz. Não existe liberdade nesta
coisa do “tudo em um”. É uma coação desmedida expor-se ao interesse insaciável
do outro que vê o eleitor como uma tralha velha.
Quando a política de preservação do poder
prevalece sobre todos os outros objetivos, não há interesse nacional. Prevalece
a lógica da nomenklatura burocrática
dos partidos. Não importam direita, esquerda, masculino, feminino, farda ou
terno. Já tivemos de tudo e demos com os burros n’água. O eleitor disperso,
cansado, que se acha vivo demais para morrer na mão do outro, é tratado como
morto demais e não consegue mudar nada. Política dos políticos, a morta-viva
que esmaga e impede o cidadão de ajudar o Brasil desinteressadamente.
*Sociólogo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário