Correio Braziliense
É mais um oficial-general de
quatro estrelas de grande prestígio nas Forças Armadas defenestrado por
Bolsonaro de forma humilhante, por discordâncias com o Centrão e o presidente
da República
O almirante de esquadra Bento Albuquerque foi demitido, ontem, do cargo de ministro de Minas e Energia, inesperadamente, pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), a pretexto de que teria se omitido em relação aos aumentos dos combustíveis, sobre os quais não tem nenhuma responsabilidade direta, porque a decisão é da Petrobras. O real motivo da demissão, porém, foi sua discordância com o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e os partidos do Centrão, quanto à aprovação de um projeto bilionário de construção de uma rede de gasodutos interligando oito estados do Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil, para o qual pretende se destinar cerca de R$ 100 bilhões do lucro do pré-sal. O projeto beneficia diretamente o empresário Carlos Suarez, ex-sócio-fundador da empreiteira OAS, que tem o monopólio de distribuição de gás nos estados beneficiados.
Bento é mais um oficial-general de quatro
estrelas de grande prestígio nas Forças Armadas defenestrado por Bolsonaro de
forma humilhante, por discordância com o Centrão e o presidente da República.
Soube da demissão pelo Diário Oficial. Fez uma carreira militar considerada
exemplar: foi observador militar nas Forças de paz da Organização das Nações
Unidas (ONU) nos setores de Sarajevo, Bósnia e Herzegovina e Dubrovnik, na
ex-Iugoslávia; comandante da Base de Submarinos Almirante Castro e Silva;
comandante em chefe da Esquadra e secretário de Ciência Tecnologia e Inovação
da Marinha.
É considerado um dos pais do submarino
nuclear brasileiro, pois foi um dos negociadores dos acordos de parceria
estratégica do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) entre a
França e o Brasil. Posteriormente, foi comandante da Força de Submarinos e
chefe do Gabinete do comandante da Marinha. Em 2016, assumiu a Secretaria de
Ciência e Tecnologia e Inovação da Marinha e, posteriormente, a Diretoria-Geral
de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM). Agora, é o 20º
ministro demitido por Bolsonaro.
Sua oposição ao Brasoduto custou sua
cabeça. O projeto é um velho conhecido do Congresso, que já rechaçou a proposta
10 vezes, pela maioria dos parlamentares e pelo próprio governo. Agora, com apoio
do Centrão e do novo ministro, as possibilidades de aprovação são maiores e vão
ao encontro dos interesses eleitorais de Bolsonaro e seus aliados.
Grande beneficiário do projeto, Carlos
Suarez tem oito distribuidoras de gás no Norte, Nordeste e Centro-Oeste e
quatro autorizações para a construção desses gasodutos. Mas não tem recursos
próprios para pô-los de pé. O projeto de financiamento com recursos do pré-sal,
que seriam destinados ao reaparelhamento da Marinha, faz renascer das cinzas o
velho lobby das empreiteiras no Congresso. Suarez é o S da construtora OAS, que
fez acordo de delação premiada com a Operação Lava-Jato.
Resistência
A Associação dos Grandes Consumidores
Industriais de Energia e Consumidores Livres (Abrace) faz forte oposição ao
projeto, que chama de “Centrãoduto”. Segundo a entidade, o Brasoduto cria
privilégios e não respeita critérios de planejamento, de contratações baseadas
em eficiência e de modernização do mercado. A Abrace reúne mais de 50 empresas,
responsáveis por 40% do consumo industrial de energia elétrica e 42% do de gás
natural, entre as quais os grupos Gerdau, Nestlé e Votorantim. O Fórum das
Associações do Setor Elétrico (Fase), que abarca 27 associações do mercado,
também se opõe ao projeto.
O deputado Fernando Coelho Filho
(União-PE), ex-ministro de Minas e Energia, é o relator do Projeto de Lei 414,
que trata da modernização do setor elétrico, no qual o Centrão pretende
embarcar o jabuti de R$ 100 bilhões. Segundo revelou ao blog do jornalista
Tales Faria (UOL), o parlamentar não pretende incluir a proposta no seu
relatório. Porém, mesmo contra a vontade, o projeto pode ser aprovado por meio
de uma emenda.
Com a demissão de Bento Albuquerque, Coelho
tentou voltar ao cargo de ministro de Minas e Energia, mas foi preterido por se
opor ao projeto. O cargo caiu no colo do ex-secretário de Política Econômica da
Economia, Adolfo Sachsida, servidor concursado do Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas (Ipea), que integra a equipe econômica desde o início. O
novo ministro é mais ligado a Bolsonaro do que ao ministro da Economia, Paulo
Guedes, antes mesmo de este se incorporar à campanha eleitoral de 2018.
Ao jogar ao mar o almirante, Bolsonaro fez
do limão uma limonada, dois dias depois de a Petrobras anunciar reajuste de 8,87%
no preço do diesel nas refinarias, que passou de R$ 4,51 para R$ 4,91 o litro.
Na semana passada, a estatal anunciou lucro de R$ 44,5 bilhões no primeiro
trimestre de 2022, o que o presidente classificou como um “estupro”. Em 2021, o
lucro foi de R$ 106 bilhões.
O almirante está sendo responsabilizado pelos políticos do Centrão pelos aumentos de combustíveis e da inflação, o que não passa de uma cortina de fumaça para o lobby bilionário dos gasodutos. Sachsida assume com a bandeira de privatizar a Petrobras e resolver o problema da alta dos combustíveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário