O Globo
Militares atuam como buchas de canhão para o golpismo de Bolsonaro
A estratégia que Jair Bolsonaro desenhou
para chegar às eleições em condições de vencer o pleito ou melar o jogo é
conhecida: criar tumulto atrás de tumulto, espalhar focos de desconfiança e
dispersar a atenção dos assuntos que realmente importam. Vem sendo assim desde
o começo do governo.
Toda vez que o presidente da República
depara com um problema que não sabe ou não quer resolver, aciona o botão do
pânico. Só que quem entra em pânico somos nós. E só continua funcionando porque
sempre tem algum fardado disposto a ajudar o presidente em suas tentativas de
criar o caos.
A história se repetiu na última polêmica em
torno da segurança do sistema eleitoral. Bolsonaro lançou a bomba
aproveitando-se da confusão criada pelo perdão presidencial ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) e
da fala do ministro do STF Luís Roberto Barroso, para quem as Forças Armadas
estavam sendo orientadas a atacar e desacreditar o processo eleitoral.
Em discurso no Palácio do Planalto,
difundiu a ideia de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apura os votos numa
sala secreta que não existe, citando uma proposta de apuração paralela pelas Forças Armadas que também
nunca foi feita.
Ao mesmo tempo que TSE e interlocutores do
Judiciário e do Congresso tentavam desfazer o tumulto com notas de esclarecimento
e encontros a portas fechadas, outro general, Heber Portella, enviava ofícios
desaforados ao TSE demandando explicações sobre supostos riscos e fragilidades
no sistema eleitoral.
Embora fosse o representante dos militares
na famigerada Comissão de Transparência do TSE, o general adotou um tom que a
hierarquia da força não lhe autoriza:
“Os militares recomendam previsão e
divulgação antecipada de consequências para o processo eleitoral, caso seja
identificada alguma irregularidade na contagem dos votos da amostra utilizada
no Teste de Integridade, haja vista que não foi possível visualizar medidas
concretas no caso da ocorrência de referidas irregularidades”.
Desde então, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, tomou para si a interlocução com a Corte eleitoral, desautorizando Portella. O TSE explicou que parte das sugestões já havia sido implementada e outra parte era inviável, expondo a falta de conhecimento técnico do general sobre o sistema.
Os aliados do ministro da Defesa afirmam que, com seu movimento, ele busca atuar como anteparo institucional ao golpismo de Bolsonaro. Se é essa a intenção, talvez seja o caso de ele refazer o mapa do campo minado e reforçar o estoque de escudos, porque o presidente não só não gosta de anteparos, como tem por hábito implodi-los.
Não é preciso buscar algum de tantos
exemplos do passado para ilustrar essa afirmação. Ontem mesmo Bolsonaro descartou
um desses “escudos institucionais” ao demitir o almirante Bento Albuquerque do Ministério de Minas e
Energia.
O almirante tentava conter os arroubos
intervencionistas do presidente, que nunca se conformou com a política de
reajuste dos combustíveis da Petrobras acompanhar as cotações do barril do
petróleo e do dólar.
Por um tempo, deu certo. Até que parou de
funcionar.
A razão mais evidente para a saída de
Albuquerque foi o aumento de 8,9% no preço do diesel, alguns dias depois de
Bolsonaro ter pedido em sua live que não houvesse mais reajustes e de ter
chamado de “estupro” o lucro de R$ 44,5 bilhões da Petrobras.
Também se falou numa queda de braço com
lideranças do Centrão em torno do projeto que destina R$ 100 bilhões do pré-sal
à criação de uma rede de gasodutos que atenderia aos interesses do empresário Carlos Suarez.
Seja qual for a bomba que eliminou o
escudo, só veio reforçar a constatação de que o presidente da República não
está nem aí para a cor da farda ou para a patente que ela exibe.
Apesar de gostar de dizer que aprendeu na
caserna o valor da lealdade, ou que não deixa seus homens na estrada, a verdade
é que, para Bolsonaro, o militar só é útil se lhe presta obediência
incondicional.
Se resolver priorizar os interesses
nacionais ou o respeito às instituições da República em vez de criar o caos, o
sujeito estará fora. Será igualmente descartado assim que o tumulto da vez for
superado.
A esta altura, o mais incrível não é nem que seja assim. Impressiona é que ainda haja militares que acreditam ser capazes de conter de forma civilizada os impulsos destruidores do presidente. Não percebem que, em vez de anteparos, o que são é bucha de canhão.
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