O Estado de S. Paulo
Conclusão ainda este ano, sem a reabertura
das negociações, seria importante para enfrentar os desafios que as
transformações geopolíticas colocam para todos os países
O Brasil, como coordenador do Mercosul,
encaminhou na semana passada resposta à União Europeia (UE) ao Protocolo
Adicional enviado ao bloco em fins de abril passado, depois de três anos da
conclusão das negociações, em 2019.
O documento não procura confrontar as ameaças
e afirmativas europeias, que vão muito além do documento final aprovado, mas
não assinado, em 2019. De forma apropriada, oferece comentários e sugestões que
poderão ser concretizados, depois de o texto do acordo ser formalmente aceito e
assinado.
Na resposta do Mercosul estão reafirmados
todos os compromissos negociados no capítulo sobre comércio e desenvolvimento
sustentável, e reforçadas a necessidade de uma ação de colaboração, e não de
confrontação, e a decisão de uma rápida finalização do acordo, depois de mais
de 20 anos de negociações.
O Mercosul ressaltou, de forma clara:
• a disposição de negociar comunicado
conjunto que leve em conta que as novas circunstâncias da economia global
incidem sobre o que já foi negociado e reforçam o valor estratégico para os
dois lados do acordo;
• à luz das transformações que ocorreram e
estão ocorrendo globalmente (pandemia, guerra na Ucrânia, tensões entre EUA e
China, nova economia, unilateralismo), para reforçar o desenvolvimento
sustentável nas dimensões sociais, econômicas e sustentáveis (e não apenas
comerciais), as legislações internas e as diferentes circunstâncias nacionais
devem ser consideradas;
• não deve haver sanções (nem insinuações) e
devem ser evitadas medidas restritivas ao comércio sob alegação de defesa do
desenvolvimento sustentável;
• deve ser salvaguardada a capacidade do
Estado de implementar políticas públicas nas áreas de saúde, ciência e
tecnologia e inovação, cadeias de valor regionais, ação climática e segurança
alimentar;
• no âmbito dos objetivos mais amplos do
acordo, estimular atividades de cooperação, inclusive financiamento, em vários
níveis, como ferramenta para promover a integração de cadeias de valor
sustentáveis e fortalecer setores vulneráveis; e
• prever mecanismo para reequilibrar as
concessões comerciais regionais no acordo, caso as concessões negociadas sejam
suspensas ou anuladas como resultado das legislações recentes na UE sobre meio
ambiente e mudança de clima.
As preocupações do governo brasileiro com a
questão de compras governamentais estão presentes indiretamente, sem a
necessidade de reabrir o acordo, pois, caso se deseje alterar as amplas
exceções nele incluídas, o anexo ao acordo, onde se registram as ofertas
nacionais, poderá ser modificado em razão das grandes transformações por que
passa o mundo e do novo papel do Estado no comércio e no investimento global.
Esperase que resistências pontuais do Uruguai e da Argentina possam ser
superadas.
A janela de oportunidade para a conclusão e a
assinatura do acordo está se fechando rapidamente. A análise pela UE da
resposta do Mercosul, em vista da não aceitação dos termos do Protocolo
Adicional, deveria ser rápida, como foi a do Mercosul. Se até o fim de outubro
não houver a decisão dos dois lados para assinar o acordo, dificilmente o
desfecho dos entendimentos acontecerá. Eleições na Argentina, na França e a
mudança da direção do Conselho Europeu poderão dificultar o entendimento
definitivo.
A conclusão do acordo ainda este ano, sem a
reabertura das negociações, seria importante para enfrentar os desafios que as
transformações geopolíticas estão colocando para todos os países. Em tempos de
ajustes da globalização, acordos regionais passaram a substituir os acordos
bilaterais. O acordo com o segundo mercado para o Brasil, formando um mercado
de mais de 800 milhões de pessoas, manda uma mensagem poderosa à comunidade
internacional quanto à colaboração ampliada entre duas regiões que defendem os
mesmos valores e interesses, além de sinalizar o fim do isolamento do Mercosul,
que em 30 anos assinou apenas três acordos de livre-comércio (Egito, Israel e,
mais recentemente, Cingapura).
No caso do Brasil, a assinatura do acordo
reforçaria a projeção externa do País e fortaleceria a política de
independência e equidistância numa das questões geopolíticas que dividem hoje o
mundo: as tensões entre os EUA e a China. No caso da União Europeia, ampliaria
as áreas de contato com uma região líder em segurança alimentar, energia limpa
e que passou a priorizar o meio ambiente.
É importante lembrar, na linha dos
comentários do Mercosul, que o acordo em negociação não é só um acordo
comercial, mas um ambicioso acordo de associação estratégica, que inclui três
vertentes: a política, a de cooperação e a do livre-comércio.
Caso realmente seja possível concluir
satisfatoriamente o acordo, como espero, o Mercosul e o Brasil, em particular,
deveriam implementar políticas e medidas práticas para melhorar a
competitividade da produção interna. A redução do custo Brasil e o avanço nas
reformas estruturais, no contexto do anunciado programa de reindustrialização,
o reforço à inovação (5G e Inteligência Artificial), maior apoio às pequenas e
médias empresas e o fortalecimento institucional do Mercosul deveriam ser
algumas das prioridades.
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