O Globo
O salário mínimo constitucional quebraria as
empresas privadas e todos os níveis de governo
Data venia, desculpa qualquer coisa e perdão
pelas palavras, mas a Constituição Cidadã foi um desastre econômico. Gerou uma
versão estatizante e criou direitos e benefícios que simplesmente não podem ser
cumpridos.
O salário mínimo é inconstitucional desde que
a Carta Magna foi aprovada, em 1988. Diz lá que é direito dos trabalhadores
urbanos e rurais um “salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado,
capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo”.
Considerem uma família de quatro pessoas, casal e dois filhos, morando no Rio ou em outra região metropolitana, e está na cara que o valor atual, R$ 1.320, não dá.
Qual seria o valor constitucional? O Dieese
faz o cálculo todos os meses. Para setembro último, a estimativa alcança exatos
R$ 6.280,93 — ou 4,75 vezes o efetivamente pago a trabalhadores, aposentados
do INSS (26,2
milhões) e aos que recebem o Benefício de Prestação Continuada (5,5 milhões).
Qualquer um pode, pois, entrar com uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade (Adin) e pedir que o STF corrija
a distorção. Mas ninguém propõe essa medida a sério. E, se fosse proposta,
ficaria dormindo nas gavetas de Suas Excelências. Por óbvio: o mínimo
constitucional quebraria as empresas privadas e todos os níveis de governo. Só
o INSS teria um gasto adicional absurdo de R$ 130 bilhões por mês.
Mais: se a loucura fosse concretizada,
provocaria um surto de hiperinflação e o endividamento do governo. A inflação
desvalorizaria o novo mínimo, que logo se tornaria de novo inconstitucional. E
a dívida pública provocaria um aumento nos juros, tornando o crédito inviável.
Recessão.
Eis o ponto: no caso do mínimo, a
Constituição Cidadã não se aplica.
Também não se aplica na saúde. A Carta é
explícita, no artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Todo brasileiro, portanto, tem o direito de
ser atendido com a melhor medicina, de graça. Por isso, aliás, se definiu o
Sistema Único de Saúde, SUS. Para os constituintes, toda a prestação de saúde
seria estatal, socializada. Só não ficou assim porque, ao final da tramitação,
se fizeram umas contas e se verificou que o governo não teria dinheiro para
estatizar e manter todo o sistema privado.
Assim, em caráter secundário, a Constituição
autorizou serviços privados de saúde, que deveriam ser isso mesmo,
suplementares, coisa pequena. Mais de 45 milhões brasileiros recorrem a esse
sistema dito secundário, basicamente pagando seguro e planos de saúde.
Tanto o sistema público quanto o privado
sofrem restrições econômicas. Claro. Há remédios e tratamentos que,
universalizados, quebrariam os dois sistemas. Mas, como a Constituição garante
o direito fundamental, as pessoas vão ao Judiciário, que obriga governo e
seguradoras privadas a custear o que for pedido. A judicialização torna-se,
assim, um custo generalizado. O SUS acaba subfinanciado, e o setor privado fica
cada vez mais inacessível. A Constituição também não se aplica aqui.
Mais. No artigo 5º, a Carta garante “aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Os médicos
executados no Rio não tiveram garantia de direitos à vida, à liberdade e à
segurança.
A Constituição consagrou a democracia, é
libertária na política e nos costumes — um enorme avanço. Mas criou utopias,
miragens e desequilíbrios econômicos e sociais, de modo que o sistema é levado
a tolerar, digamos, situações inconstitucionais. Parece que basta declarar o
direito, seja ou não cumprido na real.
Não foi por acaso que a Carta precisou de
mais de 130 emendas, mesmo já tendo começado com uns 250 artigos. E ainda não
ficou adequada.
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