domingo, 1 de outubro de 2023

Samuel Pessôa* - A nova onda de política industrial

Folha de S. Paulo

Políticas de desenvolvimento industrial foram essenciais para leste asiático

Nos últimos dez anos tem havido renovado interesse da academia pelas políticas de desenvolvimento industrial (PI).

A nova literatura, no meu entender, demonstra convincentemente que a PI foi essencial para as mudanças na estrutura produtiva que ocorreram nos países de desenvolvimento rápido do leste asiático. Nesse sentido, a literatura recente de economia confirma os achados de uma literatura dos anos 1980 e 1990 da sociologia.

Esses resultados são contrários a resultados anteriores da academia em economia. As mudanças decorreram de uma melhora substancial na capacidade de mensuração do emprego da PI e de seus impactos.

Por exemplo, Nathan Lane, em cuidadoso trabalho empírico, documentou em detalhe que a política industrial praticada entre 1971 e 1979 pelo governo do presidente Park, de internalizar a indústria pesada (petroquímica, siderúrgica e naval), foi muito bem-sucedida em alterar a estrutura da indústria sul-coreana. O bonito no trabalho é que há evidências de que a decisão tomada pelo presidente pode ser considerada exógena à dinâmica da indústria.

Questões associadas à segurança interna do país, após o governo Nixon divulgar mudanças nas políticas de gasto com segurança internacional dos EUA, motivaram a troca. Por outro lado, o assassinato do presidente Park em 1979 terminou com a política. Ou seja, temos uma PI com início, meio e fim e na qual o início e fim são exógenos aos setores envolvidos. Temos, como argumenta Lane, um experimento natural. Há outros exemplos de documentação de sucesso de PI.

A coluna avalia que a grande falha dessa nova literatura foi não reconhecer que o esforço de PI nos países dos tigres asiáticos ocorreu simultaneamente a um brutal processo de acumulação de capital físico e humano. Basta lembrar as elevadíssimas taxas de poupança e o desempenho excepcional daquelas sociedades em testes de proficiência do ensino básico.

Assim, como argumentou Justin Lin em seu debate com Ha-Joon Chang, para os tigres asiáticos a PI não acontecia à revelia das vantagens comparativas, pois estas também mudavam rapidamente. A PI nos tigres asiáticos pode ser interpretada como uma política pública facilitadora, para ajustar a estrutura produtiva às vantagens comparativas em rápida transformação.

Não que seja ineficaz PI à revelia das vantagens comparativas. O caso da Embraer é um exemplo. Mas as chances de não funcionar são muito maiores, e certamente um esforço muito amplo à revelia das vantagens comparativas, como foi o caso com a indústria naval no Brasil de 2006 até 2015, não parece ser promissor.

Simplesmente a indústria que se deseja desenvolver emprega intensamente fatores muito escassos, e, portanto, muito caros. Se os ganhos de aprendizado não ocorrerem rapidamente, antes de a política pública gerar resultados o Tesouro Nacional esgota sua capacidade de financiamento. Esse foi exatamente o caso com a nossa grande crise de 2014 até 2016. Os investimentos foram parados por total esgotamento fiscal do Estado brasileiro.

Assim, com todas as dificuldades do Estado brasileiro —principalmente com o patrimonialismo e com a dificuldade de renegociação (tudo no Brasil rapidamente se transforma em direito adquirido)—, o melhor é o enfoque menos ambicioso de Justin Lin. Respeitar as vantagens comparativas, a menos de casos e experimentos bem circunscritos e sempre ligados a pesquisa e ensino, como foi o caso da Embraer.

*Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

3 comentários:

EdsonLuiz disse...

Destaquei do artigo::
■ " Assim,...
... o melhor é o enfoque menos ambicioso de Justin Lin. Respeitar as vantagens comparativas, a menos de casos e experimentos bem circunscritos e sempre ligados a pesquisa e ensino, como foi o caso da Embraer. ".

■O mundo todo precisa de parceiros!
▪O Brasil tem a opção de atrair como sócios os grandes conhecedores e financiadores da fabricação de máquinas, equipamento e detentores de tecnologia de material.

▪O Brasil pode atrair quem conhece e investe em indústria ferroviária. É o trem de carga e passageiros movido a eletricidade que vai carregar peso no futuro, não os monstrengos vomitadores de fumo chamados caminhões e ônibus. Veículos pequenos (e movidos a eletricidade) terão papel secundário, de alimentadores de ramais.

▪O Brasil pode atrair como sócios os grandes conhecedores e investidores em alternativas de geração de energia. Eletricidade será gerada usando o vento e o sol, e suas usinas serão instaladas lá dentro do mar, porque aqui em terra temos que plantar árvores e não Torres. Mesmo o hidrogênio como alternativa de combustível precisará ser produzido por quem dispõe de muita energia limpa. Depois, há um mundo para exportar as células de hidrogênio.

▪Madeira será o material de construção mais usado em um mundo tão quente, mas será madeira engenheirada, aglomerados ultrasofisticadíssimos produzidos com tecnologia e usando madeira de reaproveitamento e de plantio feito com manejo.

▪Informática, inteligência artificial, utensílios eletrônicos, microprocessadores, estas coisas serão o carro chefe do desenvolvimento massificado para sempre. São coisas que nós não sabemos fazer direito, mas para o que temos certas vantagens competitivas que outros não têm.

■Mas os que sabem fazer estas coisas e as financiam não irão para países que apoiam ditaduras. Eles fizeram isto por um tempo, mas a experiência está mostrando que as ditaduras beneficiadas não se flexibilizaram e, pelo contrário, estão se tornando uma ameaça crescente ao mundo criativo, progressista e empreendedor que é o mundo da liberdade.

■E quem sabe fazer e financia tecnologia nunca irá, a não ser pontualmente, para países que não contarem com capital humano preparado para absorver técnica e conhecimento.

●A Índia formou, formou e formou.
●O Brasil precisa formar, formar e formar.

EdsonLuiz disse...

■ A Índia forma ~ 600.000 matemáticos, engenheiros, físicos e similares por ano, uma parte muito grande muito bem formada e que nem fica na Índia porque sai e vai trabalhar em outros países, de tão bem formados. Depois, muitos voltam levando para a Índia o que aprenderam fora.

Depois de formar, formar, formar, a Índia está começando a ver retorno do investimento que fez e faz. Todas as multinacionais estão na Índia, e já estão produzindo produtos tecnológicos criados lá na Índia, que estão exportando para o mundo.

Liberdade, investimento multinacional, capital humano:: a economia da Índia vai disparar!

Não foi levantando barreiras de proteção para empresários aproveitadores e corruptos que a Índia está conseguindo se desenvolver, mas formando, formando e formando.

O Brasil, entre engenheiros, matemáticos, físicos, biólogos e químicos formados por ano, pouco passa de 30.000, uma grande parte formada nas Uniesquinas e que, ao concluirem o curso, devem ao FIES mas não adquiriram habilidade para exercerem uma profissão e se ocupam vendendo bugigangas ou virando trabalhadores de mesa em bares e lanchonetes. Nem mesmo dinheiro para pagar o VIÉS eles vão conseguir e ficarão com a dívida até serem anistiados.

Quando criou o VIÉS, o governo Fernando Henrique colocou exigência de qualidade da faculdade, e avaliava a qualidade todos os anos. O PT e Lula, como são "bonzinhos", acabaram com a exigência.

Precisamos parar de formar doutrinadores rastaqueras e que fingem que conhecem Karl Marx e que pensam que o marxismo de Lênin, Trótski e Stalin é a salvação e usarmos o espaço e recursos parcos que temos para formar engenheiros, matemáticos, químicos, físicos e biológos em quantidade e qualidade.

Depois, com o que ganharemos por ter formado engenheiros, físicos e congêneres bem preparados, conseguiremos recursos para formar mais sociólogos, historiadores, filósofos.

Mas formar doutrinadores nas escolas, não! Deixemos que doutrinadores sejam formados nas igrejas e nas madrassas políticas para os que isso desejarem.

EdsonLuiz disse...

Onde está escrito VIÉS, leia-se FIES.
▪O corretor de texto que instalei erra mais do que eu e pensa que está me corrigindo.