O Globo
Apreensão de jovens sem flagrante autoriza
racismo e segregação em praias do Rio
A Procuradoria-Geral da República pediu ao
Supremo Tribunal Federal que proíba a apreensão de jovens sem flagrante nas
praias do Rio. A medida foi adotada pelo governo do estado na chamada Operação
Verão. A justificativa oficial: garantir a segurança dos banhistas.
Em dezembro, a juíza Lysia Maria da Rocha
Mesquita ordenou que a prática fosse suspensa. Em 11 páginas, ela descreveu uma
rotina de abusos e arbitrariedades cometidas por autoridades de segurança.
Crianças e adolescentes são retirados de ônibus à força, sem ter praticado qualquer ato infracional. Levados a delegacias, passam a ser tratados como suspeitos até a chegada de um responsável. Fichados e impedidos de ir à praia, ainda têm suas imagens expostas ilegalmente nas redes sociais.
Relatórios encaminhados à Vara da Infância e
Juventude informam que os jovens apreendidos têm o mesmo perfil: negros, pobres
e moradores da periferia. Alguns vivem em municípios da Baixada Fluminense,
como Duque de Caxias e São João de Meriti. Outros em bairros do subúrbio, como
Bonsucesso, Jacaré e Manguinhos.
“Todos matriculados na rede pública, um deles
no 9º ano do Colégio Pedro II”, anotou a juíza. Poderia ter acrescentado: o
mesmo onde estudaram presidentes da República e magistrados que chegaram à
Suprema Corte, como o ministro Luiz Fux.
Na decisão, Lysia Maria disse o óbvio: o
poder público deve garantir segurança “sem violar direitos, sem incentivar mais
violência e sem reforçar o racismo estrutural”. “Os moradores das periferias
pardos e negros, crianças e adolescentes, devem ter garantido o seu direito de
desfrutar das praias como todos os outros”, escreveu.
Ao tratar jovens negros como criminosos em
potencial, o Estado “reforça essa estrutura triste e vergonhosa de segregação,
exclusão e divisão”, concluiu a juíza. A decisão vigorou por 24 horas. Foi
revogada pelo presidente do Tribunal de Justiça, sob aplausos do governador
Cláudio Castro e do prefeito Eduardo Paes.
“A ordem foi restabelecida”, festejou Castro.
Ele descreveu a dura nos ônibus como “abordagem preventiva”. Como se a polícia
tivesse licença para decidir, com base no CEP e na cor da pele, quem pode e
quem não pode pegar sol.
Assaltos e arrastões fazem parte da paisagem
carioca há décadas. Incapazes de resolver o problema, governantes apelam a
medidas pirotécnicas ou simplesmente ilegais. O arbítrio não garante segurança
a ninguém, mas agrada a um setor da sociedade que Chico Buarque radiografou em
“As caravanas”: “A gente ordeira e virtuosa que apela/ Pra polícia despachar de
volta/ O populacho pra favela/ Ou pra Benguela, ou pra Guiné”. A música foi
lançada em 2017, quando o atual inquilino do Palácio Guanabara ainda era um vereador
de primeiro mandato.
Na reclamação ao Supremo, o procurador Paulo
Gonet lembrou que a Corte já decidiu, por unanimidade, que crianças e
adolescentes não podem ser apreendidos sem flagrante ou ordem judicial. O
acórdão foi ignorado pelo presidente do TJ, Ricardo Rodrigues Cardozo. E pelo
Conselho Nacional de Justiça, que resolveu investigar a juíza que mandou a
polícia cumprir a lei.
2 comentários:
Revoltante! O presidente do TJ/RJ e o CNJ estão completamente errados neste caso. Será que nem no CNJ se pode confiar mais??
''Pardos e negros'' é redundância,o correto seria pardos e pretos.
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