O Globo
A principal razão por que Pablo Marçal (PRTB)
capturou uma fatia do eleitorado paulistano e se converteu na grande novidade
da campanha deste ano foi a transposição, para a política, do método Marçal,
que ele mesmo explica ser ancorado na economia da atenção. Nesse método, tudo
gira em torno da máxima segundo a qual não importa o que se diz, mas o impacto
que se causa. Quanto mais impacto, mais voto.
O que interessa é conseguir que todos falem de você, seja por bancar o palhaço em debates, por inventar propostas mirabolantes ou por abusar da agressividade e de mentiras. O próprio Marçal já disse que precisava se comportar como idiota porque é disso que o eleitor gosta. A pegada antissistema em que ele se enquadrou é um imperativo algorítmico, e não necessariamente consequência de convicções pessoais. De antissistema, afinal, o ex-coach não tem nada.
Mas eis que, depois de semanas reinando sobre
a desorientação dos adversários, foi Marçal quem se viu desorientado pela
cadeirada recebida de José Luiz Datena (PSDB),
no debate de domingo realizado pela TV Cultura.
Agressões são sempre abomináveis, ainda mais
quando ocorrem num ambiente onde se deveria dar exemplo à população. O episódio
lamentável, porém, ensinou que o aparentemente imbatível método Marçal tem seus
limites. Eles começam quando o personagem virtual é obrigado a lidar com uma
realidade que escapa a seus cortes para o Instagram.
Marçal já tinha se preparado para criar uma
briga, tanto que na véspera avisara que o debate seria “a maior baixaria da
História”. Não previa que Datena fosse hackear seu método usando um gesto de
impacto para o qual o ex-coach claramente não tinha um roteiro pronto. Parecia
até que o apresentador tinha assistido a um vídeo em que Marçal, ao contar como
acabou com o chilique do filho se jogando no chão com ele, diz que “remédio
para doido é um doido e meio”.
Outra lição a tirar do episódio é que o
eleitor pode até gostar do entretenimento e se sentir vingado com os “ataques
ao sistema”, mas não é esse idiota caricato que Marçal imagina. O manual básico
do influencer moderno ensina que seu “personagem” precisa ser autêntico para
gerar identificação. Do contrário, cedo ou tarde, o público percebe e rejeita.
Pelo jeito, Marçal se considerava imune a essa máxima.
Os vídeos gravados nos bastidores do debate
mostram que ele andava normalmente no estúdio depois da agressão, levantou os
braços com vigor, desafiando Datena, e chegou a se posicionar diante do púlpito
para voltar ao debate.
De repente, porém, saiu do local numa
ambulância, de onde postou imagens tomando oxigênio numa maca, como se
estivesse numa grave emergência. Sua equipe divulgou que ele tinha fraturado
uma costela, mas a foto do hospital mostrava uma pulseira de cor verde, usada
para indicar casos pouco urgentes.
O pastelão foi tão flagrante que, pela
primeira vez na campanha, a internet se voltou contra Marçal. As análises de
consultorias digitais mostraram que a maioria das citações a ele nas redes
tinha conteúdo negativo ou de deboche.
Grupos de pesquisa qualitativa das equipes
adversárias mostravam que os eleitores dele estavam envergonhados com a gozação
generalizada, especialmente os homens mais jovens, e muitos achavam que não
deveria ter abandonado o debate. Como, afinal, o sujeito que ensina nos vídeos
a lutar contra tubarão e onça acaba no hospital por uma cadeirada de um idoso?
Marçal percebeu rapidamente que sua
estratégia passara do ponto, tanto que no dia seguinte já saiu do hospital só
de tipoia, anunciou que faria campanha de rua e disse que iria para cima dos
outros candidatos no debate de terça-feira. Em poucas horas, saiu da pele de
ex-coach de costela fraturada para a de lutador antissistema indignado (e muito
bem de saúde).
A pesquisa Quaest divulgada ontem já trouxe
alguns reflexos do erro de Marçal, com a forte campanha virtual contra ele
movida por Jair
Bolsonaro e o pastor Silas
Malafaia. Sua intenção de voto caiu pouco no geral (de 23% para 20%)
e o manteve em empate técnico com Ricardo Nunes (MDB)
e Guilherme
Boulos (PSOL).
Mas, nos estratos em que é mais forte — homens, jovens, evangélicos e eleitores
de Bolsonaro —, o tombo foi de 5 a 8 pontos percentuais.
Essa é uma tendência permanente? É cedo para
dizer, mas ficou evidente que, ao se perder no personagem, Marçal deu aos
adversários pistas sobre como enfrentá-lo. Datena descobriu que a melhor forma
de desmascarar Marçal é hackear seu método. Mas, para isso, não é necessário e
nem recomendado desmantelar nenhuma cadeira a mais. Só usar a inteligência
mesmo já basta.
2 comentários:
Muito bom! Quem foi mais autêntico? O idoso agressor ou o criminoso atingido mas tb fingido?
O cara machucou um dedo e vai pro balão de oxigênio,a coisa ficou fake demais,rs.
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