quinta-feira, 19 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Copom acertou ao aumentar taxa de juros

O Globo

Além de dar recado claro no combate à inflação, movimento dissipa incertezas sobre próxima gestão do BC

Era esperada a decisão do Banco Central (BC) de subir a taxa básica de juros, a Selic, em 0,25 ponto percentual, para 10,75% ao ano. Não faltam evidências de pressão sobre os preços: a economia segue aquecida, o desemprego cai, a política fiscal do governo é expansionista, e o dólar continua alto. Diante disso tudo, não causa surpresa que as expectativas de inflação para 2024 estejam longe do centro da meta (3%). Levando tudo em consideração, o Comitê de Política Monetária (Copom) fez a opção correta ao colocar o pé no freio. Tomada por unanimidade, a decisão também transmite um recado nítido de coesão no Copom — e contribui para afastar incertezas a respeito da próxima gestão no BC, que começa em 2025.

O anúncio marca uma mudança de rota na política monetária. Entre agosto de 2023 e maio deste ano, a Selic caiu de 13,75% para 10,5%. De lá para cá, ficou estacionada. Com a subida gradual de agora, o mais provável é um novo ciclo de alta. Que ninguém se engane. A perspectiva de juro alto nunca é boa. Ao tornar o crédito mais caro, inibe o consumo e o investimento. Mas vale lembrar que adotar uma política monetária contracionista na hora certa evita males maiores no futuro, com escalada de preços e erosão no poder de compra.

O fato de os diretores do BC terem votado de forma unânime é um sinal de que compartilham essa opinião. E o momento para essa demonstração de sabedoria e unidade não poderia ter sido mais propício. Em janeiro, haverá troca de guarda na presidência do BC. Sai Roberto Campos Neto, alvo contínuo de críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e entra Gabriel Galípolo, ex-secretário executivo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e atual diretor de Política Monetária. A promoção de Galípolo, ainda dependente de confirmação do Senado, coincidirá com a chegada de mais diretores indicados por Lula. Tal cenário chegou a levantar dúvidas pertinentes sobre a atuação do Copom a partir de 2025. Seguiria a rotina de decisões técnicas ou abriria as portas para opiniões heterodoxas, como as que vigoraram durante o governo Dilma Rousseff? O anúncio desta quarta-feira ajuda a dissipar as dúvidas e sugere que a gestão Galípolo deverá seguir os mesmos parâmetros da atual.

Ele também contará com uma ajuda externa para calibrar os juros. No mesmo dia em que a Selic subiu por aqui, o Fed, banco central americano, cortou a taxa de juros em meio ponto percentual, na primeira redução desde o início de 2020. Foi um corte ousado, além do que o mercado esperava. A perspectiva é que, até o final do ano que vem, o juro americano esteja em 3,4% ao ano (2 pontos abaixo de onde estava ontem). Quando a maior economia do planeta muda a política monetária, a decisão reverbera mundo afora.

No Brasil, a consequência previsível é a entrada de mais dólares em busca de retornos maiores, com possível valorização do real. O movimento alivia o efeito cambial na inflação e permite uma trajetória menos íngreme para os juros por aqui. Em declarações públicas e decisões recentes, Galípolo tem demonstrado ter amplo conhecimento da sua responsabilidade e, até o momento, independência em relação ao Planalto e ao Ministério da Fazenda. Para o bem de sua biografia e, acima de tudo, do poder de compra dos brasileiros, é crucial que mantenha a posição.

Entrada de quem recebe Bolsa Família no mercado formal é notícia positiva

O Globo

Indicador revela caminho para redução na dependência do Estado, mas precisa ser visto com ressalvas

De janeiro a julho, a economia brasileira gerou 1,49 milhão de empregos formais, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. Destes, 56,2%, ou 838 mil, foram ocupados por beneficiários do Bolsa Família. O indicador é boa notícia, pois revela que dependentes do auxílio assistencial do Estado têm dado um passo para a emancipação. Mas também é preciso encará-lo com pelo menos duas ressalvas.

A primeira é entender por que predominam nas vagas formais do mercado de trabalho os beneficiários do Bolsa Família, que deverá custar R$ 167 bilhões em 2025, ou 1,4% do PIB. Uma alteração nas regras do programa permitiu que, mesmo que um ou mais integrantes da família inscrita consigam emprego, ela receba metade do benefício por mais dois anos, desde que a renda total, acrescida do salário, não ultrapasse meio salário mínimo per capita. Essa mudança estimulou a procurar emprego quem antes temia perder o auxílio caso tivesse carteira assinada.

Dos 20,7 milhões de famílias inscritas no Bolsa Família, pouco mais de 13% (2,7 milhões) enquadram-se nessa regra. É provável também que muitos beneficiários prefiram trabalhar como autônomos, ainda temerosos de perder o auxílio. Há 54 milhões de adultos inscritos no cadastro de programas sociais, mais que os 46,8 milhões do mercado de trabalho formal. É importante haver mecanismos de saída do Bolsa Família, para suspender o benefício daqueles que obtiverem emprego e permanecerem empregados. Só assim o programa cumprirá a missão de tirar brasileiros da miséria e integrá-los à sociedade produtiva, sem torná-los dependentes do Estado.

A segunda ressalva diz respeito à qualidade dos empregos. Mais da metade das vagas abertas exige baixa qualificação. Com a taxa de desemprego em 6,9%, a mais baixa em uma década, o mercado de trabalho está mais favorável ao empregado que ao empregador. A oferta menor de empregos qualificados reflete o perfil de uma economia pouco diversificada, principalmente em segmentos avançados da indústria e do setor de serviços. Este é o que mais abre vagas no mercado de trabalho, como nas economias desenvolvidas, mas a maior parte exige baixa qualificação.

A indústria da construção civil, por empregar de engenheiros a pedreiros, expõe os gargalos na formação de profissionais qualificados. A Sondagem da Construção Civil de julho, do Ibre/FGV, constatou que, no mês anterior, 71,2% das empresas do setor relataram dificuldades em encontrar trabalhadores com boa experiência nos 12 meses anteriores, e 39% encontraram muita dificuldade.

De modo geral, apesar de os segmentos do mercado de trabalho que exigem mão de obra com maior preparo não serem amplos, a oferta é insuficiente quando a demanda fica aquecida. Faltam profissionais com formação adequada assim que a economia ensaia decolar, e as vagas geradas para a mão de obra sem especialização estão longe de reduzir de forma substancial o desemprego ou subemprego, que acabam mascarados pelos programas sociais.

Fed faz forte corte de juros e BCB volta ao aperto monetário

Valor Econômico

Corte maior dos juros pelo Fed derrubou o dólar diante do real pelo sexto dia consecutivo e poderá reduzir a amplitude da alta no Brasil que será necessária para reancorar a inflação

O Federal Reserve americano fez o que não é o usual e iniciou o ciclo de redução dos juros com um corte significativo de 0,5 ponto - a primeira vez desde 2020 -, levando a taxa dos fed funds de 5,5% para 5%. O Banco Central do Brasil, duas reuniões após manter a taxa Selic em 10,5%, resolveu elevá-la para 10,75%, deixando em aberto o ritmo do ciclo de alta e sua magnitude. Dos países emergentes relevantes, é o único que volta a apertar sua política monetária.

As principais mudanças no comunicado do Copom, que justificaram a decisão, tomada por unanimidade, foram a “reavaliação do hiato do produto para o campo positivo”, o que significa que cessou de existir ociosidade na economia e que ela agora trabalha acima de seu potencial. Por isso, o balanço de riscos mostrou então “assimetria altista”, em que os fatores de alta para a inflação estão representados pela desancoragem das expectativas por tempo prolongado, maior resistência da inflação de serviços do que a projetada pelo esgotamento da capacidade ociosa e políticas interna e externa que tenham impacto na inflação, como uma taxa de câmbio “persistentemente mais depreciada”.

O Copom seguiu a ideia de um “ajuste gradual” já mencionado pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto. “O cenário, marcado por resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas, demanda uma política monetária mais contracionista”. O BC diz que seus próximos passos dependerão dos dados, mas que serão guiados pelo “firme compromisso de convergência da inflação à meta”. A decisão unânime é um bom sinal do que promete ser uma gestão técnica de Gabriel Galipolo, já indicado por Lula para a presidência do BC.

O corte maior dos juros no início do ciclo de afrouxamento monetário pelo Fed derrubou o dólar diante do real pelo sexto dia consecutivo e poderá reduzir a amplitude da alta de juros no Brasil que será necessária para reancorar a inflação. Nas estimativas dos membros do Fed, haverá mais meio ponto de corte até o fim do ano, após duas reuniões. Apesar disso, o Fed sinalizou que seu rumo não está pré-definido e que as decisões futuras serão tomadas em função dos dados da economia.

Um corte da magnitude escolhida, em outros tempos, significaria que o Fed estaria tão ou mais preocupado que os investidores sobre a saúde da economia. Em entrevista, Jerome Powell, presidente do Fed, argumentou tentando convencer do contrário: a diminuição dessa magnitude visa a manter o estado da economia tão saudável quanto é agora.

Causou estranheza que, para a decisão ousada do Fed, não tenha havido modificação na avaliação do estado da economia. Ela continua se expandindo em “ritmo sólido”, o mercado de trabalho arrefeceu e o desemprego subiu, mas “permanece baixo”. A inflação deu mais um passo em direção à meta de 2%, embora continue “um pouco elevada”. Essa avaliação foi basicamente a mesma do comunicado da reunião de 31 de julho, na qual o Fed decidiu manter inalterada a taxa. A manutenção dessa perspectiva, depois da ligeira melhoria na inflação ocorrida durante os dois encontros, justificaria corte menor, como é praxe do Fed. Reduções de 0,5 ponto ocorreram durante a covid-19, em situações em que a economia corria riscos graves.

A explicação implícita dada por Powell foi a de que o mercado de trabalho, ainda que sólido, pode perder ainda mais força, o que justificaria uma dose mais forte de afrouxamento monetário. Ele negou que o Fed esteja atrasado em relação ao desaquecimento da economia a ponto de exigir um ajuste compensatório mais forte hoje. “Não acho que estamos atrás da curva”, disse o presidente do Fed. “Mas você pode tomar a decisão como um sinal de compromisso de que não ficaremos atrás”.

As estatísticas divulgadas antes da reunião do Fed sugeriram que a economia está em boa forma. O consumo em agosto cresceu 0,2%, acima da expectativa dos analistas, que previam redução de 0,1% em relação a junho. O desemprego recuou para 4,2%, depois que em agosto a criação de vagas chegou a 142 mil, cifra modesta mas ainda assim acima das 89 mil criadas em julho. A construção de novas residências deu um salto de 9,6% em relação ao mês anterior.

Nenhum desses dados sugeria urgência no ritmo de redução dos juros. A razão foi o temor com o enfraquecimento do mercado de trabalho que, no gráfico de pontos, em que os membros do Fomc apresentam suas estimativas, indicou aumento de 0,4 ponto percentual para o desemprego, que atingirá 4,4% no fim de 2024, um ponto percentual a mais do que há um ano. A ausência de detalhamento analítico do comportamento da inflação, que costumava ser exaustiva nas entrevistas de Powell, se acentuou. Ele praticamente não tocou no assunto, nem foi perguntado sobre isso.

Pelo que sinalizaram os membros do banco, a taxa de juros americana recuará a 4,5% ao fim de 2024. No ano que vem vai a 3,5% e em 2026, quando a inflação chegará à meta, a 3%. Para o longo prazo, os juros estimados são de 3%. Essas projeções sugerem que, na dúvida, o Fed foi mais assertivo no início do ciclo para ser mais comedido ao longo do tempo.

Avanço de facções reflete excesso de presos

Folha de S. Paulo

PCC e Comando Vermelho atuam em presídios de 25 estados; urge acabar com encarceramento em massa e desmonetizar grupos

Dados do Relatório do Mapa de Orcrim (Organizações Criminosas) de 2024, elaborado pelo Ministério da Justiça, mostram que o poder público brasileiro falha em conter a expansão das facções criminosas.

Só Rio Grande do Sul e Distrito Federal não têm prisões afetadas pela ação das duas maiores facções do país —o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. O grupo paulista atua no sistema carcerário de 24 estados (em 2023, eram 23), e o carioca, em 22 (eram 21).

Entre 2022 a 2024, o órgão federal mapeou 88 facções diferentes nas penitenciárias brasileiras. Foram identificadas 58 em 2022, 70 no ano seguinte e, neste ano, 65.

Por óbvio não se trata de panaceia, mas reduzir o encarceramento massivo no país, em especial por crimes sem violência, é medida imprescindível para corroer o poder dessas organizações. Nos presídios elas têm à disposição mão de obra abundante entre os detentos, muitos deles acusados de delitos menores, para seus quadros.

Enquanto ocupa o sétimo lugar em número total de habitantes, o Brasil abriga a terceira maior população carcerária do mundo, com 832.295 detentos, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023).

O maior propulsor do encarceramento nos últimos anos foi a Lei de Drogas, de 2006. Entre 2005 e 2014, o número de presos por tráfico, condenados ou não, subiu de 14% para 28% do total; entre mulheres, a taxa cresceu oito vezes de 2002 a 2018, para 64%.

Sem critérios objetivos para diferenciar usuários de traficantes, o Judiciário tem posto em prática o punitivismo penal, que, por ora, serviu para alimentar o poder das facções criminosas, sem ganhos correspondentes para a segurança pública.

Só 13% dos processos por tráfico de drogas contam com menção a facção criminosa, conforme pesquisa do Ipea que analisou 41.100 processos dos tribunais de Justiça estaduais com decisão no primeiro semestre de 2019.

Jogar presos sem conexão com o crime organizado em penitenciárias dominadas por esses grupos faz com que um espaço que deveria servir à ressocialização de condenados vire mecanismo reprodutor de violência.

A redução do inchaço do sistema carcerário deve, por certo, ser combinada com outras medidas.

Uma das formas de enfrentar a questão é desmonetizar as organizações. Devem-se atacar, por meio de inteligência investigativa, suas fontes de financiamento, sejam elas claramente ilegais, como roubos e tráfico de drogas, sejam as mascaradas por outros meios —em São Paulo, apura-se ligação do PCC com empresas de ônibus para lavagem de dinheiro.

Não há solução mágica para problemas complexos e multifatoriais. O fato inescapável é que uma política que acaba por transformar prisões em setor de recursos humanos para o crime organizado precisa ser revista, dada sua insensatez e ineficácia.

Ataque indica paz mais distante no Oriente Médio

Folha de S. Paulo

Explosões de pagers do Hezbollah eleva risco de escalada do conflito; Netanyahu não quer limitar campanha militar a Gaza

No filme "Munique", lançado por Steven Spielberg em 2005, inexperientes agentes israelenses se esforçam para instalar bombas em telefones e camas de forma a matar seus alvos, não toda a vizinhança.

Os rivais eram os líderes palestinos envolvidos no planejamento do infame ataque terrorista ocorrido na Olimpíada da cidade que dá nome à película, em 1972. Ao longo dos anos, as técnicas se refinaram, como quando um celular explodiu a cabeça de um notório fabricante de bombas do Hamas em 1996.

Na terça (17), o mundo testemunhou mais um ataque do gênero, com a detonação de talvez 3.000 pagers que haviam sido comprados pelo Hezbollah cinco meses atrás de uma empresa em Taiwan. Um dia depois, foi a vez de walkie-talkies e até painéis solares irem aos ares.

A sofisticação tecnológica dos atos, que mataram dezenas de pessoas e deixaram mais de 3.000 feridas no Líbano, contrasta com a obsolescência dos meios em que as bombas foram plantadas.

Estrelas nos anos 1980 e 1990, os pagers hoje são fósseis vivos na era dos smartphones, podendo receber tão somente simples mensagens de texto.

Isso era um trunfo para o Hezbollah, que os adotou após ter lançadores de mísseis e foguetes alvejados por drones de Israel que seguiam o sinal de GPS de celulares grampeados. A mesma lógica vala para walkie-talkies.

Israel não admitiu a ação, mas é suspeito óbvio. O problema é que a engenhosidade tem custo análogo ao descrito por Spielberg no filme: além de vítimas inocentes, a escalada potencial do conflito.

Após quase um ano da guerra em Gaza, que começou como reação ao ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro de 2023, contam-se mais de 40 mil mortos. Tudo indica que o premiê Binyamin Netanyahu quer mais.

Na mesma terça do ataque, ele incluiu na lista oficial de objetivos atuais o retorno seguro de possíveis 80 mil israelenses que deixaram suas casas no norte do país.

Nesta quarta (18), seu ministro da Defesa falou em uma "nova fase da guerra", com a "gravidade voltada a norte" —no caso, a fronteira israelo-libanesa.

Tanto o Hezbollah quanto seu patrono, o Irã também apoiador do Hamas, têm sido comedidos, exceto em reações pontuais ocorridas em abril e agosto. Todos temem uma guerra ampla.

Poucos discordam de que um enfrentamento mais direto entre o Estado judeu e o Hezbollah é inevitável. Mas o esforço de Netanyahu para agradar a sua base de apoio extremista, visando ficar no poder, amplia os riscos.

Fogo não se apaga com saliva

O Estado de S. Paulo

Preocupado apenas com sua imagem internacional, Lula propõe um ‘pacto nacional’ ante a crise ambiental. Ora, o Brasil não precisa de pacto. Precisa é de liderança e organização

A experiência mostra que, quando não fazem a menor ideia de como resolver um grave problema, as autoridades brasileiras em geral propõem a realização de um “pacto nacional”. Foi o que se viu na reunião convocada pelo presidente Lula da Silva para selar o tal “pacto” entre os Três Poderes em torno das ações de combate aos incêndios em diversos biomas País afora. Malgrado todo o poder de que estão investidos os presentes, desse encontro não se pôde extrair nada remotamente parecido com um plano de ação bem formulado e exequível. O que se ouviu foi uma coletânea de platitudes e ideias em profusão, algumas estapafúrdias, como se apenas saliva bastasse para apagar o fogo.

Diante dos presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF), entre outras autoridades, Lula disse que o País “não estava 100% preparado para enfrentar as queimadas”. E não estava mesmo, como a fumaça que cobre 60% do território nacional e o ar insalubre para a maioria dos brasileiros podem atestar. Porém, é o caso de perguntar por que o País não estava preparado e a quem cabia coordenar essa preparação.

Alertas de risco emitidos pela comunidade científica não faltaram. Este jornal revelou que desde fevereiro, pelo menos, o presidente já tinha sido informado de que ondas de calor somadas à estiagem no segundo semestre poderiam desencadear incêndios florestais Brasil afora – sem falar, claro, nos incêndios criminosos. Mas essas informações, ao que tudo indica, foram olimpicamente ignoradas.

Ficou evidente na reunião que Lula não tem a menor ideia de como resolver o problema e que seu objetivo ali era apenas se eximir de qualquer responsabilidade pelo descontrole do País que ele governa no combate às queimadas. O petista chegou até a insinuar, sem provas, que bolsonaristas estariam por trás de um complô para tocar fogo no País com o objetivo de enfraquecer politicamente seu governo antes da COP-30, a ser realizada em Belém (PA). É, pois, a vaidade de Lula que fala mais alto, porque não fica bem para quem vende ao mundo a ideia de que seria uma espécie de elfo guardião de nossas matas, mares e rios ser um absoluto incompetente para lidar com as queimadas – sobretudo às vésperas da Assembleia Geral da ONU e da cúpula do G-20, no Rio.

Nesse afã de disfarçar o descaso com a desordem climática, todos têm sua cota de participação. Os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, reforçaram a versão segundo a qual o Brasil teria sido tomado por uma horda de piromaníacos que resolveram atear fogo no País de forma coordenada. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, chegou a falar em “terrorismo climático”.

É inegável que os incêndios provocados por ação humana – criminosa ou não – compõem esse quadro de descontrole sobre as queimadas. Mas reforçar a influência dessas ações é conveniente para escamotear incompetências, além de desviar a atenção da política nacional que realmente importa: a adaptação do País às mudanças do clima.

O encontro promovido por Lula serviu, portanto, para evidenciar que, se faltam ações, sobra demagogia. Até o presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, disse que instou os presidentes dos Tribunais de Justiça a priorizarem processos que tratam de matéria ambiental e a agirem “de forma rígida” no combate aos crimes ambientais – inventando uma escala de julgamento que, a rigor, não cabe a ele definir.

Não é preciso inventar coisa alguma. O Brasil já tem instrumentos suficientes para preservar seus biomas e avançar na adaptação às mudanças do clima. E dinheiro não falta: bastaria usar parte dos R$ 194 bilhões em emendas parlamentares ao Orçamento de 2019 até agora. Mas no Congresso ninguém parece genuinamente preocupado, pois os parlamentares deram ínfimos R$ 50 milhões em emendas para ações de combate a incêndios florestais – 0,02% do total desse período. Para essa turma, o governo que se vire com créditos extraordinários e depois lute para equilibrar as contas, porque a prioridade é comprar votos com emendas nos seus redutos eleitorais.

O País, ademais, já é dotado de uma legislação ambiental que é modelo para o mundo. Há conhecimento científico de excelência produzido aqui. Há jurisprudência em favor do combate aos crimes ambientais. O que falta são liderança e ações coordenadas.

O horror da Venezuela que Lula finge não ver

O Estado de S. Paulo

Relatório devastador da ONU comprova que a ditadura no país protagoniza ‘uma das mais agudas crises humanitárias da história recente’, mas nem assim o petista se incomoda

“O governo da Venezuela intensificou dramaticamente os esforços para esmagar toda oposição pacífica ao seu domínio, mergulhando a nação numa das mais agudas crises humanitárias na história recente”, adverte uma Missão Independente da ONU que examinou a situação dos direitos humanos no país entre setembro de 2023 e agosto de 2024. Não são “atos isolados ou aleatórios”, mas parte de “um plano continuado e coordenado para silenciar, desencorajar e esmagar a oposição”.

No período que antecedeu à recente campanha eleitoral presidencial, entre dezembro e março, ao menos 48 pessoas foram detidas por “golpismo”, incluindo militares, ativistas de direitos humanos e jornalistas. Em julho, mês das eleições, foram 120. Na primeira semana após as eleições, foram 2.000, incluindo mais de 100 menores de idade, algumas com deficiências, acusadas de “terrorismo” e “incitação ao ódio”. Pelo menos 25 pessoas foram executadas, a maioria jovens pobres, incluindo duas crianças.

“Todas as detenções ocorrem sem mandato, não se identifica a força que detém as pessoas, não se diz aonde são levadas”, e elas “tampouco podem designar advogados”, diz o relatório. Muitas foram submetidas a estupro e torturas com choques elétricos, espancamentos ou sufocamento com sacos plásticos.

Os investigadores denunciam um “marco na deterioração do Estado de Direito”. As autoridades públicas “abandonaram toda a aparência de independência”. O Conselho Nacional Eleitoral violou a Constituição ao não publicar as atas das eleições, limitando-se a confirmar a “vitória” do ditador Nicolás Maduro. O Ministério Público expede ordens de prisão em massa com base tão somente em vídeos em redes sociais e acusações vagas de “terrorismo”. O Judiciário valida esses métodos e forja mecanismos de criminalização da oposição. O Legislativo está fabricando uma legislação “antifascista” que permitirá ao governo prender quem quiser.

Embora o rolo compressor sobre os direitos humanos dos venezuelanos “tenha atingido níveis sem precedentes”, o dossiê deixa claro que essa é apenas uma “continuação de padrões anteriores” exaustivamente documentados.

Nada disso, portanto, era novidade quando, em maio de 2023, o presidente Lula da Silva estendeu um tapete vermelho a Nicolás Maduro, denunciando que o regime chavista é “vítima de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo” e convidando seu companheiro a construir uma narrativa “infinitamente melhor”, que obrigaria “os nossos adversários” a “ter de pedir desculpas pelo estrago que fizeram”. A alusão era às sanções – aplicadas não só pelos EUA, mas por União Europeia, Canadá e até o México –, que, na lógica de Lula, são culpadas por todos os males da Venezuela. Mesmo quando Lula, em lapsos de improviso, confessa que o regime é “desagradável”, nunca se esquece de falar grosso contra “os nossos adversários”.

Deve ter sido um alívio para seu chanceler de facto, Celso Amorim, quando Edmundo González, que todas as evidências apontam ter sido eleito presidente da Venezuela com mais de dois terços dos votos, recebeu asilo da Espanha. À época em que foi expedida sua ordem de prisão por “crimes de guerra”, Amorim chegou a dizer que “não aceitamos presos políticos”. Agora ele pode voltar a encenar a farsa e ignorar os milhares de presos nos calabouços chavistas. Com esse cinismo repugnante, o Brasil se negou na semana passada, junto com China, Rússia e companhia bela, a assinar uma resolução da ONU pedindo a “restauração das normas democráticas na Venezuela”.

Lula usou e abusou da justa fama de Jair Bolsonaro de “pária” internacional, especialmente em relação ao meio ambiente. Mas nunca se viu nada parecido com sua complacência com as ditaduras esquerdistas. O próximo capítulo dessa espiral de degradação da diplomacia brasileira acontecerá logo mais em Nova York, às margens da Assembleia Geral da ONU, quando Lula pretende ser o mestre de cerimônias de uma cúpula intitulada Em defesa da democracia: lutando contra o extremismo. O mundo testemunhará o chefe de Estado brasileiro lutando contra as evidências produzidas pela própria ONU para fingir que “extremismo” só existe na direita, ao mesmo tempo que condescende com as tiranias mais sangrentas da América Latina.

Falta de vacinas é inadmissível

O Estado de S. Paulo

Pandemia de covid não ensinou ao País que disponibilidade de imunizantes é fundamental

Não bastaram os milhares de mortes evitáveis durante a pandemia de covid-19 por falta de agilidade na aquisição de vacinas. Não basta que a cobertura vacinal para diversas enfermidades esteja abaixo das metas. O Ministério da Saúde, que dispõe de imenso orçamento e verbas obrigatórias, aparentemente segue negligenciando a compra de imunizantes, colocando em risco a saúde de milhares de brasileiros, em especial os dos grupos mais vulneráveis.

Pesquisa da Confederação Nacional de Municípios (CNM) revelou que faltam vacinas em 64,7% deles e, pior, principalmente para as crianças, justamente um grupo vulnerável. No topo da lista dos imunizantes que mais faltam está a vacina contra a varicela, utilizada no reforço contra a catapora em crianças de 4 anos. Logo em seguida estão os imunizantes contra a covid-19 e a vacina meningocócica C.

A falta de vacinas é inadmissível. No governo Bolsonaro, cuja gestão temerária da pandemia está intimamente relacionada com a falta de interesse e de celeridade na aquisição das vacinas, que teriam evitado a morte de milhares de brasileiros, era até compreensível que houvesse problemas. Agora, quando o Ministério da Saúde foi entregue a uma cientista social, que presidiu a prestigiosa Fundação Oswaldo Cruz, o drama se repete. Donde se pode concluir que a questão é menos de ideologia e de negacionismo e mais de competência.

A referida ministra, Nísia Trindade, a quem o presidente Lula da Silva já recomendou que falasse “grosso na questão da saúde”, está há quase dois anos no cargo e sofre pressão do Centrão, que cobiça o Ministério da Saúde, precioso tanto por seu cofre como por sua capilaridade. Falar grosso ou manso, contudo, não arrefecerá os interesses pouco republicanos de políticos sem compromisso com a saúde, mas comprar vacinas e aplicá-las garantirá o bem-estar da população. E é isso o que deveria importar.

Não basta levar o Zé Gotinha para o desfile de 7 de Setembro em Brasília. É preciso informar constantemente a população sobre a importância de vacinar, ainda mais diante da adesão de uma parcela não desprezível de brasileiros à ideia nefasta de que vacinas são ruins e que ninguém deveria ser obrigado a tomá-las. A cobertura vacinal contra covid-19 em crianças, por exemplo, é baixíssima.

A pesquisa da CNM, que consultou mais de 2.415 municípios, oferece um bom guia de onde faltam vacinas, bem como quais. Bem agiria o Ministério da Saúde se se valesse de tais dados, caso já não os tenha, para assegurar que nenhuma vacina falte em nenhum município do País, ampliar a cobertura vacinal e, de quebra, combater o movimento antivacina.

Vacinas salvam vidas e teriam impedido milhares de mortes na pandemia, não fosse o negacionismo endêmico do governo da época. Que a atual gestão não se diferencie substancialmente da anterior no que diz respeito à compra de imunizantes e às campanhas de vacinação é simplesmente inadmissível.

Brasil sofre com inércia climática

Correio Braziliense

Mais de 60% do país está sob risco de queimadas. Trata-se, sem dúvidas, de um momento crítico, mas não imprevisível

O Brasil não está 100% preparado para lidar com eventos extremos, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante reunião, na terça-feira, com ministros e representantes do Legislativo e Judiciário. O encontro com integrantes dos Três Poderes se deu justamente porque 60% do país está sob risco de queimadas, admite também o Executivo federal. Trata-se, sem dúvidas, de um momento crítico, mas não imprevisível. Por isso, esperam-se de gestores públicos respostas que não se limitem ao campo da desprevenção ou do sobressalto.

Não é de agora que "a natureza resolveu mostrar suas garras", como avalia Lula. Dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) mostram que, de 1985 e 2023, 88 milhões de hectares do Cerrado foram devastados por incêndios, o equivalente a 43% de toda a extensão do bioma. A Amazônia, por sua vez, registrou em 2023 o segundo pior ano de queimadas dos últimos 25 anos, perdendo apenas para 2022: 20 mil queimadas contra 21 mil, indica levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Cerrado e Amazônia sofreram 91% das queimadas que ocorreram no Brasil em 2023, segundo o Ipam, e ardem novamente em chamas neste ano.

Para além das queimadas, estudo da Confederação Nacional de Municípios (CNM) revela que, nos últimos 10 anos, 93% dos municípios brasileiros foram atingidos por algum desastre climático — principalmente tempestades, inundações, enxurradas e alagamentos. A tragédia climática que assolou o Rio Grande do Sul a partir de abril, portanto, também não pode ser creditada apenas ao inesperado. No auge da crise gaúcha,  falou-se muito sobre a importância de fortalecer a Defesa Civil e ter um estruturado plano de enfrentamento às mudanças do clima. As mesmas soluções são ventiladas agora, como reação ao fogo que se espalha sem controle pelo país.

A crise entre os Poderes e a polarização política também se repetem, reforçando a expectativa de que se aproxima o desfecho usual: a adoção desenfreada de medidas emergenciais — por vezes, desencontradas —, sem uma política de continuidade que considere a  diversidade de ações que um problema complexo e cada vez mais presente na agenda global exige.

Relatório do Climate Central divulgado ontem mostra que, de junho a agosto deste ano, 25% da população global, cerca de 2 bilhões de pessoas, experimentou 30 ou mais dias de calor arriscado. No mesmo período, 72 países registraram recordes de temperatura. Não à toa, as Nações Unidas consideram que a crise ambiental provocada pela ação humana abriu "as portas do inferno", com a possibilidade de aumento de 250 mil mortes por ano devido às mudanças climáticas. 

No Brasil, de 2000 a 2020, ao menos 50 mil pessoas morreram em regiões metropolitanas devido a complicações ligadas às ondas de calor. A estimativa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é mais uma evidência de que impera no país uma inércia sobre questões ligadas ao meio ambiente. Vale lembrar que, em 1992, o Brasil se colocou na vanguarda da pauta ambiental ao sediar, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO-92, as discussões das premissas do desenvolvimento sustentável. Passados 32 anos, porém, seguimos apenas apagando fogo.


 



 

 

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