Correio Braziliense
O atual mercado de trabalho não valoriza
pessoas abaixo de 25 anos. Existe uma crença no Brasil de que jovens até essa
faixa etária não têm experiência suficiente para tomar decisões no ambiente de
trabalho
A situação dos jovens da chamada geração
nem-nem no Brasil — aqueles que nem estudam, nem trabalham — é um retrato claro
de uma série de fatores negativos que se entrelaçam e criam um ciclo de
exclusão e desesperança. Os recentes dados do relatório Education at a Glance
da OCDE apontam que 1 em cada 4 jovens brasileiros está nessa condição. Para
além da estatística, essa realidade resulta de alguns fatores pautados por um
sistema educacional falido e uma sociedade profundamente desigual.
Começamos pela qualidade do ensino médio que é, sem dúvida, um dos mais problemáticos entraves do nosso sistema educacional. Reformas sequenciais e mal planejadas para esta etapa do ensino só fizeram aumentar a insegurança de alunos e famílias, contribuindo para o descrédito de que esses três anos escolares conseguem garantir um futuro promissor.
Não é por acaso que o ensino médio é o
período que apresenta a maior taxa de evasão escolar. Nessa faixa etária, um
espaço de formação e desenvolvimento seria fundamental para acolher os jovens.
Mas o que resta a eles é um ambiente sem atrativos, que facilita sua saída
precoce do sistema educacional e a entrada rápida para o mercado informal ou,
muitas vezes, para a prática de atividades ilícitas.
Aqui, entra o segundo grande fator: a
desigualdade social. O Brasil é o sétimo país mais desigual do mundo e, ao
mesmo tempo, está entre as oito maiores economias globais. Esse paradoxo
resulta em um cenário de total desesperança. Sem oportunidades reais de
desenvolvimento, o que levaria os jovens a buscar uma formação adicional ou
almejar uma profissão com dignidade? Que estímulo terá uma pessoa de 18 a 24
anos quando, ao olhar ao redor, vê alguns poucos colegas que conseguiram
terminar a faculdade, mas ganham a vida com um subemprego? Em contextos de
maior vulnerabilidade, tal situação pode levá-los para o tráfico de drogas e
outras formas de criminalidade — algo que não aparece de maneira clara nas
estatísticas.
Outro fator para explicar a geração nem-nem é
o crescimento alarmante das famílias monoparentais no Brasil. Hoje, cerca de
25% das famílias são compostas por apenas um dos pais, sendo que, em 90% dos
casos, essa pessoa é a mulher, incumbida da responsabilidade de criar os filhos
e sustentar a casa. Para dar conta desse desafio, as mulheres enfrentam
jornadas triplas: trabalham fora, cuidam dos filhos e ainda precisam manter a
casa em ordem. Para aliviar parte dessa sobrecarga, muitos jovens dessas famílias
assumem responsabilidades precoces, como cuidar dos irmãos mais novos ou mesmo
contribuir financeiramente de maneira informal. Assim, perpetua-se o ciclo de
exclusão e falta de perspectivas.
Há, por fim, um quarto fator nessa história
para agravar o problema: o atual mercado de trabalho não valoriza pessoas
abaixo de 25 anos. Existe uma crença no Brasil de que jovens até essa faixa
etária não têm experiência suficiente para tomar decisões no ambiente de
trabalho, criando uma barreira de entrada para a maioria das contratações. É o
mesmo estigma que recai sobre quem tem mais de 55 anos: são perfis que ficam à
margem do sistema.
Quando as condições assim se combinam,
forma-se uma espécie de armadilha para a juventude no nosso país. Para evitar
que nossos jovens se prendam a esse conhecido destino, não há soluções simples,
o que não significa que há tempo para consertar essa tempestade perfeita da
educação brasileira. Não, não há tempo.
Nossos jovens têm urgência de reformas
estruturais no sistema educacional para que se sintam motivados a estudar para
o futuro. O mercado de trabalho, por sua vez, deveria repensar suas exigências,
oferecendo oportunidades de entrada para quem está começando a carreira. Cabe
ainda ao estado investir em políticas públicas que combatam as desigualdades de
maneira transversal e não focalizada, criando um cenário possível de um futuro
digno.
No fundo, a geração "nem-nem" não
estuda e não trabalha por simples opção ou preguiça. São apenas a ponta inicial
de um sistema que perpetua um ciclo de exclusão comum a toda sociedade. Esses
jovens não têm nem uma educação de qualidade, nem suporte familiar adequado,
nem perspectiva de crescimento, nem mercado de trabalho inclusivo. Sem
alternativas, resta-lhes o quê?
*Cientista político e presidente do Instituto Cultiva
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