domingo, 8 de dezembro de 2024

A Marinha está fora do ar - Bernardo Mello Franco

O Globo

A Marinha divulgou um vídeo em busca de apoio contra o ajuste fiscal. A repercussão foi desastrosa. A reação às criticas, pior ainda

A Marinha apostou nas redes sociais para tentar ganhar apoio contra o ajuste fiscal. Produziu um vídeo desastroso, que ofendeu os contribuintes e degradou a imagem da Força.

A peça foi divulgada a pretexto de homenagear o Dia do Marinheiro. Em ritmo de filme de ação, militares simulam escapar de um naufrágio, saltam de paraquedas e rastejam na areia, como se estivessem desembarcando na Normandia.

O vídeo alterna imagens de esforço e sacrifício com cenas de civis em momento de lazer. Enquanto marinheiros quebram a cabeça numa prova, paisanos dão risada e erguem um brinde. Enquanto um militar dispara um tiro em alto-mar, um civil joga videogame no sofá.

É compreensível que a Marinha queira pintar sua rotina com tintas heroicas. O problema é sugerir que os outros brasileiros vivam na farra. No fim do filmete, uma marinheira provoca: “Privilégios? Vem para a Marinha”. Se a ideia era acertar o pacote de corte de gastos, o tiro saiu pela culatra.

As reações nas redes se dividiram entre a indignação e o deboche. Houve quem lembrasse a Batalha das Toninhas, em 1918, quando um cruzador brasileiro confundiu uma família de botos com um submarino alemão. A tripulação pensou que atingiria o Reich, mas só produziu um desastre ecológico.

Não era preciso ir tão longe em busca de episódios vexatórios. Em 2021, a Marinha promoveu um desfile de blindados no dia em que o Congresso votava a emenda do voto impresso, uma obsessão de Jair Bolsonaro para minar a confiança no sistema eleitoral. O objetivo era intimidar os parlamentares, mas o cortejo virou alvo de galhofa pela quantidade de fumaça que os veículos despejaram no céu de Brasília. Nunca se queimou tanto óleo por uma razão tão infame.

O desfile foi dirigido pelo almirante Almir Garnier, um bolsonarista fervoroso. Segundo investigações da Polícia Federal, ele foi o único dos três comandantes militares a oferecer tropas para a tentativa de golpe. Mais tarde, protagonizou outro papelão ao se recusar a participar da cerimônia de troca de comando da Força.

Diante da má repercussão do vídeo, a Marinha afirmou que não teve a intenção de criticar o ajuste fiscal. Seria melhor assumir a mancada e pedir desculpas a quem rala para sustentar praças e oficiais.

O pacote anunciado pelo governo penaliza os pobres ao achatar o reajuste do salário mínimo e dificultar o acesso a programas sociais. Para os militares, está prevista uma contribuição mais modesta. A principal mudança é a idade mínima de 55 anos para se aposentar — o que ainda permitirá que um oficial trabalhe dez anos a menos que um civil.

O ajuste não mexe em outras regalias, como o pagamento de supersalários a adidos navais no exterior. Só em agosto, segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, 41 oficiais receberam mais de R$ 100 mil, somando salários líquidos e verbas indenizatórias.

Se quiser melhorar sua imagem, a Marinha pode encontrar formas mais úteis de usar o dinheiro público. Nos últimos dias, quem entrou no site do 1º Distrito Naval encontrou um aviso de que o telefone 185, para emergências marítimas e fluviais, estava fora do ar.

 

3 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Há muito tempo nas águas da Guanabara,o dragão do mar reapareceu... João Bosco e Aldir Blanc.

Anônimo disse...

Todo milico sempre se acha um membro da corte e o civil a patuleia,
essa gentinha que consome brioches.

Daniel disse...

O ex-ministro apoiava o golpe de Bolsonaro... O que esperar dum setor comandado por tanto tempo por um GOLPISTA?