sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Muitas guerras e pouca tática, por Vera Magalhães

O Globo

Presidente mistura temas com potencial de ganho de imagem e votos, como IR e COP, com outros propícios a desgaste, como segurança e geopolítica continental

Montar uma aliança pela paz, puxando a crise da segurança para a antessala da Presidência da República; convencer, na base do gogó, países ricos a tirar o escorpião do bolso e financiar um fundo para a preservação de florestas; chamar o Banco Central para uma DR e convencê-lo a começar a baixar os juros e, em meio a tudo isso, pegar um voo até Santa Marta para prestar solidariedade à Colômbia e à Venezuela diante da escalada de intervencionismo militar dos Estados Unidos na América do Sul.

A lista de tarefas assumidas por Lula ou que aliados (sic) querem empurrar para ele é maior que a dos trabalhos de Hércules na mitologia grega. Tirando a necessária e auspiciosa liderança na agenda climática, o resto do roteiro inclui uma série de ciladas evidentes e é impossível de cumprir com êxito sem efeitos colaterais para o Brasil e políticos para o petista.

Mais: ao abraçar uma gama tão ambiciosa de contenciosos, Lula desvia a rota das iniciativas que também estavam em curso e podem render dividendos concretos justamente nos fronts eleitoral, geopolítico e econômico. A dispersão de foco é tão grande que ele nem sequer comemorou direito a vitória, de novo por unanimidade, de sua menina dos olhos para a campanha à reeleição, a reforma do Imposto de Renda da Pessoa Física, que isentará do pagamento do imposto mais de 15 milhões de contribuintes-eleitores.

Tanto a agenda na Colômbia quanto esse canto da sereia do PT para que Lula encampe o tema da segurança podem afetar o diálogo com o governo dos Estados Unidos para remoção ou relaxamento parcial do tarifaço e das sanções contra autoridades brasileiras pela Lei Magnitsky. O pragmatismo ditaria ao governo agir de forma fria e estratégica até obter alguma vitória efetiva nessa tratativa, que praticamente foi engolfada pela repercussão da megaoperação no Rio de Janeiro.

A ideia de que Lula lance uma aliança pela paz esbarra na realidade, constatada por um integrante do próprio governo, de que faltam aliados e a paz está longe de ser atingida. Ele pode pregar no deserto e acabar acentuando seu isolamento e a rejeição da maioria da população à ação federal na segurança pública, já consignada em várias pesquisas, inclusive algumas encomendadas pelo próprio Planalto.

Muito mais estratégico seria manter o tema circunscrito ao Congresso e ao Ministério da Justiça e intensificar as ações da Polícia Federal nas áreas de inteligência e colaboração com estados em ações de estrangulamento financeiro, o que funciona como contraponto às operações mais ostensivas e letais como a do Rio de Janeiro, sem levar o debate para a seara ideológica, onde a esquerda está perdendo de lavada.

O que é vital para a perspectiva do governo federal é evitar que passe no Legislativo a ideia de equiparar facções a grupos terroristas, que sofre sérias restrições de setores como Ministério Público e polícia. Isso requer articulação na Câmara e no Senado, e não slogans vazios e voluntarismo estéril.

Capa do audio - Vera Magalhães - Viva Voz

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Outra jogada de risco é a participação brasileira na Celac. É compreensível que o Brasil não queira abrir mão do protagonismo na política do continente. Também é indefensável o intervencionismo ensaiado por Trump. Mas não há ganho visível em Lula deixar Belém, onde tem encaminhado de forma correta a agenda climática, reivindicando para o Brasil sua liderança, para ir a Santa Marta e correr o risco de, com falas ou documentos, jogar por terra a negociação do tarifaço.

Sim, a postura brasileira em relação aos Estados Unidos tem de ser altiva e soberana, mas isso não deve se confundir com colocar a perder meses de costura de bastidores e esforços diplomáticos por improviso e frases infelizes. E o acúmulo de frentes de batalha multiplica o risco de ele incorrer nesses vícios, nos quais é pródigo.

 

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