sexta-feira, 7 de novembro de 2025

O jabuti judicial, por Raphael Di Cunto

Folha de S. Paulo

Ministros do STF aproveitam processos sobre outros temas para julgarem em causa própria

TCU rejeitou investigar Banco Central por omissão no Banco Master, mas reabre processo para apurar se houve irregularidade na rejeição da compra pelo BRB

criação de jabutis se tornou um negócio tão rentável em Brasília que se disseminou até para decisões judiciais, talvez inspiradas nas experiências pregressas de ministros ou nos convescotes com parlamentares.

O simpático réptil é sinônimo na capital do país para assuntos estranhos, incluídos por congressistas em medidas provisórias para acelerar matérias de interesse próprio ou de empresários, mesmo que não tivessem relação com aquela proposta.

O ministro Flávio Dino achou conveniente usar um processo sobre indenizações a vítimas da tragédia de Mariana (MG) para blindar Alexandre de Moraes –e, quem sabe, ele próprio– de sanções dos Estados Unidos, ao determinar que leis ou decisões judiciais de outros países não terão eficácia no Brasil se não forem validadas pela Justiça brasileira. Só não esclareceu o que os bancos farão quando punidos.

Jonathan de Jesus, ministro do TCU, foi além. O ex-deputado orientou os colegas a rejeitarem que o Banco Central fosse investigado por omissão ao não impedir as "operações temerárias" do Banco Master.

O banco de Daniel Vorcaro, com extensas conexões políticas, ganhou bilhões com CDBs de rendimentos absurdos, escorado na promessa de que serão pagos pelo FGC caso ele dê calote. A conta, quase R$ 60 bilhões, ficará para todos os brasileiros, com aumento do custo de crédito. Mas, para o TCU, não havia indícios suficientes de irregularidades que demandassem investigação.

processo foi reaberto, no entanto, quando o governo do Distrito Federal "denunciou" o BC por "demorar" a decidir sobre a compra do Master pelo BRB —mais um passo da pressão política para socializar o prejuízo, junto com projeto do centrão na Câmara para demitir o presidente do BC.

A negativa do Banco Central saiu no dia seguinte, pelo risco de o BRB quebrar junto. A área técnica do TCU, então, sugeriu inspecionar o BC para saber se a rejeição foi adequada. E o processo segue ali, aberto, para intimidar quem tomou a decisão.

Há até quem direcione quem vai cuidar do jabuti. O deputado Paulinho da Força, relator do PL da anistia e amicíssimo dos ministros do STF, propôs uma ação para dificultar o impeachment deles. Questionou ao próprio tribunal se o quórum que consta na lei não deveria ser maior e sugeriu que só o procurador-geral da República possa pedir o afastamento ao Senado.

Já não fosse estranho o pedido, o dirigiu a Gilmar Mendes de forma descarada, ao protocola-lo em um processo que não guardava nenhuma relação com esse tema. A ação original tratava de quem pode ser preso no segundo turno das eleições. A coincidência, aí, era só o nome do ministro que ele queria como relator.

Fez jus ao ditado: jabuti é um animal rasteiro, não sobe em árvore. Se chegou ali, é porque alguém o colocou.

 

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