DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Nestes tristes trópicos, até a reforma enfrenta obstáculos que, algumas vezes, são intransponíveis
Era uma vez o tempo em que Ernesto Che Guevara se propunha a criar "um, dois, três Vietnãs" na América Latina. Hoje nem os poucos revolucionários remanescentes citam o Vietnã como modelo. Não passa de uma ditadura de partido único, nominalmente comunista, que pratica o capitalismo.
Essa mudança na ecologia política acabou matando uma velha discussão na esquerda, entre reforma e revolução. Se a revolução saiu do mapa, ganhou a reforma, certo?
Errado, pelo menos na América Latina: nestes tristes trópicos, até a reforma enfrenta obstáculos eventualmente intransponíveis.
A crise equatoriana é apenas o exemplo mais recente.
O presidente Rafael Correa ganhou duas eleições presidenciais e obteve ainda a aprovação popular de uma nova Constituição pregando o "socialismo del buen vivir" ou a "revolução cidadã".
O programa da Aliança País, a coligação que apoia Correa, "se propõe a lutar pela democracia, pela igualdade, a soberania, a solidariedade, a justiça social, a diversidade, para eliminar a opressão, a dominação, a desigualdade, a injustiça e a miséria, com o objetivo de construir o Socialismo do Bem Viver".
Aposto que você já está se levantando do sofá para assinar a ficha de filiação, certo?
Embora fale em socialismo, o programa não prega abolir a empresa privada, mas defende fazê-la conviver com formas alternativas de propriedade, como, entre outras, a pública (em setores estratégicos), a mista e a familiar.
Nenhum dos outros regimes ditos socialistas da região (Bolívia e Venezuela) aboliu a iniciativa privada ou anuncia a sua abolição. E, convenhamos, socialismo com propriedade privada não é socialismo.
Mesmo assim, empaca.
Primeiro, porque os setores conservadores leem apenas a palavra que consideram maldita, "socialismo", e ficam contra.
Uns de boa fé, porque acreditam que socialismo e ruína são parentes muito próximos. Outros de má fé, porque querem preservar os privilégios que fazem da América Latina a região mais desigual do planeta.
No Equador, a "Revolução Cidadã" é atacada também pela esquerda. Uns porque acham que a construção do socialismo está sendo lenta demais (o que é inevitável sempre que se tenta fazê-lo respeitando as regras democráticas). Outros porque, como disse Correa ao ser libertado, recorrem a "fundamentalismos e infantilismos absurdos, que causam grande dano às mudanças que necessita nossa região".
Alude ao fato de que até parlamentares da coligação governista têm votado contra proposições do governo -não por acaso, Correa disse sentir-se traído, enquanto estava sequestrado.
Contrariar interesses -e os da polícia é só um deles- encontra sempre resistência, mas qualquer processo de mudança exige que interesses sejam contrariados.
É um dilema que, na América Latina, só é contornado quando dá para atender ao mesmo tempo os pobres, com esquemas como o Bolsa Família, e os ricos.
No ano passado, no Brasil, os detentores de títulos da dívida pública receberam 23 vezes mais dinheiro público que as 12,6 milhões de famílias pobres.
Não é exatamente socialismo, mas é uma maneira de "buen vivir", a única que sobrevive.
Nestes tristes trópicos, até a reforma enfrenta obstáculos que, algumas vezes, são intransponíveis
Era uma vez o tempo em que Ernesto Che Guevara se propunha a criar "um, dois, três Vietnãs" na América Latina. Hoje nem os poucos revolucionários remanescentes citam o Vietnã como modelo. Não passa de uma ditadura de partido único, nominalmente comunista, que pratica o capitalismo.
Essa mudança na ecologia política acabou matando uma velha discussão na esquerda, entre reforma e revolução. Se a revolução saiu do mapa, ganhou a reforma, certo?
Errado, pelo menos na América Latina: nestes tristes trópicos, até a reforma enfrenta obstáculos eventualmente intransponíveis.
A crise equatoriana é apenas o exemplo mais recente.
O presidente Rafael Correa ganhou duas eleições presidenciais e obteve ainda a aprovação popular de uma nova Constituição pregando o "socialismo del buen vivir" ou a "revolução cidadã".
O programa da Aliança País, a coligação que apoia Correa, "se propõe a lutar pela democracia, pela igualdade, a soberania, a solidariedade, a justiça social, a diversidade, para eliminar a opressão, a dominação, a desigualdade, a injustiça e a miséria, com o objetivo de construir o Socialismo do Bem Viver".
Aposto que você já está se levantando do sofá para assinar a ficha de filiação, certo?
Embora fale em socialismo, o programa não prega abolir a empresa privada, mas defende fazê-la conviver com formas alternativas de propriedade, como, entre outras, a pública (em setores estratégicos), a mista e a familiar.
Nenhum dos outros regimes ditos socialistas da região (Bolívia e Venezuela) aboliu a iniciativa privada ou anuncia a sua abolição. E, convenhamos, socialismo com propriedade privada não é socialismo.
Mesmo assim, empaca.
Primeiro, porque os setores conservadores leem apenas a palavra que consideram maldita, "socialismo", e ficam contra.
Uns de boa fé, porque acreditam que socialismo e ruína são parentes muito próximos. Outros de má fé, porque querem preservar os privilégios que fazem da América Latina a região mais desigual do planeta.
No Equador, a "Revolução Cidadã" é atacada também pela esquerda. Uns porque acham que a construção do socialismo está sendo lenta demais (o que é inevitável sempre que se tenta fazê-lo respeitando as regras democráticas). Outros porque, como disse Correa ao ser libertado, recorrem a "fundamentalismos e infantilismos absurdos, que causam grande dano às mudanças que necessita nossa região".
Alude ao fato de que até parlamentares da coligação governista têm votado contra proposições do governo -não por acaso, Correa disse sentir-se traído, enquanto estava sequestrado.
Contrariar interesses -e os da polícia é só um deles- encontra sempre resistência, mas qualquer processo de mudança exige que interesses sejam contrariados.
É um dilema que, na América Latina, só é contornado quando dá para atender ao mesmo tempo os pobres, com esquemas como o Bolsa Família, e os ricos.
No ano passado, no Brasil, os detentores de títulos da dívida pública receberam 23 vezes mais dinheiro público que as 12,6 milhões de famílias pobres.
Não é exatamente socialismo, mas é uma maneira de "buen vivir", a única que sobrevive.
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