sábado, 11 de dezembro de 2010

Critérios dúbios:: Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Na segunda-feira passada, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, se queixou de que as agências de classificação de risco atribuem nota pior para o Brasil do que para países ameaçados de moratória da União Europeia.

Apenas para quem não está familiarizado com essas coisas do mercado financeiro global, agências de classificação de risco são instituições que avaliam o grau de confiança que se pode ter em que um devedor honre seus títulos de dívida de acordo com os termos contratuais. Essas agências avaliam as condições patrimoniais, fiscais e financeiras do devedor e, em seguida, classificam a qualidade que aferem do título de acordo com uma escala alfanumérica. Os títulos que mais inspiram confiança são os bônus do Tesouro dos Estados Unidos. São a referência (benchmark). Depois vêm os outros. Na rabeira estão títulos de países africanos e da América Central.

A tabela acima mostra que as três mais importantes agências de classificação de risco – Moody’s, Standard & Poors e Fitch – cometem o erro denunciado por Meirelles.

Os prejuízos para o Brasil são grandes. As avaliações sobre a qualidade da dívida brasileira embutem um risco de calote maior do que o desses países fortemente ameaçados de inadimplência. E, se o risco de um título brasileiro é maior, a remuneração cobrada pelos credores também é mais alta. A classificação de risco define, portanto, o custo do endividamento e o Brasil acaba tendo de pagar juros mais altos do que os Pigs (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha).

Problema antigo. As inconsistências de análise das agências não são de ontem. Até mesmo antes da crise vinham expondo notórias lambanças na sua função institucional de avaliação de risco e, durante a turbulência global, o que ficou exposto seria suficiente para desmoralizá-las. Quando faliu, a Enron exibia avaliações das agências de risco como se fosse uma empresa de primeira linha. A mesma coisa aconteceu com o Lehman Brothers pouco antes de afundar. Depois se viu que as agências participavam diretamente de um esquema perverso. Repassaram atestados de excelência a pacotes de bônus que foram vendidos aos magotes a investidores de todo mundo. Alguns meses depois se viu que não passavam de “lixo tóxico” ou, simplesmente, de “títulos podres”, cujo valor presente ninguém conseguia aferir.

Em certo sentido, essas agências fazem um trabalho tão especializado quanto o das empresas de auditoria, que também têm passado atestados de saúde a tantas empresas em estado pré-falimentar. São tantos os problemas que é difícil deixar de perguntar se se trata apenas de incompetência no desempenho de sua função ou se não tem havido mancomunação com a fraude.

Um problema de natureza ética, comum aos dois setores, até agora não foi resolvido. Quem paga pelos serviços de classificação de risco ou de auditoria são os mais diretamente interessados na apresentação de bons atestados. É a situação típica de promiscuidade de interesses da qual resultados como os mencionados podem não acontecer sempre, mas são esperados.

Esses campos não são como os da caça, em que se pode abrir mão da ajuda de cães. Alguém sempre terá de executar os serviços tanto de avaliação de risco quanto os de auditoria. O problema é que essas falhas colossais de responsabilidade não estão sendo devidamente punidas.

O Brasil ostenta grau de investimento desde 2008 e, por isso, consegue tratamento melhor para sua dívida. Mas não se pode ignorar um efeito colateral importante. Quanto melhor for a classificação dos títulos brasileiros tanto mais o Brasil estará atraindo capitais. E quanto mais capitais desembarcarem por aqui, maior a tendência à valorização do real (baixa da cotação do dólar).

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