É um enigma: os empresários brasileiros dizem que falta trabalhador no mercado, o IBGE mostra que o desemprego é baixo, mas o Brasil tem 18 milhões de pessoas sem carteira assinada e mais 15 milhões de trabalhadores por contra própria, uma parte deles por falta de opção. Se o mercado está favorável, o trabalhador deveria ter poder de barganha para exigir a formalização.
Uma das barreiras, sem dúvida, é uma legislação do trabalho que é detalhista, cara para o empregador, que cria um cipoal de normas, regras, burocracia às quais as empresas pequenas não conseguem seguir, até por falta de entendimento. Se a Consolidação das Leis do Trabalho fosse capaz de criar um mundo de proteção e incentivo à produtividade chegaria aos 70 anos tendo resolvido a informalidade.
O que intriga é que, se falta gente para trabalhar, o mercado é favorável ao trabalhador. E se é isso, ele teria mais poder de barganha para exigir a eliminação da desigualdade de se ter uns com direitos e outros sem.
Os 18 milhões sem carteira e os 15 milhões por conta própria que não estejam contribuindo para a Previdência criam um problema fiscal, porque a partir de determinada idade serão cobertos pela aposentadoria ou por benefícios previdenciários independentemente de terem contribuído. E seria absurdo se fossem deixados de lado. O ideal, portanto, para as contas da Previdência era que cada trabalhador estivesse contribuindo.
O governo FHC tinha o diagnóstico de que as leis, de tão rígidas, criavam a distorção. Deu passos tímidos para flexibilizar e tornar mais leve a relação entre empresa e trabalhador. Mas o governo do Partido dos Trabalhadores nada fez. O PT nasceu desse aparato sindical que, como mostrou o GLOBO na série sobre a CLT, cria 250 sindicatos por ano. Eles são mantidos com dinheiro público e contribuição obrigatória do trabalhador. Muitos são criados só para tirar um pedaço desse bolo. O PT quando surgiu queria modernizar. Era contra o imposto sindical. Hoje, quer aumentá-lo. Parte dos 15 mil sindicatos está menos preocupada em defender o trabalhador do que em ser poleiro para burocratas do sindicalismo, que de lá saltam para a vida política.
Hoje, no mundo, falta trabalho. Os EUA lutam contra um desemprego que está em 7,6%, alto para os padrões americanos. A Europa tem níveis alarmantes de desemprego. Aqui, o que se reclama é a pequena oferta de trabalhadores.
Exatamente porque o mercado está favorável é que é hora de dar fim às enormes distorções no mercado de trabalho, reformulando a CLT. Ela não pode ser, como tem sido, uma criadora de castas: os com e os sem direitos. É preciso arejar essa relação empregador-trabalhador e adaptá-la às mudanças tecnológicas.
Apesar de o momento estar favorável, permanecem iniquidades. O IBGE registra quase 90 mil crianças trabalhando na idade dos 5 aos 9 anos. Ao todo, entre 5 e 14 anos são 1,1 milhão trabalhando. Continuam a acontecer casos de trabalho escravo: nos últimos 15 anos, a fiscalização encontrou 44 mil pessoas trabalhando em condições semelhantes à da escravidão. Há diferenças de salários para as mesmas funções entre homens e mulheres, e o desemprego entre jovens é alto.
Ninguém está satisfeito no mundo do trabalho. Agora, o desconforto entrou em casa. Os empregadores estão assustados com a lei que estabelece o óbvio: que todos têm os mesmos direitos. Se a reclamação é pela complexidade da legislação, os patrões tem razão. Se é a reação contra direitos, como hora extra, adicional noturno e fundo de garantia para empregadas, é inadmissível. Passava da hora de modernizar essa relação dentro das casas, onde tantos abusos foram cometidos.
Mas é preciso encontrar a forma eficiente de incluir quem está fora das leis de proteção: 18 milhões trabalham no mercado informal. O país precisa aproveitar o momento e tentar entender o enigma do trabalho.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário