Algo vai mal entre o povo e poder quando a festa nacional é celebrada sob tão forte aparato policial-militar
Os protestos de ontem foram fracos, não se confirmando a anunciada tsunami, seja isso sinal de refluxo ou efeito do aparato policial montado em todo o país. Fraco também foi o comparecimento da população, ressabiada com o vandalismo e a repressão de junho/julho. Dilma não foi vaiada, mas colheu magros aplausos. Na festa da independência, “nossa Pátria mãe tão distraída”, como no verso de Chico Buarque, não tratou das “tenebrosas transações” contra a soberania: a espionagem de cidadãos e autoridades brasileiras pelos Estados Unidos. O assunto não apareceu no pronunciamento da presidente nem nos cartazes dos manifestantes.
Nacionalismo extremo é patologia, ausência dele, alienação. Afora isso, não deixa de ser um claro sinal de distanciamento entre o povo e o poder a realização da festa nacional sob um esquema de segurança que lembrou os desfiles do regime militar, uma polêmica proibição de uso de máscaras e o providencial encurtamento dos eventos e a redução das atrações, como a esquadrilha da fumaça. Resultado, uma festa mixuruca. Quando isso acontece faltando apenas um ano para uma eleição geral, o normal é esperar por grandes mudanças. Pela primeira vez, dirigentes do Congresso não foram ao palanque em Brasília. Se nada mudar, o Brasil é mesmo singular.
Não faltaram os acentos eleitorais, vindos do povo, da presidente, da oposição. A fala de Dilma, em cadeia nacional de rádio e televisão, na véspera, teve o pecado, já mencionado, de não abordar o conflito do momento com os Estados Unidos, embora ela venha agindo de modo irrepreensível no caso, inclusive no de sua conversa com o presidente Obama na Rússia. Mas, afinal, o que se celebrava ontem era a independência. Abordando o tema, ela teria contribuído com o exercício de uma cidadania preocupada com os direitos sociais mas também com a defesa da nacionalidade. Afora isso, Dilma falou com ares de quem já não teme os protestos e sente-se em recuperação: admitiu com “humildade” que o país tem problemas e a seguir apregoou suas próprias ações: defendeu o Mais Médicos, enalteceu o crescimento do PIB no último trimestre e o nível de emprego, pregou a reforma política e novamente o plebiscito, destacando sempre mudanças nos “últimos 10 anos”. Minutos depois, o presidenciável tucano Aécio Neves divulgou nota acusando-a de fazer uso eleitoral do instrumento da cadeia de tevê, prometendo denunciá-la por isso à Justiça Eleitoral. A reação é de quem sabe o que significará disputar com quem está no poder e que, segundo as pesquisas, vem se recuperando com a ajuda da economia de ações que podem se confirmar acertadas, como o Mais Médicos.
Vox Populi: Dilma em alta
A revista Carta Capital circula neste fim de semana com pesquisa feita pelo Instituto Vox Populi segundo a qual Dilma teria hoje 38% de preferência eleitoral. Marina Silva teria 19%, Aécio Neves, 13%, e Eduardo Campos, 4%. Aritmeticamente, Dilma teria mais que a soma dos adversários, que chega aos 36%. Mas a vitória em primeiro turno envolverá aspectos hoje pouco mensuráveis, como o surgimento de novas candidaturas e o percentual de votos nulos e brancos, numa fase de grande decepção com os políticos, que leva ao desinteresse eleitoral. José Serra ainda pode deixar o PSDB para se filiar a outro partido e mesmo um candidato “nanico”, como o pastor Everaldo, do PSC, pode fazer diferença se obtiver 1% dos votos evangélicos. Mas é certo que andou chovendo na horta de Dilma e ela trata de faturar, como fez no pronunciamento de sexta-feira à noite.
Mais que desculpas
Ainda na Rússia, Dilma declarou que sua visita de Estado aos EUA, em outubro, “dependerá das condições políticas” que o presidente Obama criar em relação ao caso da espionagem. Espera-se no governo uma resposta oficial americana até quarta-feira, e que ela vá além de justificativas em nome do combate ao terrorismo e da segurança global. Está claro que ela teve também motivações econômicas e comerciais. Espera-se um pedido de desculpas formal ao Brasil e esclarecimentos sobre o que foi feito contra cidadãos e autoridades. O império americano nunca se desculpou com nenhum país que já provou de sua ingerência. Inclusive com o Brasil, depois de comprovadas, muito mais tarde, suas ações em favor do golpe de 1964.
Nova explosão
Em sua interinidade na Presidência, o vice-presidente Michel Temer recebeu delegações, como a da Bahia, advertindo para o risco de novos e graves conflitos envolvendo populações indígenas, pequenos e grandes agricultores. A ministra-chefe do Gabinete Civil, Gleisi Hoffmann, foi encarregada de negociar soluções que ainda não apareceram. A temperatura está subindo. A senadora Kátia Abreu, do PSD, presidente da Confederação Nacional da Agricultura, acusa as ONGs pró-índios de serem financiadas por concorrentes estrangeiros da agricultura brasileira.
Solução de fato
Michel Temer foi quem obteve um cessar-fogo entre os presidentes da Câmara e do Senado, Henrique Alves e Renan Calheiros, na questão do fim do voto secreto. Com sua mediação, Henrique acabou aceitando a proposta de Renan, de promulgarem apenas a parte da emenda que garante voto aberto em cassações de parlamentares.
Mas a verdadeira solução para o problema do mandato de deputados condenados pelas Justiça será a aprovação da emenda do senador Jarbas Vasconcelos, que corrige as dubiedades de redação do artigo 55 da Constituição, determinando a perda automática do mandato por ato da Mesa. A dubiedade do texto é que levou à submissão do caso Donadon ao plenário, e à vexatória absolvição política de um condenado pelo STF. Renan marcou a votação dessa emenda para o dia 22.
Fonte: Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário