• Um FDIC para R$ 300 bilhões de dívida ativa
- Valor Econômico
Há um problema estrutural nas receitas tributárias que caem como proporção do Produto Interno Bruto desde 2007. Isso aflige os técnicos da área econômica, que temem que a arrecadação do governo federal não cresça mesmo com a recuperação da economia.
Foi por receio e cautela que, na previsão de déficit de R$ 139 bilhões para 2017, considerou-se uma queda das receitas de 0,8% do PIB, embora esteja previsto crescimento de 1,2% para o PIB.
Parte da retração da arrecadação federal decorre da recessão, que levou as empresas a se financiarem com a suspensão do pagamento de tributos. O crescimento previsto para o ano que vem seria, segundo fontes oficiais, insuficiente para restabelecer a solidez financeira das companhias para que voltem a recolher os impostos.
Há, porém, sinais também de exaustão do modelo de tributação muito concentrado na indústria.
A evolução das receitas administradas mostra claramente o quão preocupante é a situação. Elas correspondiam a 11,16% do PIB em 1996 e saltaram para 16,34% do PIB em 2002 - atestando que o ajuste fiscal dos anos FHC foi feito pelo aumento da carga tributária.
No início do governo do PT, ainda sob comando de Antônio Palocci na economia, as receitas novamente financiaram o ajuste ao subir para 17,20% do PIB em 2006. No ano seguinte caíram para 15,69% do PIB, com o fim da CPMF, e vieram murchando paulatinamente até chegar em 12,58% do PIB no segundo bimestre deste ano. Nesse período a arrecadação só cresceu um pouco entre 2010 e 2011, como consequência da forte expansão do PIB, de 7,6%.
"Vai ser preciso uma reforma das receitas, também", informou um ministro do governo do presidente interino Michel Temer. A do gasto público se consolida na PEC (proposta de emenda constitucional) que congela as despesas em valores reais e na reforma da Previdência Social, que deve ser enviada ao Congresso Nacional após as eleições municipais de outubro.
Os dois setores que mais arrecadam impostos e contribuições - a indústria em geral e o grupo do petróleo, em particular - tiveram retração substancial nos últimos anos. Quadro que foi agravado pelo escândalo do petrolão e pela crise que se abateu sobre as grandes empreiteiras do país.
Hoje crescem as exportações, estimuladas pela depreciação cambial, e a esperada recuperação da atividade deverá se concentrar no aumento dos investimentos - ambas são atividades praticamente isentas de impostos.
O foco da tributação, portanto, vai ter que mudar, migrando mais para o setor de serviços, advogou uma qualificada fonte da área econômica. E o instrumento da mudança, disse, deverá ser o PIS/Cofins.
O país precisa de um grande ajuste fiscal para interromper o crescimento do endividamento público. A dívida bruta, principal indicador de solvência, só vai parar de subir quando a política fiscal for capaz de gerar superávit primário de no mínimo 2,5% do PIB.
Como o déficit primário consolidado estimado para este ano é da ordem de 2,6% do PIB, isso totaliza um esforço fiscal de 5% do PIB. Na melhor das perspectivas, o Orçamento chegará a um equilíbrio em 2019. Dados oficiais indicam que a meta de primário para 2018 é um déficit de R$ 66 bilhões (0,9% do PIB) e, para o ano seguinte, haveria um superávit de 0,2% do PIB.
Falta, portanto, um longo caminho para colocar a dívida, de 68,6% do PIB até maio, em trajetória sustentável. E esse caminho não poderá ser trilhado sem a recuperação da arrecadação federal e sem uma revisão geral das despesas.
A venda de ativos de R$ 55 bilhões é o que deve fechar a conta do déficit de R$ 139 bilhões para 2017, caso as receitas continuem em queda. Nesse aspecto o governo está trabalhando em várias frentes, entre privatizações e cobrança de dívidas. Espera arrecadar cerca de R$ 15 bilhões com leilões de campos de petróleo unitizados. Para isso, deverá prorrogar a vigência do Repetro - suspensão de tributos na importação e exportação de bens para a exploração de petróleo e gás - de 2020 para até 2045.
Avalia, também, criar um Fundo de Direitos Creditórios (FDIC) para negociar cotas de recebíveis da dívida ativa da União. O Ministério da Fazenda considera como de boa qualidade cerca de R$ 300 bilhões de dívidas, inclusive as refinanciadas pelo Refis.
Do lado do gasto, ainda deverá haver mais um pente-fino em alguns programas e o abono salarial é um dos principais candidatos ao corte. Os técnicos do governo consideram que ele ficou superado pelas outras políticas de transferência de renda. O prazo para o saque do abono foi prorrogado, recentemente, porque parte dos beneficiários desconhece o direito de receber um salário mínimo, caso a renda tenha sido de até dois salários. O abono foi criado nos anos 70 quando o salário mínimo equivalia a US$ 30.
Há uma grande esperança na área econômica do governo de que tanto a queda de receitas quanto o PIB de apenas 1,2% para o próximo ano sejam contas muito conservadoras que vão surpreender positivamente. Mas, por enquanto, isso é apenas uma torcida.
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