- Folha de S. Paulo
Se me pedissem para indicar o vício coletivo que me parece mais danoso para o Brasil hoje, não hesitaria muito antes de apontar o corporativismo. O noticiário dos últimos dias é exemplar.
Comecemos com a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, que, em resposta a uma incontinência verbal de Renan Calheiros contra um juiz de primeira instância, declarou: "Todas as vezes em que um juiz é agredido, eu e cada um de nós, juízes, é agredido". Aqui, ela coloca o "esprit de corps" à frente da lógica.
Ora, sempre existe a possibilidade de alguém protestar com razão contra uma atitude ilegal ou imoral tomada por um magistrado, hipótese em que a reclamação, ainda que em termos fortes, será justa e nem poderá ser considerada como agressão. A magistratura, ao contrário do papado, ainda não confere a seus inquilinos a virtude da infalibilidade.
Já Calheiros, embora tenha elementos para queixar-se da prisão arbitrária de policiais legislativos, também agiu de modo bastante corporativista ao mobilizar pessoal e meios do Senado para fazer varreduras em imóveis particulares de políticos. Identificar e destruir grampos é em princípio uma atividade legal, usar recursos públicos em bens pessoais e para fins privados, não.
Enquanto isso, os deputados, logo depois de aprovar o necessário teto de gastos para o governo federal, chancelam aumentos salariais de até 37% para cinco categorias de servidores públicos, com um impacto estimado em R$ 3 bilhões por ano. Uma das carreiras contempladas é a dos policiais federais, aos quais políticos temem desagradar.
Não estou sugerindo que todos os pleitos corporativos sejam injustos. O problema não é que as categorias se organizem e batalhem por seus interesses, mas sim a enorme frequência com a qual obtêm sucesso, o que inevitavelmente acaba ocorrendo às expensas dos setores menos organizados —um eufemismo para pobres.
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