João Batista Natali | Folha de S. Paulo
Diante da quase inevitabilidade de sua vitória no segundo turno deste domingo (7), Emmanuel Macron já é objeto de intensas suposições sobre o primeiro-ministro que escolherá e sobre sua base de apoio entre os 577 deputados da Assembleia Nacional.
Tudo dependerá da eleição legislativa, convocada para 11 e 18 de junho. Mas já é previsível que o triunfo de Macron vá gerar uma arrumação radical na política francesa.
A maior novidade é a aparição de uma força sólida no centro do tablado partidário, quebrando a polarização entre esquerda e direita, que, com a Quinta República (1958), provocou um rodízio no poder entre os dois blocos.
Em fevereiro, quando eram pequenas as chances de ele disputar o turno final com Marine Le Pen —o favorito era o conservador François Fillon, abatido em voo pelo escândalo de nepotismo em seu gabinete de deputado—, Macron publicou um documento em que anunciava a transformação em partido de seu movimento quixotesco, o "Em Frente!".
De recente centrista a política francesa conheceu um único lobo solitário, que inspirava simpatias, por não incomodar ninguém, e até certa comiseração ideológica. Era François Bayrou, do MoDem (Movimento Democrata), três vezes candidato à Presidência, com votações que variaram de 6,8% (2002) a 18,6% (2007). Agora, desde o início, ele apoiou Macron.
O inesperado acaso da queda de Fillon e da ascensão do "Em Frente!" demonstrou dois processos paralelos. De um lado, a tendência ao voto útil para derrotar a extrema direita. De outro, a emergência de uma corrente que, ao insistir sobre sua identidade centrista, demonstrou que a França poderia estar disposta a superar o cansativo roteiro direita x esquerda.
É verdade que parte da extrema esquerda, e dentro dela Jean-Luc Mélenchon, quarto colocado no primeiro turno, nega a autenticidade centrista de Macron e continua a qualificá-lo de candidato da direita, chamando-o de "banqueiro", por sua passagem pelo Banco Rothschild.
Mas não existe um forte centrismo com corpo doutrinário nos partidos franceses. Não há, tampouco, personalidades com biografias que tenham marcado essa corrente, apesar de o liberalismo estar na economia e nos meios acadêmicos.
Nesse deserto, Macron foi convincente pela insistência em se colocar como polo de reconciliação. Mas transformá-lo em "grande guia" seria partir para uma excessiva personalização da política, transformando-o em oráculo. Macron, aliás, pouco contesta o papel do Estado, afastando-se do que as esquerdas consideram "neoliberal".
Com Macron no Eliseu, duas viúvas coletivas perdem lugar no centro da festa —os socialistas, herdeiros da Seção Francesa da Internacional Operária (SFIO), de 1902, e os liberais de centro-direita, que apoiaram o presidente Charles de Gaulle (1959-1969) e criaram a UDR, a UMP e, agora, o Republicanos.
Não se tem ideia se o novo partido "Em Frente" obterá, sozinho, maioria para governar. No escuro das previsões, uma única pesquisa atribui ao movimento entre 249 e 286 deputados –entre 40 e 3 abaixo da metade do plenário.
Mesmo com a precariedade da previsão, há no ar um cheiro forte de coligação. Mas com a esquerda ou com a direita? Qualquer alternativa quebraria a mística centrista e rapidamente transformaria o novo presidente francês em algo antigo.
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