As tentativas da União de colocar um pouco de ordem no hospício tributário dos Estados compõem uma história repleta de derrotas. A incursão mais séria para a unificação e redução das alíquotas do ICMS, que daria um tiro certeiro na guerra fiscal, foi feita pelo ministro Joaquim Levy, durante sua breve passagem pelo breve governo de Dilma Rousseff, em 2015. Foram colocadas na mesa de negociação várias compensações aos Estados para que eles acedessem à reforma do ICMS. A reforma não saiu e eles conseguiram mesmo assim quase todas as contrapartidas.
A convalidação dos incentivos fiscais concedidos pelos Estados, e fulminados como inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, é um dos exemplos mais claros da derrota de intenções sérias. Marchas e contramarchas em 2015 produziram um esboço de um acordo que poderia ser viável para racionalizar o ICMS e impedir a continuidade da guerra fiscal. As alíquotas do ICMS seriam reduzidas de 12% para 4% nos Estados de "destino" - Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Espírito Santo - e de 7% para 4% até 2019 nos Estados de "origem", os do Sul e Sudeste. Os prazos definidos chegaram a ser até menores, pelo convênio Confaz 70, assinado por 21 secretários da Fazenda - o horizonte era 2021, com exceção para a agricultura, gás natural e transportes. Mas Goiás, Espírito Santo, Amazonas Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Ceará discordaram e houve um esforço para demovê-los que não deu em nada.
Não foram poucas as compensações oferecidas. Em primeiro lugar, a União faria finalmente a troca do indexador da dívida renegociada dos Estados, retirando o IGP-DI mais juros e pondo em seu lugar IPCA mais 4%, com a Selic como teto. Já em seu estágio final de decomposição, o governo de Dilma fez a troca sem que os Estados batessem o martelo na reforma. Mais: encaminharam liminares ao Supremo Tribunal Federal reivindicando o direito de pagar juros simples sobre a dívida recalculada desde a origem. Ganharam alguns meses sem pagar e algo mais precioso - obrigaram o governo a novas concessões, com o aval do STF, que deu 90 dias de prazo para a abertura de negociações entre as partes.
Delas resultaram a ampliação do prazo de pagamento das dívidas estaduais junto ao BNDES por mais dez anos e a do total dos débitos por mais 20 anos, isto é, os Estados obtiveram meio século para quitar seus compromissos. O alívio oferecido em troca de nada deveria pelo menos estancar a deterioração financeira dos Estados. Não foi o que ocorreu.
Levy tentou ainda amarrar os Estados a um acordo no qual compensaria perdas iniciais com as mudanças no ICMS por meio de dois fundos, um para esse fim e outro cuja finalidade seria o desenvolvimento regional. A principal fonte de recursos desses fundos seria o dinheiro das multas provenientes do projeto de regularização dos recursos transferidos irregularmente ao exterior e uma parte, pequena, do Tesouro, já depauperado por um déficit público em alta desenfreada.
Os Estados continuaram fazendo corpo mole, enquanto que o Congresso na votação do projeto simplesmente deu aos Estados o direito de receber parte da arrecadação da "repatriação" sem compromisso com fundo algum. A presidente Dilma vetou esse item, mas os Estados foram novamente ao Supremo e conquistaram mais um fonte extra de recursos.
A novela da convalidação voltou em cartaz agora, com a União tentando ao menos estabelecer punições legais para secretários de Estado e governadores que concederem incentivos fiscais sem apoio unânime do Confaz e criar regra de transição para o fim dos incentivos já concedidos. A ideia é, no primeiro caso, tipificar como ato de improbidade administrativa e crime de responsabilidade fiscal os administradores responsáveis por incentivos ilegais. (Valor, 10 e 11 de maio).
No caso da transição, a União propõe, dado o prazo de 15 anos, que seja reduzido gradualmente o grosso dos incentivos destinados à e agropecuária, à razão de 5% ao ano nos seis primeiros anos e 10% ao ano no restante. Os Estados do Norte e Nordeste são contra e há novo impasse.
Não há nada que impeça, e tudo que recomende, que o governo retome a iniciativa da reforma do ICMS, depois de (e se) vencer a batalha da reforma da Previdência. O apoio do Congresso não tem faltado ao presidente Michel Temer, que poderia patrocinar um acordo proveitoso ao país sobre o ICMS.
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