Por Andrea Jubé | Valor Econômico
BRASÍLIA - O fenômeno eleitoral que marcou o retorno do peronismo ao poder na Argentina há 45 anos é a proeza que o PT tentará repetir nas eleições de outubro, prolongando ao limite do prazo legal a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com o líder argentino Juan Domingo Perón proscrito havia 18 anos, um candidato apoiado por ele - de seu exílio na Europa - venceu a eleição presidencial. No Brasil, com Lula detido, o partido quer tentar reproduzir a façanha com um nome ungido por ele, proclamando "eu sou o Lula" nos comícios país afora.
Era 1973, e Perón, aos 78 anos, duas vezes presidente da República, articulava o seu retorno à Argentina, sonhando com um terceiro mandato. Vislumbrou a oportunidade no apoio a um aliado do passado, o ex-presidente da Câmara Héctor Cámpora, em um ambiente onde os argentinos temiam a ascensão dos socialistas. Respaldado pela juventude peronista, Cámpora percorreu o país apresentando-se como o candidato de Perón. Era chamado de "El Tío", porque era considerado irmão de "el padre Perón". O lema de sua campanha era "Cámpora no governo, Perón no poder". Acabou vitorioso com quase 50% dos votos.
O exemplo de Héctor Cámpera corre à boca miúda entre petistas do núcleo mais próximo de Lula. Parafraseando a campanha argentina, o grupo formula slogans como "PT no governo, Lula no poder", considerando os 30% dos brasileiros que declaram intenção de voto no ex-mandatário, segundo o último Datafolha.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, reafirma que o partido levará o nome de Lula até as urnas no dia 7 de outubro, em uma campanha de protesto contra sua prisão: ele cumpre pena de 12 anos e um mês em regime fechado em Curitiba. Mas o que se articula nos bastidores é sustentar o nome do ex-presidente até o limite para assegurar a transferência de votos.
Após o registro, no dia 15 de agosto, a Justiça Eleitoral arguirá a inelegibilidade de Lula, com base na Lei da Ficha Limpa. A partir daí, o PT deverá intensificar a "vitimização" do candidato, enfatizando a retórica do "preso politico". No prazo legal, entretanto - a 20 dias do pleito -, o PT revelará o nome do potencial herdeiro dos votos.
Quem encarnará o "candidato de Lula" nesse processo ainda é uma incógnita até mesmo dentro do PT, e os nomes até agora colocados são os mesmos: Fernando Haddad tenta se viabilizar, o ex-ministro Jaques Wagner segue à espreita e o ex-chanceler Celso Amorim corre por fora. Um azarão ainda pode despontar.
Lula tem discutido cenários com quem conseguiu visitá-lo. Aos que ele deseja falar, envia bilhetes ou recados pelos advogados. Petistas têm gravado reuniões, e depois alguém lhe apresenta os áudios - desta forma, ele tem acesso à integra das discussões, sem intermediários.
O professor Marcos Novaro, diretor do Centro de Investigaciones Políticas (Cipol) da Argentina, diz que a comparação com o episódio argentino pode servir ao PT no esforço de transferir votos de Lula - no "exílio" da prisão - para um indicado por ele. Mas também comporta a crítica de que um eventual governo que saia das urnas a partir desta fórmula tenha o mesmo desfecho trágico do peronismo.
Após a consagração de Cámpora nas urnas, Perón retornou à Argentina, obrigou sua "criatura" a renunciar e o nomeou embaixador no México. Convocadas novas eleições, Perón foi eleito pela terceira vez à Presidência. Mas muito doente, governou menos de um ano, até morrer em 1974. Quem o sucedeu foi a esposa e então vice-presidente, Isabelita Perón, deposta pelos militares em 1976.
Mas há diferenças relevantes quanto ao paradigma de Cámpora: o ex-deputado federal era o nome escolhido por Perón desde o início da campanha, não foi apresentado ao eleitor na prorrogação do jogo. Além disso, líderes de partidos que o PT tenta atrair para o "projeto Lula" lembram que o ex-presidente já elegeu "postes" no passado - Dilma Rousseff para a Presidência, Fernando Haddad em São Paulo - em campanhas acirradas, mas ele estava presencialmente ao lado de seus apadrinhados no palanque.
Agora cumprindo pena, Lula não pode sequer gravar vídeos pedindo votos ao futuro substituto. O presidente de um dos partidos de centro disse ao Valor que "Lula só transfere votos se puder gravar vídeos", o que ainda não foi definido pela Justiça.
Nesse cenário, um eventual apoio ao PT das siglas com quem o partido tem dialogado está condicionado à solução rápida do imbróglio em torno da candidatura de Lula. Nenhum dirigente partidário acredita que ele escapará da barreira da Ficha Limpa e todos se recusam a embarcar em uma "aventura". Presidente do PSB, Carlos Siqueira já declarou que o partido consideraria eventual apoio a Haddad, mas descarta o aval a um candidato com quem não marchará até a linha de chegada.
Ainda em relação ao exemplo argentino, o professor Marcos Novaro alerta que não há "legitimidade" na hipótese de um falso candidato. "Cámpora foi o início do desastre que se completou quando Perón assumiu de vez o poder; com um candidato de mentira não há legitimidade no exercício do poder".
Novaro pondera que Cámpora assumiu o governo em um ambiente político mais radicalizado do que o que vive o Brasil atualmente. Por isso, acredita que o cenário no país não seja "tão grave" a ponto de justificar a estratégia petista de lançar um "candidato de aparência".
O professor acrescenta que a vantagem do PT em insistir no projeto Lula seria invocar que a situação no Brasil é tão dramática, que seu retorno ao poder teria o efeito de repacificar o país. "Mas para isso, o PT teria que vencer com uma margem muito ampla de votos, como foi o peronismo em 1973".
Sem que a imagem e a voz do candidato cheguem aos eleitores, a equipe de publicitários coordenada pelo baiano Sidônio Palmeira - o mesmo das campanhas de Jaques Wagner e Rui Costa na Bahia - continuará apostando em vídeos que agucem o emocional dos eleitores. Por ora, prevalece a retórica do preso político, vítima do sistema judiciário, e as palavras de ordem de que eleição sem Lula é fraude.
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