Guedes prometeu privatizar 200 estatais e vender mil imóveis. Não vendeu nenhum nem apresentou um plano de privatização
O argumento mais comum para defender o governo é que “Bolsonaro é melhor do que o PT”. Supondo-se que seja verdade, e daí? Nota 2 é melhor do que nota 1, mas isso não é motivo para achar que 2 é bom.
Outra linha é que não se devem apontar os erros do governo, porque isso pode trazer o PT de volta. Ora, o que pode trazer o PT de volta são os erros de Bolsonaro, não o fato de falarmos deles. Aliás, se ninguém disser nada, é provável que ele insista nos erros, e que a chance de o PT voltar aumente. (Sem falar que, nessa linha, se aceita qualquer coisa.)
Um terceiro argumento, menos raso, é que a economia vai bem, e isso é o que interessa, porque se a economia não funcionar, nada mais funciona — verdade, mas, se só a economia funcionar, aí também não serve pra nada. A verdade, no entanto, é que a economia não vai bem: o crescimento será raquítico (perto de 0,9%), o desemprego cai devagar (e com aumento da informalidade), e a taxa de investimento está na lona.
“Mas, depois da devastação do PT... demora mesmo a recuperar!”, observam. Ocorre que o PT está fora do poder há mais de três anos e, já no ano seguinte à sua saída, o Brasil voltou a crescer — e a uma taxa maior do que a de hoje. Temer acertou muito durante dois anos e meio, de modo que, no início do governo Bolsonaro, a expectativa era de um crescimento três vezes maior (2,6%) do que será. O que deu errado?
A reforma da Previdência, principal conquista, poderia ter sido aprovada no primeiro semestre, mas o governo criou um projeto do zero (em vez de aproveitar o de Temer), e Bolsonaro brigou com o Congresso e com sua própria proposta, que só andou por causa de Rodrigo Maia. No Senado, o governo se concentrou em fazer Eduardo embaixador, e permitiu que a reforma fosse desfigurada. A reforma atrasou e piorou.
Guedes prometeu privatizar 200 estatais e vender mil imóveis no primeiro ano. Não vendeu imóvel nenhum nem sequer apresentou um plano de privatização (as poucas estatais privatizadas são de processos de Temer). Prometeu abertura comercial, mas não mexeu nas tarifas. Insistiu em uma reforma tributária com CPMF que nunca teve chance e implodiu. Só esta semana, já em novembro, o governo apresentará uma proposta de reforma administrativa.
Os problemas da economia não advêm apenas da área econômica. A política ambiental gerou a crise do desmatamento, redundou em hostilização de países estrangeiros e inviabilizou o acordo comercial com a União Europeia. A inação diante do desastre com o óleo no Nordeste aumentou o prejuízo na atividade econômica da região.
Bolsonaro insultou a ONU, a ex-presidente do Chile, e insiste na briga com a Argentina, o nosso terceiro maior parceiro comercial. A viagem desta semana ao exterior parece ter corrigido, enfim, os problemas criados com os países árabes (por conta da anunciada mudança da embaixada em Israel para Jerusalém), mas o alinhamento com Trump ameaça nosso relacionamento com a China, nossa maior parceira, e com um governo democrata que porventura venha a ser eleito.
Não se obtém crescimento sustentável sem uma população educada, mas a qualidade do ensino é péssima, e o governo não tem proposta, e Abraham Weintraub prefere ser artista de circo. Nenhum país se desenvolve sem investir em ciência, mas o governo não tem plano para o setor, contesta dados científicos e ofende cientistas, e o ministro Marcos Pontes está perdido no espaço.
E há o comportamento pessoal do presidente, que interfere em empresas e em órgãos de Estado por motivos pessoais, permite que seus filhos se imiscuam no governo, e compra brigas sem parar. Esta semana, comparou o Supremo Tribunal Federal e seu próprio partido, do qual depende para as reformas, a hienas, e reagiu de maneira desequilibrada a uma denúncia falsa, declarando guerra a um governador de estado e a um órgão de imprensa.
Crescimento pressupõe investimento, e investimento exige confiabilidade, estabilidade, previsibilidade, tudo o que não existe no Brasil de Jair Bolsonaro.
Apesar de tudo, parece haver uma pequena aceleração do crescimento a caminho. Mas não é graças ao governo que ela existe: é graças ao governo que ela é pequena.
*Ricardo Rangel é empresário
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