Governo
brasileiro não fez nenhum gesto para se aproximar de Biden
A
menos de dez dias da posse de Joe Biden como presidente dos EUA, o governo de
Jair Bolsonaro segue distante da nova administração americana. Não construiu
pontes com o novo líder americano, fazendo questão de reafirmar os seus laços
com Donald Trump, que se recusa a reconhecer a derrota nas eleições e termina o
governo apostando ainda mais na divisão do país, ao ter incitado a invasão do
Congresso.
Essas
atitudes de Bolsonaro vão dificultar a relação do Brasil com os EUA, por mais
que Biden seja visto como um político pragmático. O Brasil ficará ainda mais
isolado no cenário externo, enfrentando problemas especialmente por causa da
atitude do governo Bolsonaro em relação ao ambiente, que será uma das
prioridades do novo presidente americano.
Na
semana passada, Bolsonaro voltou a questionar o processo eleitoral dos EUA,
afirmando que a causa da crise americana é “basicamente a falta de confiança no
voto”. Segundo ele, “lá, o pessoal votou e potencializaram o voto pelos
correios por causa da tal da pandemia, e houve gente lá que votou três, quatro
vezes, mortos que votaram. Foi uma festa lá. Ninguém pode negar isso daí.” A
apoiadores, o presidente disse ainda o Brasil terá “um problema maior que os
EUA” em 2022, caso não haja uma mudança no sistema eleitoral por aqui, com o
voto impresso.
Bolsonaro usa o exemplo do pleito americano para mais uma vez colocar em xeque a credibilidade das eleições brasileiras, indicando que poderá repetir a estratégia de Trump no ano que vem, se o resultado for desfavorável a ele. O presidente já disse várias vezes que houve fraudes nas eleições de 2018, em que venceu Fernando Haddad (PT) com grande folga. Com essa estratégia, Bolsonaro subordina os interesses do país aos seus interesses pessoais.
Por
mais que seja próximo de Trump, já passou da hora de Bolsonaro buscar uma
aproximação com Biden. O brasileiro só foi cumprimentar o presidente eleito
americano 38 dias após as eleições, sendo o último líder dos países que
integram o G-20 a reconhecer a vitória do candidato democrata.
Em
entrevista ao Valor em
outubro, Thomas Shannon, ex-embaixador americano no Brasil entre 2010 e 2013,
destacava que “a agenda do Partido Democrata não é favorável ao presidente
Bolsonaro”, citando temas ambientais, por exemplo, embora tenha afirmado que
Biden entende o valor estratégico do Brasil para os EUA.
Ex-subscretário
de Estado dos EUA para Assuntos Políticos, Shannon conhece profundamente a
política do Partido Democrata para a América Latina. Já em artigo para a
revista “Crusoé”, publicado em 1º de janeiro, Shannon deixou claro o impacto
que podem ter para as relações entre Brasil e EUA as declarações de Bolsonaro
sobre o resultado das eleições americanas - e isso antes de o brasileiro
repetir, na semana passada, as insinuações de fraude no pleito americano.
Shannon
escreve que Biden “conhece a importância do Brasil e tem um conhecimento bem
desenvolvido da trajetória histórica de nossa cooperação”, sendo ainda um
político que “verá a relação com o Brasil não em termos pessoais, mas em termos
dos interesses e valores que ligam nossas duas nações”.
Depois
de apontar essas características de Biden, Shannon afirma que, “dito isso, o
governo Bolsonaro tem feito quase todo o possível para complicar a transição na
relação bilateral”, lembrando que o presidente e membros de sua administração
expressaram preferência por Trump. Ele destaca ainda que Bolsonaro criticou
Biden após comentários do então candidato democrata durante um debate, pedindo
uma ação mais orquestrada do Brasil sobre o desmatamento”. Na ocasião, o
americano disse que pretendia reunir outros países para garantir US$ 20 bilhões
para preservar a Amazônia - caso contrário, o Brasil enfrentaria “consequências
econômicas significativas”.
Segundo
Shannon, “essa gafe, no entanto, perde relevância quando é comparada com a
disposição do presidente Bolsonaro de repetir as alegações infundadas de
fraude” feitas por Trump sobre as eleições dos EUA. “A preferência partidária
baseada na amizade pessoal é perdoável, assim como a defesa da soberania
nacional. No entanto, atacar a integridade e a credibilidade do processo
eleitoral americano é um ataque à legitimidade da democracia americana e à
Presidência de Joe Biden. É algo que não será facilmente perdoado e não será
esquecido.”
Nesse
cenário, “o tom da parceria única entre Brasil e Estados Unidos agora depende
em grande parte do Brasil”. Pelo que se vê até o momento, porém, o governo
Bolsonaro não está disposto a fazer gestos de boa vontade para a nova
administração americana. Não foi apenas o presidente brasileiro que questionou
as eleições americanas. No Twitter, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto
Araújo, disse na semana passada que “há que reconhecer que grande parte do povo
americano se sente agredida e traída por sua classe política e desconfia do
processo eleitoral”. O líder da diplomacia brasileira também levanta dúvidas
sobre o pleito que levou à vitória do novo presidente americano.
Nessa
toada, o Brasil não deverá ter vida fácil com o governo de Biden. Na semana
passada, o novo presidente indicou Juan Gonzalez para o cargo de diretor-sênior
para o Hemisfério Ocidental do Conselho de Segurança Nacional. Em outubro,
Gonzalez afirmou que “qualquer um, no Brasil ou em outro lugar, que pensa que
pode avançar numa relação ambiciosa com os EUA enquanto ignora assuntos
importantes como mudança climática, democracia e direitos humanos claramente
não está ouvindo Joe Biden em sua campanha”.
O foco do americano em políticas ambientais, atuando possivelmente em conjunto com a União Europeia (UE), colocará mais pressão sobre o Brasil nesse campo. Isso poderá afetar as exportações brasileiras, assim como atrapalhar o fluxo de investimentos estrangeiros para o país. O governo Bolsonaro, porém, não parece preocupado em ter bom um relacionamento com Biden, como já não tem com boa parte dos países da UE e com a China. Sem aliados importantes no cenário internacional, o Brasil caminha em 2021 para ficar ainda mais isolado.
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