terça-feira, 17 de agosto de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Em busca de conflito

O Estado de S. Paulo

A ameaça de Jair Bolsonaro de impeachment contra ministros do STF revela que o presidente não tem a menor intenção de desanuviar suas relações com o Judiciário

O presidente Jair Bolsonaro informou que pretende ingressar no Senado com pedido de impeachment dos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro argumenta que, “de há muito”, os dois magistrados “extrapolam com atos os limites constitucionais”. Segundo o presidente, “o povo brasileiro não aceitará passivamente que direitos e garantias fundamentais (...), como o da liberdade de expressão, continuem a ser violados e punidos com prisões arbitrárias, justamente por quem deveria defendê-los”.

A ameaça de Bolsonaro de usar o instrumento do impeachment contra ministros do Supremo, previsto no artigo 52 da Constituição, revela que o presidente não tem a menor intenção de desanuviar suas relações com o Judiciário, fortemente estremecidas por seu comportamento indecoroso e violento em relação aos ministros Barroso e Moraes, responsáveis por decisões recentes que lhe desagradaram.

Ao contrário: consta que o presidente ficou furioso ao tomar conhecimento do encontro entre seu vice, Hamilton Mourão, e o ministro Barroso, noticiado pelo Estado. Na reunião, realizada a seu pedido, o magistrado queria ouvir Mourão a respeito da adesão dos militares a uma possível ruptura da ordem institucional estimulada às escâncaras por Bolsonaro. O vice-presidente garantiu que não há como isso acontecer.

Segundo o jornal, Bolsonaro viu o encontro de Mourão e Barroso como parte de uma conspiração para derrubá-lo. A ameaça de pedir o impeachment dos ministros Barroso e Moraes foi a forma que o presidente encontrou para reagir.

A desculpa formal para a nova crise foi a prisão do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, ordenada pelo ministro Moraes sob acusação de que o ex-deputado, vanguarda exótica do bolsonarismo radical, integra uma organização criminosa que incita a ação armada contra os Poderes constituídos e defende a articulação de um golpe de Estado. Há diversos vídeos, espantosos, em que Jefferson, armas em punho, vitupera contra o Supremo e estimula a prática de crimes.

Para o presidente Bolsonaro, Roberto Jefferson apenas exerceu sua “liberdade de expressão”. Uma semana antes da prisão, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, referiu-se ao ex-deputado como “mais um soldado na luta pela liberdade do nosso povo e pela democracia do nosso Brasil”.

Desde os tempos em que Bolsonaro violava sistematicamente o decoro parlamentar, já se sabe que, na hermenêutica bolsonarista, os direitos e garantias constitucionais, como a liberdade de expressão, são uma licença para delinquir. Já os críticos do governo, segundo o presidente, não têm o direito de falar o que podem e devem. Contra os opositores, Bolsonaro lançou o peso da Lei de Segurança Nacional (LSN), criada ainda na ditadura – e revogada só recentemente – para ameaçar quem calunia ou difama o presidente.

É ocioso tentar demonstrar que a interpretação bolsonarista sobre a liberdade e a democracia é equivocada. Em primeiro lugar, porque não é possível esperar que um bolsonarista entenda os princípios da democracia – se entendeu, é porque deixou de ser bolsonarista. Em segundo lugar, não importa a qualidade da argumentação: o bolsonarismo não pretende discutir nada, mas apenas causar confusão, em todas as áreas que importam, seja no combate à pandemia, seja na manutenção da democracia.

É na confusão – de valores, sobretudo – que Bolsonaro prospera. Foi assim com a cloroquina, com o “voto impresso” e, agora, com os desafetos no Supremo. Quando o pedido de impeachment dos ministros do Supremo for engavetado, como se espera, Bolsonaro inventará outra crise, pois depende continuamente disso para afastar de si a responsabilidade pela difícil situação econômica do País – às voltas com a carestia, o desemprego e as perspectivas desanimadoras de crescimento. E depende disso para eletrizar os bolsonaristas radicais, com cujos votos pretende chegar ao segundo turno da eleição de 2022 – e com cuja irresponsabilidade planeja, em caso de derrota, vandalizar a democracia.

O FMI e o voo de galinha

O Estado de S. Paulo

Fundo aponta de novo baixo potencial de crescimento econômico do País

Ao elevar para 5,3% a previsão de crescimento econômico do Brasil em 2021, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alinhou-se à projeção do mercado. A estimativa anterior, divulgada em abril, apontava uma expansão de 3,7%. A revisão é explicada principalmente pela surpresa positiva do primeiro trimestre, quando o Produto Interno Bruto (PIB) superou por 1,2% o dos três meses finais de 2020. No cenário revisto, o desempenho brasileiro continua inferior àquele indicado para a economia global e para as grandes categorias de países avançados, emergentes e latino-americanos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, insiste em qualificar a retomada brasileira como uma recuperação em V. Mas a descrição se aplica ainda mais adequadamente a outras economias, com destaque para a China (8,1%), os Estados Unidos (7%), o Reino Unido (7%) e o México (6,3%). Os dados são das Perspectivas Econômicas Mundiais (World Economic Outlook).

As economias avançadas, segundo o FMI, devem crescer 5,6% neste ano e 4,4% no próximo. São taxas elevadas para países já desenvolvidos. Esse desempenho, 0,5 ponto superior ao estimado em abril, é atribuído a dois fatores principais, o avanço da vacinação e a manutenção do apoio fiscal iniciado em 2020 como resposta à pandemia. Esses envolvem cerca de US$ 4,6 trilhões para aplicação em ações econômicas e de saúde neste ano e no futuro próximo. Em contrapartida, nas economias emergentes e em desenvolvimento a maior parte das ações anticrise expirou no ano passado. É o caso evidente do Brasil.

Qualquer brasileiro informado conhece os detalhes omitidos no documento do FMI. Já no ano passado o governo reduziu as medidas de sustentação econômica e de apoio aos pobres. Essas ações foram suspensas no primeiro trimestre e parcialmente retomadas a partir de abril, mas sem derrubar o enorme desemprego. O relatório menciona o aperto monetário, com elevação de juros, iniciado no Brasil e em vários emergentes, num esforço para conter as pressões inflacionárias. Hungria, México, Rússia e Turquia também são citados na exemplificação.

Os autores do estudo recomendam cautela no uso dessas políticas. O novo surto inflacionário, argumentam, pode ser passageiro, e seria um erro, nesse caso, comprometer a recuperação da economia com uma forte elevação dos juros.

Os economistas do FMI poderiam, se quisessem avançar nos detalhes de cada país, apontar a política recente do Banco Central do Brasil (BC) como exemplo de cautela. Os aumentos de juros foram apresentados, até agora, como normalização “parcial” da política monetária, calculada para manter algum estímulo aos negócios. Mas, diante da evolução dos preços, tem ficado difícil aceitar, no Brasil, a ideia de uma pressão “temporária”. Dirigentes do BC mostrarão na próxima semana se mantêm o diagnóstico favorável. Em caso positivo, elevarão os juros básicos de 4,25% para 5%. No mercado, muitos apostam num aumento de 1 ponto porcentual.

A avaliação da economia brasileira pelos técnicos do FMI fica mais clara, no entanto, quando se leva em conta o crescimento previsto para o próximo ano: 1,9%, taxa muito inferior àquelas previstas para os países avançados (4,4%), para os emergentes e em desenvolvimento (5,2%) e para os latino-americanos e caribenhos (3,2%). A retomada brasileira é vista como voo de uma galinha.

Essa percepção é mantida há vários anos por economistas do mercado brasileiro e de instituições internacionais. Com baixo investimento produtivo, escassez de mão de obra qualificada, tributos pouco funcionais e baixa integração global, o Brasil é visto como incapaz de sustentar por mais de um ou dois anos um crescimento igual ou superior a 3%.

Para 2022, a mediana das projeções do mercado aponta crescimento de 2,10%. A visão dos técnicos do FMI coincide, em vários pontos, com a percepção dos brasileiros. Sem um claro projeto de crescimento e dominada pelos objetivos eleitorais do presidente Jair Bolsonaro, a atual política econômica é uma garantia de continuidade da aerodinâmica de galinha.

Afeganistão entregue à própria sorte

O Estado de S. Paulo

Saída dos EUA do país transmite perigosa mensagem de insegurança a aliados

No dia 14 de abril, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, confirmou que levaria a cabo a decisão tomada por seu antecessor, Donald Trump, de retirar as tropas americanas do Afeganistão. “Sou o quarto presidente a liderar a presença de soldados americanos no Afeganistão. Eu não iria, como não vou, entregar esta guerra para um quinto”, disse Biden em pronunciamento à nação.

No início de julho, o democrata afirmou que a guerra era “invencível” e fixou o dia 31 de agosto como prazo final para o último soldado americano deixar o país da Ásia Central. “Eu não enviarei outra geração de americanos para esta guerra sem nenhuma expectativa razoável de se chegar a um resultado diferente (do alcançado até agora)”, reforçou Biden.

As palavras e as ações do presidente americano expressam o sentimento de dois terços da população de seu país, cansados do conflito mais longevo da história militar dos Estados Unidos. Lá se vão quase 20 anos desde a deflagração da Operação Liberdade Duradoura, em 7 de outubro de 2001, menos de um mês após os infames atentados do 11 de Setembro. A pretexto de impedir que o Taleban desse guarida aos terroristas da Al-Qaeda ou permitisse que o território afegão servisse como base de treinamento para os radicais islâmicos, o então presidente George W. Bush ordenou que as tropas dos Estados Unidos ocupassem o Afeganistão sem data para sair de lá.

No início de dezembro daquele mesmo ano, o Taleban perdia o controle sobre Kandahar, a última grande cidade que ainda dominava. Mas a derrota militar dos radicais nem de longe significou o florescimento de uma vigorosa democracia no país asiático, nem tampouco o prenúncio de novos tempos de paz. Logo ficou claro que só haveria, de fato, uma “liberdade duradoura” enquanto as forças americanas permanecessem no Afeganistão.

Este talvez tenha sido o principal erro de avaliação de Biden ao levar adiante o plano de retirada das tropas americanas, que se revela precipitado. A nesga de estabilidade que havia no Afeganistão dependia, fundamentalmente, da presença dos militares americanos no país. Não é por outra razão que eles lá estão há quase duas décadas. Bastou que os soldados da coalização começassem a ir embora para que o Taleban iniciasse sua marcha triunfal até Cabul.

Outro erro é a crença entre os americanos e seus aliados de que as forças militares e policiais afegãs estavam preparadas e, sobretudo, determinadas a defender seu país por conta própria contra os radicais islâmicos, em nome de um governo que pouco fez por eles. Os Estados Unidos gastaram cerca de US$ 88 bilhões para equipar e treinar as forças de segurança do Afeganistão. Mas, na primeira oportunidade que tiveram para agir, estas forças ofereceram mínima resistência ao avanço do Taleban.

O anúncio da saída das tropas americanas deu azo a uma ação fulminante do Taleban para reaver os territórios outrora perdidos. Uma a uma, as mais importantes cidades afegãs sucumbiram à investida com pouca ou nenhuma resistência. Em questão de poucas semanas após o início da ofensiva, o Taleban já ocupava o gabinete do presidente Ashraf Ghani, em Cabul. Ghani fugiu do país com a mulher e dois assessores.

Biden afirmou que seu país não foi ao Afeganistão “para construir uma nação” e exortou os líderes afegãos a se “unirem e conduzirem seu país rumo ao futuro”. Nas atuais condições, as tropas americanas não deveriam deixar o Afeganistão, pois o Taleban ainda apresentava um alto grau de risco. O mais espantoso, no entanto, foi o governo americano ser surpreendido por um avanço tão rápido dos radicais islâmicos, que agora se põem a combater qualquer traço de civilização que ainda há no país.

A saída precipitada das tropas americanas do Afeganistão pode ser vista como uma derrota após longo esforço de guerra, deixa os afegãos entregues à própria sorte e, principalmente, transmite uma perigosa mensagem de insegurança a outros aliados dos Estados Unidos na região.

Fantasia desfeita

Folha de S. Paulo

Biden foi imprudente ao executar retirada do Afeganistão e insensível ante caos

Cunhado pelo alemão Ludwig von Rochau no século 19, o termo “realpolitik” designa o exercício da política baseado em avaliações cruas da realidade e de seus impactos.

País que cultiva a mística dos pais fundadores e que supõe representar uma ideia há 245 anos, os EUA nem sempre foram aderentes à prática, preferindo maquiar suas intenções sob o verniz invariavelmente hipócrita da correção.

A vertiginosa tomada do Afeganistão pelo Taleban, grupo extremista islâmico enxotado do poder pelos americanos na esteira do atentado de 2001, abre um novo e didático capítulo nessa história.

A decisão do presidente Joe Biden de deixar o país à própria sorte, de resto já tomada por Donald Trump, tinha tantas justificativas quanto a invasão de 20 anos atrás.

O objetivo primário, desalojar a rede terrorista Al Qaeda, sob guarida do Taleban, fora conquistado. A morte do arquiteto do 11 de Setembro, Osama bin Laden, já conta dez anos. Por que ficar?

Cinco gestões de três presidentes lidaram com o dilema, que custou mais de US$ 2 trilhões e 170 mil vidas, quase todas afegãs. A questão é que havia um ideal a sustentar, o da reconstrução nacional.

Sempre criticados por sua atitude ao mesmo tempo imperialista e anticolonial, os EUA adotaram em 2001 a ideia de que levariam a democracia liberal aos afegãos.

Dois anos depois fariam um experimento ainda mais radical, no Iraque, onde os efeitos catastróficos se veem até hoje. Ali ainda havia petróleo para justificar em termos de “realpolitik” o discurso civilizatório, porém tudo se resumia a considerações de estabilidade regional no caso afegão.

Biden resolveu desfazer a fantasia e colocar sua visão de forma objetiva: os EUA deveriam ter saído de lá há anos, e os afegãos que se entendam com o Taleban agora.

Isso foi reforçado numa manifestação, nesta segunda (16), em que o democrata mostrou empatia nula ante as cenas dantescas de civis se agarrando ao trem de pouso de aviões americanos.

Eles só queriam deixar a capital afegã, temendo seu destino nas mãos talebans após aceitarem os termos da presença ocidental e, às vezes, colaborar com ela.

Biden aposta que os radicais irão se moderar para encontrar um lugar ao sol no mundo, impedindo a volta do emirado brutal e santuário de terroristas, ainda que o preço a pagar sejam as cenas imorais em Cabul e talvez mais um país na esfera econômica da China.

Foi corajoso no plano, imprudente na execução e insensível ao comentar o estrago. O resultado político é incerto, mas ele conseguiu uma Saigon para chamar de sua, na repetida analogia com a retirada do Vietnã, há 46 anos.

Presença eficiente

Folha de S. Paulo

Ao mirar faltas de servidores, projeto de Doria pode melhorar resultados do ensino público

Assim como o Brasil apresenta resultados em educação inferiores aos de certos países com gasto público comparável no setor, o estado de São Paulo perde no ensino médio para unidades da Federação mais pobres. Esses constituem sinais de que há problemas de eficiência a serem combatidos.

Boa parte deles exige debate complexo, como a correta alocação de recursos, ou depende de providências de longo prazo, como a melhora da formação dos profissionais. Entretanto há ao menos uma distorção facilmente identificável cujo enfrentamento está ao alcance da gestão cotidiana —trata-se do absenteísmo dos professores.

Em bom português, os docentes da rede pública se ausentam do trabalho além do que seria razoável, como está fartamente demonstrado na literatura.

Segundo levantamento da Secretaria da Educação paulista, a média de faltas por professor da rede estadual subiu, entre 2015 e 2018, de 8,1 para 9,5 ao ano, enquanto a duração de licenças passou de 18,6 para 29,8 dias. Somadas, são quase 40 ausências anuais por profissional.

A importância de reduzir o absenteísmo no setor foi mencionada, por exemplo, em extenso trabalho publicado em 2017 pelo Banco Mundial a respeito da eficiência do gasto público brasileiro. O documento citava que o índice chegava a 16% em São Paulo e 10% em Pernambuco, ante 5% nos EUA.

O estudo apontava motivos ambientais para o fenômeno, como violência, trânsito e estresse, mas também leis permissivas e mecanismos frágeis de monitoramento.

São corretos, nesse sentido, os objetivos do governo paulista ao propor, num projeto de ajustes administrativos, regras mais rígidas para as faltas de servidores.

Entre outras medidas, o texto elimina a possibilidade de seis ausências abonadas (sem desconto no salário) ao ano e permite a demissão de funcionários que faltem por 15 dias consecutivos ou 20 intercalados sem justificativa —a norma atual fixa 45 dias intercalados. Ademais, fica obrigatória a perícia em casos de licenças médicas.

Ainda que as alterações atinjam todo o funcionalismo estadual, a reação negativa é particularmente ruidosa entre os professores, dadas a dimensão, a importância e a organização da categoria.

Há tempo para análise e negociação da proposta, e não se justifica a oposição intransigente. Os docentes responsáveis não devem se furtar a debater a melhoria do ensino.

Incertezas começam a reduzir as previsões de crescimento

Valor Econômico

Deterioração das expectativas fiscais turva as perspectivas da economia

Durou pouco o clima de quase euforia que tomou conta dos mercados no mês passado quando se configurou a melhora na arrecadação e se vislumbrou espaço no Orçamento para turbinar o Bolsa Família a tempo das próximas eleições. O salto da dívida dos precatórios, no início deste mês, comparada ao aparecimento de um meteoro pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, jogou água fria na fervura do otimismo. A conta engoliu a margem de manobra que o governo tinha calculado pela diferença entre o teto de gastos e as despesas com aposentadorias e colocou um novo desafio fiscal. Guedes fala em risco de “shutdown” do governo se o parcelamento dos precatórios não for aprovado.

A deterioração das expectativas fiscais turvou as previsões para economia. De nada adiantou o bom resultado do setor de serviços, que mostrou recuperação em junho pelo terceiro mês consecutivo. O faturamento do setor subiu 1,7%, após os ajustes sazonais, segundo o IBGE, e passou a acumular ganho de 2% no segundo trimestre, a quarta taxa trimestral positiva. O aumento foi bastante disseminado, com difusão de 83,1%, o maior nível de toda a série histórica, iniciada em janeiro de 2012.

Mas chamou a atenção o avanço dos serviços prestados às famílias, que aumentaram 8,1% e acumulam alta de 40,3% em três meses. Ainda assim, o grupo, que reúne serviços de caráter mais presencial, como alojamento, alimentação e cabeleireiro, está 22,8% abaixo de fevereiro de 2020, antes da pandemia. Em contraponto, os serviços de tecnologia da informação e da comunicação estão 10% acima do nível pré-crise.

Também tem sido desigual a retomada nos diversos setores da economia. Aparentemente as famílias não têm recursos suficientes para gastar em serviços e compra de bens ao mesmo tempo. As vendas do varejo recuaram em junho em relação maio em 1,7% no conceito restrito e 2,3% no ampliado, que inclui veículos e material de construção, resultados que ficaram aquém das expectativas. A indústria empatou em junho com a produção de maio, quando teve avanço de 1,4% depois de três meses consecutivos de queda. A preocupação com a falta de insumos prejudica as projeções de crescimento.

O faturamento dos setores de comércio e serviços está ligeiramente acima do patamar de fevereiro de 2020, ou seja, de antes da pandemia, em 1,5% e 2,4%, respectivamente. Já a indústria, que em dezembro havia suplantado esse ponto em 3,3%, recuou ao longo do primeiro semestre e agora está exatamente no mesmo nível de fevereiro do ano passado. O IBC-Br, índice de atividade elaborado pelo Banco Central, mostra também a hesitação da economia. Ao subir 1,14% em junho, sinaliza alta de 0,2% do segundo trimestre do Produto Interno Bruto.

A questão fiscal constrange o Banco Central (BC). Por duas vezes na semana passada o presidente do BC, Roberto Campos Neto, falou dos ruídos gerados no mercado pela dúvida em relação a como será financiado o novo Bolsa Família e pela proposta de parcelar o pagamento dos precatórios. As questões voltaram a pressionar o câmbio, pondo lenha na fogueira da inflação, não mais considerada temporária, pressionada também pela crise hídrica. Tudo isso levou o Comitê de Política Monetária (Copom) a escancarar a intenção de elevar a taxa básica de juros acima do patamar neutro, o que terá impacto negativo no nível de atividade.

O cenário externo não é igualmente favorável. Parece cada vez mais próximo o momento em que o Federal Reserve (Fed) vai reduzir os estímulos monetários à economia, com a diminuição da compra de ativos, o que deve enxugar a liquidez dos mercados. Não só os Estados Unidos, mas também a China e a União Europeia devem voltar a crescer próximo do potencial, o que vai reduzir a demanda por commodities e as atividades de comércio exterior.

Esses fatores, potencializados pela antecipação do debate eleitoral, e pelas dúvidas em relação à evolução do combate à pandemia, já provocam uma revisão das previsões de crescimento neste ano, ainda incipiente, e com mais força para 2022.

O Itaú, por exemplo, que projetava expansão de 5,8% agora fala em 5,7%. É preciso levar em conta que a herança estatística neste ano é de 3,6%. Já para o próximo ano, com “carry over” de 1%, as revisões são mais significativas. O Credit Suisse reduziu a projeção de 2,5% para 2%, alinhando-se à indicação da pesquisa Focus de 2,04% ontem. Revisões mais fortes vêm do Itaú, de 2% para 1,5%; e da MB Associados, de 1,8% para 1,4%.

 

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