O Estado de S. Paulo
Presidente insiste na ideia da eleição
fraudada porque sabe que ele próprio a encarna
Só um débil mental ou um idiota total se
submeteria ao vexame que o presidente da República protagonizou em sua live de
29 de julho sem ter certeza absoluta do que tinha a dizer. Mas ele não cumpriu
a garantia de relatar provas de fraude nas urnas eletrônicas. E tentou
disfarçar duas mentiras dizendo: “Não tem como comprovar que as eleições foram
ou não fraudadas. Um crime se revela com vários indícios”. Nenhum sistema penal
do mundo civilizado condena um réu sem culpa comprovada. A milenar presunção de
inocência é expressa em latim in dubio pro reo (na dúvida, a favor do
réu). Mesmo considerando sua crassa ignorância, nada o autoriza a substituir
prova por indício, que não são sinônimos em língua alguma.
A falácia patética, se não fosse patológica, foi cometida em flagrante delito de uso do espaço público (o palácio) e divulgada por rede oficial de televisão e rádio, cujo funcionamento revela estelionato do chefe do Executivo na conquista do eleitorado. A ex-TV Lula, tornada TV Jair, foi jurada de extinção pelo candidato à Presidência no último pleito como uma das consequências de seu lema mais eficaz: “Mais Brasil e menos Brasília”. A mera transmissão comprova a falsa promessa eleitoral. Mas ninguém pode dizer que o chefe do desgoverno tenha economizado. Muitos outros crimes cometeu na stand up comedy por ele encenada, agora com o evidente objetivo de enganar mais eleitores na disputa de 2022.
Também não se pode dizer que tenha
dispensado cúmplices. Desta vez um estreante entre os habituais coadjuvantes do
show mambembe, chamado por ele de “analista Eduardo”, coronel de Artilharia
(portanto, seu coleguinha na “modalidade de matar”, como define a arma) da
reserva Eduardo Gomes da Silva, disse que “as urnas têm problemas e precisam de
melhorias”. Fê-lo baseado na experiência que teve de espionar a fidelidade de
parlamentares governistas em votações e redes sociais para informar ao seu
chefe, o general Luiz Eduardo Ramos, se mereciam que fossem liberadas as
emendas orçamentárias que eles exigiam.
“Sem eleições limpas e democráticas, não
haverá eleição. (…) Nós exigimos juntos, pois vocês são de fato o meu
exército”, proclamou o próprio Jair Bolsonaro no vídeo para a chamada das
manifestações convocadas para domingo 1.º de agosto, em apoio ao voto impresso.
Por isso, no 6.º Seminário Caminhos Contra a Corrupção, do Instituto Não Aceito
Corrupção, o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior lhe atribuiu “a prática
de homicídios comissivos em série”, ou seja por ação direta, não por omissão. O
presidente da República, aliás, cometeu também o mais grave dos crimes de não
fazer o que deveria. De acordo com o filósofo e sociólogo José Augusto Guilhon
de Albuquerque, em entrevista publicada no Blog do Nêumanne no portal
do Estadão, mesmo tendo sido eleito para isso, não governa. Dever também
não cumprido pelos aliados do Centrão, que, segundo o entrevistado, só saqueiam
o erário.
A narrativa mentirosa com a falsa
reivindicação do voto impresso (de interesse exclusivo de milícias) é pretexto
para autogolpe similar ao ensaiado por Donald Trump nos Estados Unidos para
impedir a posse do vitorioso na eleição presidencial. E faz parte de um projeto
mais amplo de extermínio de instituições democráticas e conquistas da
civilização, objetivos do neonazismo e do neofascismo, expostos em sua pose
gaiata ao lado de Beatrix Storch, neta de um ex-ministro de Adolf Hitler no 3.º
Reich.
Segundo o Instituto Socioambiental, em dois
anos e meio de seu desgoverno a devastação da Amazônia Legal aumentou 48,31%,
com unidades de conservação e terras indígenas afetadas. Ele resistiu a demitir
o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, flagrado em participação em
furto de madeira nobre do bioma. A demolição da instrução pública, iniciada
pelo bancário Abraham Weintraub e completada pelo pastor Milton Ribeiro, tem o
mesmo objetivo de volta à barbárie. Assim como a negativa de impedir o incêndio
do depósito da Cinemateca Brasileira na Vila Leopoldina, se tivesse entregado a
gestão da instituição cultural ao Estado de São Paulo. O pior de sua obra de
exterminador da vida e do bem é a sabotagem criminosa às medidas restritivas do
contágio da pandemia (isolamento e uso de máscara), à imunização salvadora, e a
prescrição de charlatão de remédios ineficazes para reduzir a mortandade.
O vice-presidente da Câmara dos Deputados,
Marcelo Ramos, tem razão ao escrever no Twitter: “Já passou da hora do STF,
Câmara e Senado colocarem um limite a postura golpista e conspiratória do
Presidente da República. Se não fizeram isso agora, quando decidirem fazer,
será tarde demais. Todos que se acham protegidos hoje podem ser as próximas
vítimas”.
De fato, a hora é já. E, por enquanto, só a
Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, no Senado, e o Tribunal de Contas
da União parecem ter atentado para a gravidade desta hora. Bolsonaro tem razão:
a democracia e a civilização são ameaçadas pela real fraude eleitoral, que ele
encarna, ao trair os cidadãos que o sufragaram pelo fim da corrupção.
*Jornalista, poeta e escritor
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