EDITORIAIS
Mentiras de Bolsonaro impõem teste ao TSE
O Globo
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem dado sucessivas mostras de que não
tolerará os ataques do presidente Jair Bolsonaro e de seus seguidores ao
sistema eleitoral brasileiro. Depois da nota histórica em defesa da urna
eletrônica assinada pelos presidentes do tribunal no passado, presente e
futuro, a Corte abriu inquérito administrativo para investigar o próprio
Bolsonaro por “abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação
social, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda
extemporânea, relativamente aos ataques contra o sistema eletrônico de votação
e à legitimidade das eleições 2022”. O pedido do corregedor-geral da Justiça
Eleitoral, Luis Felipe Salomão, foi aprovado por unanimidade pelos ministros.
A decisão foi tomada num clima que tem esquentado nas últimas semanas. Em junho, Salomão dera 15 dias para Bolsonaro enviar provas que sustentassem suas acusações descabidas de fraudes. O recesso do Judiciário acabou por estender o prazo até 2 de agosto. Num primeiro momento, Bolsonaro disse que não tinha de apresentar provas, depois prometeu que as tornaria públicas na live da última quinta-feira, em que repetiu suas fabulações sem base alguma na realidade. No fim de semana, bolsonaristas foram às ruas defender a quimera do voto impresso — nas palavras certeiras do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, solução para um problema que não existe.
Ao longo da live de Bolsonaro, o tribunal
fez 18 esclarecimentos. Desta vez, porém, o TSE ampliou o contra-ataque para
além dos desmentidos que demonstram a segurança e confiabilidade da urna
eletrônica. Para os ministros, as mentiras passaram do limite. Não basta
apontá-las. É preciso, no entender da Corte, investigar o presidente, por
“possível conduta criminosa”.
Além do inquérito administrativo, o TSE
pediu a inclusão de Bolsonaro no inquérito das fake news em curso no Supremo
Tribunal Federal (STF), cujas provas já haviam sido compartilhadas com as ações
contra a chapa Bolsonaro-Mourão que tramitam no próprio TSE. Caberá ao ministro
Alexandre de Moraes, que presidirá o tribunal nas eleições do ano que vem,
decidir se inclui Bolsonaro como alvo da apuração. Barroso resumiu de modo
duríssimo o pensamento da Corte ao iniciar a primeira sessão após o recesso: “A
ameaça à realização de eleições é uma conduta antidemocrática. (…) Conspurcar o
debate público com desinformação, mentiras, ódio e teorias conspiratórias é
conduta antidemocrática”.
Como face visível da defesa do voto
eletrônico, Barroso tem sido o alvo preferido de Bolsonaro, que voltou ontem a
atacá-lo. Em seu primeiro ano, o presidente fez em média uma declaração falsa
ou distorcida sobre o processo eleitoral a cada 12 dias. No segundo, a cada quatro.
De janeiro ao início de agosto, a cada dois dias e meio, segundo o site Aos
Fatos. Com medo de perder em 2022, Bolsonaro tenta pavimentar o caminho para
uma eventual virada de mesa ao estilo “invasão do Capitólio”.
A reação do TSE em defesa do processo
eleitoral é esperada e bem-vinda diante das barbaridades do presidente. Mas que
fique claro: o choque institucional também desgasta a democracia. Evidentemente
o tribunal não pode recuar na defesa de um valor primordial. Cabe a Bolsonaro,
portanto, reconhecer seus limites — ou cedo ou tarde as instituições o
obrigarão a fazê-lo.
Ensino em tempo integral é chave para
melhorar educação no país
O Globo
É preocupante quando se constata que a educação no Brasil, além de não avançar,
anda para trás. Foi o que aconteceu com o ensino em tempo integral, padrão em
países que deram saltos de desenvolvimento. Dados do Anuário Brasileiro da
Educação Básica, divulgado pelo movimento Todos pela Educação em parceria com a
editora Moderna, mostram que, entre 2015 e 2020, houve redução de 31% no número
de matrículas em tempo integral na educação básica.
No ano passado, apenas 12,9% das matrículas
nessa faixa foram em tempo integral (eram 14,2% em 2019). O Plano Nacional de
Educação prevê que elas alcancem 24% em 2024, um desafio especialmente
relevante diante dos estragos da pandemia. O tempo integral é a saída mais
sensata para recuperar os alunos depois de quase um ano e meio de escolas
fechadas.
O recuo ficou concentrado no ensino
fundamental. Entre o primeiro e o quinto ano, houve redução de 63% no período
2015-2020. Entre o sexto e o nono, a queda foi de 55%. A boa notícia é que, no
ensino médio, a taxa dobrou, atingindo 103%. Na educação infantil, subiu 13%.
Uma das explicações para as diferenças foi a prioridade dada ao ensino médio e
a redução de verbas de programas federais para financiar o ensino em tempo
integral.
Também na implantação do tempo integral há
disparidades pelo país. A rede estadual de Pernambuco se sobressai com 54% de
alunos do ensino médio em turno único. A estratégia dá resultado. Mantendo os
estudantes mais tempo em sala, o estado obteve o terceiro melhor resultado do
país no Ideb.
Não se questionam as dificuldades que
estados e prefeituras têm para implantar o ensino em tempo integral, que
demanda uma estrutura mais robusta. A experiência de Pernambuco mostra que não
é preciso construir novas escolas, mas sim reorganizar as turmas. Dá para
estender salas de aula sem grandes investimentos. O custo aumenta ao redor de
30% para o aluno ter o dobro de aulas, e a evasão desaba (cai a 1%). “Esse
custo se paga”, diz Priscila Cruz, presidente executiva do movimento Todos pela
Educação. “A repetência é menor, a evasão é menor, então você tem um ganho.”
No Rio, os Cieps, escolas em tempo integral
criadas nos anos 80 durante o governo Brizola, foram quase todos convertidos em
colégios convencionais, com turnos. Em muitos estados, os próprios pais
rejeitam o tempo integral por impedir que os filhos trabalhem. É um erro.
Criança tem de estar na escola, não trabalhando.
O Brasil não conseguirá recuperar as perdas
e avançar na educação se não perseguir como meta a ampliação do ensino em tempo
integral. Agora, mais do que nunca, já que o estrago provocado pela pandemia na
educação é imensurável. Evidentemente tudo tem um custo. Mas o país precisa
enfrentá-lo se quiser trilhar o caminho que outros países seguiram no rumo do
desenvolvimento. Criança tem de passar o dia na escola, plenamente acolhida.
Não se trata de escolha, porque a escolha, nesse caso, é entre ter e não ter
futuro.
Da palavra à ação
O Estado de S. Paulo
O Tribunal Superior Eleitoral finalmente reagiu ao liberticida Jair Bolsonaro e de ofício, sem esperar pela iniciativa do Ministério Público Eleitoral
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
finalmente reagiu ao liberticida Jair Bolsonaro.
Primeiro, aprovou por unanimidade a
abertura de inquérito administrativo contra o presidente, que reiteradamente
tem atacado a legitimidade das eleições do ano que vem e a lisura da Justiça
Eleitoral, sem apresentar provas de suas acusações. Se constatado que Bolsonaro
praticou “abuso de poder econômico e político, uso indevido dos meios de
comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e
propaganda extemporânea”, como está citado na resolução do TSE, o presidente
pode ser impedido de concorrer à reeleição.
Na mesma sessão, o TSE, também por
unanimidade, decidiu encaminhar ao Supremo Tribunal Federal (STF) notícia-crime
contra Bolsonaro para apurar “possível conduta criminosa” do presidente no
âmbito das investigações sobre a disseminação de notícias fraudulentas para
prejudicar o STF. À petição, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto
Barroso, anexou o pronunciamento que Bolsonaro fez na quinta-feira passada, no
qual reiterou mentiras sobre o sistema de votação e colocou em dúvida a honestidade
da Justiça Eleitoral.
Nos dois casos, o TSE agiu de ofício, ou
seja, não esperou que a iniciativa partisse do Ministério Público Eleitoral.
Afinal, o procurador-geral eleitoral e da República, Augusto Aras, já mostrou
que não está interessado em fazer o presidente responder por suas agressões à
democracia, embora a função constitucional da Procuradoria-Geral da República
seja justamente a de defender a ordem jurídica e o regime democrático.
Há um longo caminho até uma eventual
punição concreta de Bolsonaro, mas o que importa, neste momento, é que afinal
se passou da palavra à ação: depois de inúmeras notas de protesto, mensagens
indignadas e declarações escandalizadas de ministros das Cortes superiores, o
Judiciário afinal cumpriu seu papel institucional intrínseco, ao chamar o
presidente à sua responsabilidade.
Mas as palavras, necessárias, também não
faltaram. No momento em que se anunciavam os inquéritos contra Bolsonaro, o
ministro Barroso, na condição de presidente do TSE, deixou claro que a ameaça à
realização de eleições, como as que o presidente da República tem feito, “é uma
conduta antidemocrática”. E acrescentou: “Conspurcar o debate público com
desinformação, mentiras, ódio e teorias conspiratórias é conduta
antidemocrática”. Além dos votos de todos os colegas de TSE, o ministro Barroso
estava respaldado por uma nota conjunta de todos os seus antecessores desde
1988, na qual reiteraram que “jamais se documentou qualquer episódio de fraude
nas eleições” desde a adoção da votação eletrônica.
Um pouco antes, na reabertura dos trabalhos
do Supremo, o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, destacou que “harmonia e
independência entre os Poderes não implicam impunidade de atos que exorbitem o
necessário respeito às instituições” e que ataques aos ministros das Cortes
superiores, como os que Bolsonaro faz, “corroem sorrateiramente os valores
democráticos”.
Mesmo diante dessa robusta manifestação
institucional contra seus atentados à democracia, o presidente não recuou. Ao
contrário: reafirmou suas ofensas ao ministro Barroso e suas ameaças às
eleições. Disse que o ministro Barroso – a quem Bolsonaro já chamou de “idiota”
e “imbecil” – “presta um desserviço à nação brasileira”. Acrescentou que está
pessoalmente numa “briga” com o magistrado porque este estaria “querendo impor
sua vontade”. E declarou: “Jurei dar minha vida pela pátria, não aceitarei
intimidações”.
Bolsonaro segue assim a cartilha
tradicional dos candidatos a ditador: escolhe um inimigo, a quem atribui todo o
mal, e se apresenta como vítima de perseguição de forças ocultas. Reivindica
ter seu próprio “exército” – se não as Forças Armadas, que seja o punhado de
camisas pardas que o adulam – e ameaça desestabilizar o País se não lhe fizerem
suas vontades e as de sua família. Tem tudo para ser apenas bravata, mas, pelo
sim, pelo não, Bolsonaro deve saber que esta República, ao contrário do que ele
gostaria, não é uma terra sem lei.
A estabilidade do funcionalismo
O Estado de S. Paulo
É preciso resgatar o sentido da estabilidade do servidor, limitando-a aos casos necessários
As denúncias feitas pelo servidor do
Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda sobre irregularidades no contrato de
aquisição da vacina Covaxin não serviram apenas para questionar a lisura do
governo Bolsonaro no trato com o dinheiro público. O escândalo também tem sido
usado como argumento para defender o regime de estabilidade do funcionalismo
público.
“Se não fosse a estabilidade, ele não
estaria aqui sentado com a coragem que ele tem de denunciar isto tudo que está
ocorrendo”, disse o deputado Luis Miranda (DEM-DF), irmão de Luis Ricardo
Miranda, na CPI da Pandemia. Desde então, algumas corporações de funcionários
públicos querem usar o escândalo da Covaxin como pretexto para manter as atuais
regras sobre a estabilidade.
No entanto, ao contrário do que pretendem
essas corporações, o caso envolvendo a vacina do laboratório indiano Bharat
Biotech não é nenhuma demonstração de que as regras atuais de estabilidade do
funcionalismo público sejam necessárias ou mesmo adequadas. O debate sobre o
regime atual é importante, pois afeta diretamente a capacidade de o poder
público cumprir suas funções e prover serviços públicos de qualidade.
A Constituição de 1988 estabeleceu o que se
pode chamar de estabilidade indiscriminada. Com redação dada pela Emenda
Constitucional (EC) 19/1998, o art. 41 prevê que “são estáveis após três anos
de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em
virtude de concurso público”.
Segundo o texto constitucional, não existe
estabilidade absoluta. Estabeleceu-se que o servidor estável pode perder o
cargo em três hipóteses: sentença judicial transitada em julgado, processo
administrativo com ampla defesa ou procedimento de avaliação periódica de
desempenho, “na forma de lei complementar”. Na prática, a estabilidade continua
sendo quase absoluta, pois o Congresso ainda não regulamentou a demissão por
mau desempenho.
Tem-se, assim, um regime de estabilidade
desproporcionalmente amplo e rígido. Nos países desenvolvidos, só alguns postos
contam com a prerrogativa, como juízes, soldados, fiscais ou policiais. Na
Suécia e na Espanha, por exemplo, apenas 1% dos funcionários trabalha em regime
estatutário. Na Grã-Bretanha são 10%, e mesmo assim com estabilidade parcial.
O Estado deve ter um corpo burocrático
qualificado, mas isso não significa conceder estabilidade a todos os
servidores, como se faz no Brasil. Num regime assim, além de engessar o poder
público, a estabilidade se converte numa espécie de privilégio próprio do
funcionalismo.
É preciso resgatar o sentido da
estabilidade do servidor, limitando-a aos casos necessários. Sua finalidade é
proteger determinadas carreiras de pressões indevidas, de forma a assegurar a
qualidade e a continuidade do serviço público. Em último termo, a estabilidade
protege a coletividade, e não o funcionário que ocupa o posto público.
No entanto, a prerrogativa da estabilidade
foi desvirtuada no País, sendo transformada em instrumento de acomodação de
interesses políticos e eleitorais ou, em alguns casos, em subterfúgio para
encobrir incompetência e desídia.
Em vez de justificar a estabilidade
indiscriminada do funcionalismo, o caso da Covaxin mostra a necessidade de que
a administração pública, em seus mais diversos âmbitos, disponha de um sistema
eficiente de apresentação de denúncias. Todo denunciante deve sentir-se seguro,
seja servidor estável, terceirizado ou irmão de parlamentar. Afinal, coibir a
propagação do delito e da ineficácia é dever fundamental de qualquer
funcionário.
Apesar de sua timidez, afetando apenas os
futuros servidores, a reforma administrativa em discussão no Congresso aponta
na direção correta em relação à estabilidade, restringindo essa prerrogativa a
carreiras típicas de Estado. No entanto, a proposta comete o equívoco de deixar
para depois a definição de carreiras típicas, a ser feita por lei complementar.
Tão importante como corrigir excessos e desequilíbrios do texto constitucional,
é regulamentar o que a Constituição já prevê, como a demissão por mau
desempenho.
Repique de inflação e juros
O Estado de S. Paulo
Segunda maior inflação do século alimenta
apostas na alta de juros
O Brasil poderá encerrar 2021 com inflação
de 6,56%, a segunda maior desde a virada do século, se a disparada dos preços
confirmar a última projeção do mercado financeiro e das grandes consultorias.
Resultado pior, desde o ano 2000, só ocorreu no final do governo da presidente
Dilma Rousseff, com a taxa anual de 10,67% registrada em 2015. Forte aperto
monetário, com juros básicos a 14,25%, foi a resposta imediata do Banco Central
(BC). A ação do novo governo foi eficaz, os juros começaram a cair e chegaram a
7% em dezembro de 2017. Continuaram em queda depois da eleição presidencial,
batendo em 2% em agosto de 2020, mas voltaram subir, neste ano, por causa de um
repique inflacionário, e devem seguir em alta, encarecendo o crédito e
atrapalhando o consumo.
Diante da nova onda de aumentos de preços,
pesadelo para as famílias e desafio para o BC, economistas do mercado elevam as
apostas em novo arrocho monetário. Pela estimativa recém-divulgada, no fim do
ano a taxa básica de juros estará de novo em 7%. Há um mês a projeção indicava
6,50%. O primeiro degrau da escalada será anunciado na próxima quarta-feira,
depois da reunião periódica do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. O
próprio Copom, depois da última reunião, havia insinuado um aumento de 0,75 ponto
porcentual, igual aos dois anteriores. Não haverá surpresa, no entanto, se a
taxa básica passar a 5,25%, com elevação de 1 ponto por causa da aceleração da
alta de preços.
A inflação oficial, medida pelo Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), deve superar com folga, pelas
projeções correntes, o centro da meta deste ano (3,75%) e também o limite de
tolerância (5,25%). Mas a taxa de 6,56%, estimada pelos técnicos do mercado, só
será possível se os aumentos ficarem mais moderados. Não há sinal claro de
moderação, no entanto, apesar de alguma oscilação das taxas mensais.
Em julho, a prévia da inflação deste mês,
medida entre os dias 15 de junho e 13 de julho, ficou em 0,72%. Embora menor
que a anterior (0,83%), essa taxa ainda é muito alta e o ritmo permanece
incompatível com os limites oficiais. No ano, os preços subiram 4,88%. Em 12
meses, 8,59%. Os dados são do IPCA-15, elaborado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
A persistência do ritmo acelerado é
confirmada por outras instituições de pesquisa, como a Fundação Getulio Vargas
(FGV). O Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) subiu 0,90% na terceira
quadrissemana de julho, encerrada no dia 22. No período terminado no dia 15 a
alta havia chegado a 0,88%. Os aumentos se intensificaram em quatro das sete
capitais cobertas em cada apuração. Em 12 meses o índice geral avançou 8,73%.
Os principais motores da alta de preços têm
variado de um mês para outro, mas as pressões sobre as famílias têm permanecido
muito fortes, quase sem alívio. Durante algum tempo, desde o ano passado, a
inflação mais sensível foi a dos preços da alimentação. Comida cara é sempre
uma grave complicação, mas outros aumentos também dificultam seriamente o dia a
dia.
Não basta ter arroz e feijão. É preciso
cozinhar, e o preço do gás de botijão subiu 3,89% em um mês, segundo o IPCA-15.
O custo do transporte público também preocupa seriamente a maioria dos
trabalhadores, assim como a tarifa de eletricidade. Com reservatórios muito
baixos, por causa da escassez de chuvas, tem sido necessário recorrer à
energia, bem mais cara, gerada pelas centrais térmicas.
Parte da inflação tem sido ocasionada pelas cotações internacionais de produtos agropecuários e de minérios. Outra parte dos problemas tem sido provocada pela seca. Mas uma parcela nada desprezível tem decorrido da instabilidade cambial, porque o valor do dólar acaba afetando muitos preços internos. Hoje o câmbio reflete, no Brasil, principalmente as tensões políticas e a insegurança sobre a gestão das contas públicas. Inflação se fabrica também na Praça dos Três Poderes e, de modo especial, no Palácio do Planalto. Essa inflação nenhum banco central consegue deter.
Resposta vigorosa
Folha de S. Paulo
Ao reagir a ataques à democracia,
Judiciário estreita os limites de Bolsonaro
As mistificações de Jair Bolsonaro e sua
celerada ofensiva contra as instituições democráticas e o processo eleitoral
receberam resposta vigorosa da cúpula do Poder Judiciário na segunda-feira (2).
Na reabertura dos trabalhos do Supremo
Tribunal Federal, o ministro
Luiz Fux cobrou respeito aos limites demarcados pela ordem constitucional e
reafirmou o papel exercido pela corte que preside como guardiã das regras do
jogo.
Todos os ex-presidentes do Tribunal
Superior Eleitoral ainda vivos vieram a público defender as urnas eletrônicas
que há duas décadas garantem a lisura das eleições brasileiras —e que o chefe
do Executivo busca desacreditar com suas patranhas.
Coube ao atual presidente do TSE, Luís
Roberto Barroso, expressar de forma mais veemente o repúdio aos ataques
reiterados do mandatário. “Conspurcar o debate público com desinformação, mentiras,
ódio e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática.”
Reforçando palavras com ações, tomaram-se
duas providências para que a conduta de Bolsonaro seja
investigada e ele possa ser responsabilizado por suas ofensas.
O corregedor-geral eleitoral, ministro Luís
Felipe Salomão, abriu inquérito administrativo para examinar não só as
investidas contra as urnas eletrônicas mas também abusos de poder e outros
crimes associados à campanha golpista que o presidente empreende.
Os responsáveis pelas averiguações terão
poderes para realizar buscas e convocar testemunhas, incluindo autoridades
participantes do espetáculo ultrajante da semana passada em que Bolsonaro usou
a internet para minar a confiança da população nas urnas.
Barroso pediu ainda que o ministro
Alexandre de Moraes, que há dois anos conduz investigações sobre a disseminação
de notícias falsas e ataques contra o STF, amplie o escopo do inquérito
criminal para escrutinar os atos de Bolsonaro.
Causa incômodo a opção por abrir
investigações de ofício, sem consulta prévia ao Ministério Público Federal, mas
cumpre apontar que se trata de resposta à complacência com que a
Procuradoria-Geral da República e o presidente da Câmara dos Deputados tratam
os desmandos do presidente.
A reação do Judiciário define com firmeza
os limites cada dia mais estreitos em que o chefe do Executivo se movimenta e
aumenta os riscos da sua aposta na confusão.
Bolsonaro pode até continuar propagando
suas teses alucinadas e incitando fanáticos a tumultuar as eleições, como
voltou a fazer nesta terça-feira (3). Entretanto não poderá mais se furtar a
prestar contas de suas ações temerárias contra as instituições que até aqui
agrediu impunemente.
Pago quando puder
Folha de S. Paulo
Salto do gasto com derrotas judiciais não
pode ser enfrentado com pedaladas
Depois de um salto da dívida pública gerado
pelo combate à pandemia, o governo federal está diante de nova emergência
orçamentária. Constatou-se que será preciso pagar no próximo ano quase R$ 90
bilhões decorrentes de derrotas judiciais, o que corresponde a uma alta
vertiginosa ante os pouco mais de R$ 50 bilhões deste 2021.
É imprescindível que se investiguem e se
divulguem, com urgência e clareza, os motivos para uma expansão tão descomunal
dessa despesa —e se houve, também nesse caso, negligência, imperícia ou
irresponsabilidade por parte das autoridades envolvidas. Em qualquer hipótese,
no entanto, há um problema imediato a ser resolvido.
Trata-se, claro, de como pagar essa conta
com o menor sacrifício possível para a sociedade. Quanto a isso, a ideia inicial
do Ministério da Economia é tristemente familiar: não pagar
essa conta.
Não toda ela de uma só vez, ao menos. Pelo
projeto, as dívidas de valor acima de 60 salários mínimos (R$ 66 mil) seriam
parceladas em até dez anos; seria criado ainda um fundo, com recursos oriundos
de dividendos e vendas de ações, para o pagamento desses precatórios e para
ações sociais.
O plano suscitou de pronto paralelos com as
célebres pedaladas fiscais que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Aqui cabe uma ponderação: é melhor que intervenções no gasto público sejam
propostas de forma aberta, para votação no Congresso, em vez de postas em
prática com manobras obscuras e truques de contabilidade.
Isso dito, o impacto da medida no Orçamento
corresponde, sim, ao de uma pedalada —vale dizer, abre-se caminho para mais
despesa no presente jogando contas para o futuro. Desta vez, driblando o teto
para os desembolsos do governo em um ano eleitoral.
“Devo, não
nego, pagarei assim que puder”, declarou o ministro Paulo Guedes,
durante seminário promovido pelo site Poder 360, sem contribuir em nada para a
credibilidade da propositura.
É desejável que se amplie o Bolsa Família,
como pretende o governo, mas com respeito aos limites para o gasto orçamentário
total. Para tanto impõe-se parcimônia com ações menos prioritárias.
Compreende-se a gravidade do novo revés
fiscal, porém há que enfrentá-lo com providências menos ligeiras do que apenas
um calote a pesar sobre as administrações futuras —e a minar ainda mais a
confiança no Estado brasileiro.
Tática de confronto bolsonarista tende a
constranger Centrão
Valor Econômico
A restrição, pelas instituições, dos atos
maléficos de Bolsonaro, terá consequências cruciais sobre a atitude da sua
frágil base de apoio político
Nada parece conter as ofensivas
antidemocráticas do presidente Jair Bolsonaro, mesmo depois de ter entregue, ou
vendido, a “alma” de seu governo para o Centrão, ao nomear para a Casa Civil
Ciro Nogueira (PP-PI). Bolsonaro se concentrou agora na questão do voto
impresso para pôr em dúvida as eleições de 2022, sob ameaça se seu capricho não
for satisfeito. O então deputado federal, seus três filhos e o hoje presidente
foram eleitos pelo sistema em vigor, sem que, desde 1995, proferissem uma
palavra sequer sobre fraudes.
Não é apenas o fato de Bolsonaro ter
vencido a eleição presidencial para reclamar em seguida que elas foram
fraudadas - ele teria ganho no primeiro turno, apregoa - que torna bizarra a
fuzarca mal intencionada patrocinada pelo governo em torno do assunto. A live
com dinheiro público e rede oficial de TV na semana passada para apresentar
supostas provas de malfeitos foi um espetáculo deprimente. Após meses
maldizendo urnas eletrônicas, o presidente só foi capaz de apresentar vídeos
primários, um testemunho de um astrólogo que fez acupuntura em árvores, para
concluir pateticamente que não tem como provar a existência de fraudes, apenas “indícios”.
Depois de fracassar em seu intuito de
convencer pessoas sem argumentos críveis - prática cotidiana do presidente da
República - Bolsonaro sacramentou sua aliança com o PP, representante do
Centrão e de tudo o que ele tem de nefasto na história da política brasileira -
condenado igualmente pelo então candidato Bolsonaro, quando quis ser rebatizado
sob a benção da “nova política”. Ciro Nogueira e o presidente da Câmara, Arthur
Lira, integraram o processo do “Quadrilhão do PP” na Operação Lava-Jato, encerrado
pelo Supremo Tribunal Federal por falta de provas. Outros processos por
recebimento de propinas de empresas correm na Justiça contra ambos.
A aproximação de Bolsonaro com o Centrão
foi rápida. Para o presidente, assim como era natural desdenhar apoio
partidário no Congresso para governar, tornou-se agora natural dividir o
governo e sua “alma” com velhos companheiros da política. “Nasci de lá”, disse
Bolsonaro sobre o grupo e sua longa permanência como deputado do baixo clero no
PP. É de se supor que o presidente se sinta à vontade com os métodos e as
formas de fazer política dos novos egressos em sua administração.
O caminho para uma aliança tão conveniente
ao presidente não o leva ao paraíso e talvez mal possa conduzi-lo às urnas,
apesar das afinidades. O PP é herdeiro da Arena, partido da ditadura militar, e
seu campeão de votos por muito tempo foi Paulo Maluf, o candidato do governo na
eleição indireta do fim do regime militar. A familiaridade com o autoritarismo
os aproxima, de certa forma. O instinto de sobrevivência, por outro lado, pode
separá-los.
O governo conta com melhoria expressiva da
economia para elevar a popularidade do presidente, assim como com o reforço dos
programas sociais, em especial o Bolsa Família. As ações para abrir espaço no
orçamento para isso, como a do parcelamento de precatórios, estão em curso.
Como ao PP só interessam verbas e obras, a austeridade fiscal corre risco de
ser mandada às favas. Bolsonaro não tem compromisso com ela, seus companheiros
de viagem também não, o que prenuncia mais desgaste, e menos poder, para o
ministro da Economia, Paulo Guedes. No limite, se o presidente não ganhar
competitividade ao longo dos próximos meses, Bolsonaro pode até prescindir de
seu “Posto Ipiranga”.
Os modos e costumes do PP, entretanto, são
distintos dos de Bolsonaro. O partido progride a olhos vistos no sistema
democrático e quer mais. O PP já tem a Casa Civil e a Secretaria de Governo e
almeja novas arrancadas eleitorais, movidas a verbas públicas. O apoio a
Bolsonaro é condicionado por essa perspectiva de poder, objetivo que pode se
revelar contraditório com o que o presidente quer fazer para manter-se aonde
está. A estratégia de conflito permanente prejudica seus novos (velhos)
aliados.
A reação do Tribunal Superior Eleitoral,
STF e demais instituições aos ataques antidemocráticos de Bolsonaro é
importante em si, mas também porque tende a abrir uma cunha entre o Centrão e
Bolsonaro. Conhecendo por dentro o Centrão no qual “nasceu”, Bolsonaro talvez
saiba que não tem um cheque em branco. A restrição, pelas instituições, dos
atos maléficos do presidente, terá consequências cruciais sobre a atitude da
sua frágil base de apoio político, além de tender a dissuadir seus adeptos
entusiasmados nas casernas.
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