quarta-feira, 4 de agosto de 2021

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

Mentiras de Bolsonaro impõem teste ao TSE

O Globo

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem dado sucessivas mostras de que não tolerará os ataques do presidente Jair Bolsonaro e de seus seguidores ao sistema eleitoral brasileiro. Depois da nota histórica em defesa da urna eletrônica assinada pelos presidentes do tribunal no passado, presente e futuro, a Corte abriu inquérito administrativo para investigar o próprio Bolsonaro por “abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea, relativamente aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das eleições 2022”. O pedido do corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, foi aprovado por unanimidade pelos ministros.

A decisão foi tomada num clima que tem esquentado nas últimas semanas. Em junho, Salomão dera 15 dias para Bolsonaro enviar provas que sustentassem suas acusações descabidas de fraudes. O recesso do Judiciário acabou por estender o prazo até 2 de agosto. Num primeiro momento, Bolsonaro disse que não tinha de apresentar provas, depois prometeu que as tornaria públicas na live da última quinta-feira, em que repetiu suas fabulações sem base alguma na realidade. No fim de semana, bolsonaristas foram às ruas defender a quimera do voto impresso — nas palavras certeiras do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, solução para um problema que não existe.

Ao longo da live de Bolsonaro, o tribunal fez 18 esclarecimentos. Desta vez, porém, o TSE ampliou o contra-ataque para além dos desmentidos que demonstram a segurança e confiabilidade da urna eletrônica. Para os ministros, as mentiras passaram do limite. Não basta apontá-las. É preciso, no entender da Corte, investigar o presidente, por “possível conduta criminosa”.

Além do inquérito administrativo, o TSE pediu a inclusão de Bolsonaro no inquérito das fake news em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), cujas provas já haviam sido compartilhadas com as ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão que tramitam no próprio TSE. Caberá ao ministro Alexandre de Moraes, que presidirá o tribunal nas eleições do ano que vem, decidir se inclui Bolsonaro como alvo da apuração. Barroso resumiu de modo duríssimo o pensamento da Corte ao iniciar a primeira sessão após o recesso: “A ameaça à realização de eleições é uma conduta antidemocrática. (…) Conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódio e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática”.

Como face visível da defesa do voto eletrônico, Barroso tem sido o alvo preferido de Bolsonaro, que voltou ontem a atacá-lo. Em seu primeiro ano, o presidente fez em média uma declaração falsa ou distorcida sobre o processo eleitoral a cada 12 dias. No segundo, a cada quatro. De janeiro ao início de agosto, a cada dois dias e meio, segundo o site Aos Fatos. Com medo de perder em 2022, Bolsonaro tenta pavimentar o caminho para uma eventual virada de mesa ao estilo “invasão do Capitólio”.

A reação do TSE em defesa do processo eleitoral é esperada e bem-vinda diante das barbaridades do presidente. Mas que fique claro: o choque institucional também desgasta a democracia. Evidentemente o tribunal não pode recuar na defesa de um valor primordial. Cabe a Bolsonaro, portanto, reconhecer seus limites — ou cedo ou tarde as instituições o obrigarão a fazê-lo.

Ensino em tempo integral é chave para melhorar educação no país

O Globo

É preocupante quando se constata que a educação no Brasil, além de não avançar, anda para trás. Foi o que aconteceu com o ensino em tempo integral, padrão em países que deram saltos de desenvolvimento. Dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica, divulgado pelo movimento Todos pela Educação em parceria com a editora Moderna, mostram que, entre 2015 e 2020, houve redução de 31% no número de matrículas em tempo integral na educação básica.

No ano passado, apenas 12,9% das matrículas nessa faixa foram em tempo integral (eram 14,2% em 2019). O Plano Nacional de Educação prevê que elas alcancem 24% em 2024, um desafio especialmente relevante diante dos estragos da pandemia. O tempo integral é a saída mais sensata para recuperar os alunos depois de quase um ano e meio de escolas fechadas.

O recuo ficou concentrado no ensino fundamental. Entre o primeiro e o quinto ano, houve redução de 63% no período 2015-2020. Entre o sexto e o nono, a queda foi de 55%. A boa notícia é que, no ensino médio, a taxa dobrou, atingindo 103%. Na educação infantil, subiu 13%. Uma das explicações para as diferenças foi a prioridade dada ao ensino médio e a redução de verbas de programas federais para financiar o ensino em tempo integral.

Também na implantação do tempo integral há disparidades pelo país. A rede estadual de Pernambuco se sobressai com 54% de alunos do ensino médio em turno único. A estratégia dá resultado. Mantendo os estudantes mais tempo em sala, o estado obteve o terceiro melhor resultado do país no Ideb.

Não se questionam as dificuldades que estados e prefeituras têm para implantar o ensino em tempo integral, que demanda uma estrutura mais robusta. A experiência de Pernambuco mostra que não é preciso construir novas escolas, mas sim reorganizar as turmas. Dá para estender salas de aula sem grandes investimentos. O custo aumenta ao redor de 30% para o aluno ter o dobro de aulas, e a evasão desaba (cai a 1%). “Esse custo se paga”, diz Priscila Cruz, presidente executiva do movimento Todos pela Educação. “A repetência é menor, a evasão é menor, então você tem um ganho.”

No Rio, os Cieps, escolas em tempo integral criadas nos anos 80 durante o governo Brizola, foram quase todos convertidos em colégios convencionais, com turnos. Em muitos estados, os próprios pais rejeitam o tempo integral por impedir que os filhos trabalhem. É um erro. Criança tem de estar na escola, não trabalhando.

O Brasil não conseguirá recuperar as perdas e avançar na educação se não perseguir como meta a ampliação do ensino em tempo integral. Agora, mais do que nunca, já que o estrago provocado pela pandemia na educação é imensurável. Evidentemente tudo tem um custo. Mas o país precisa enfrentá-lo se quiser trilhar o caminho que outros países seguiram no rumo do desenvolvimento. Criança tem de passar o dia na escola, plenamente acolhida. Não se trata de escolha, porque a escolha, nesse caso, é entre ter e não ter futuro.

Da palavra à ação

O Estado de S. Paulo

O Tribunal Superior Eleitoral finalmente reagiu ao liberticida Jair Bolsonaro e de ofício, sem esperar pela iniciativa do Ministério Público Eleitoral

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) finalmente reagiu ao liberticida Jair Bolsonaro.

Primeiro, aprovou por unanimidade a abertura de inquérito administrativo contra o presidente, que reiteradamente tem atacado a legitimidade das eleições do ano que vem e a lisura da Justiça Eleitoral, sem apresentar provas de suas acusações. Se constatado que Bolsonaro praticou “abuso de poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea”, como está citado na resolução do TSE, o presidente pode ser impedido de concorrer à reeleição.

Na mesma sessão, o TSE, também por unanimidade, decidiu encaminhar ao Supremo Tribunal Federal (STF) notícia-crime contra Bolsonaro para apurar “possível conduta criminosa” do presidente no âmbito das investigações sobre a disseminação de notícias fraudulentas para prejudicar o STF. À petição, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, anexou o pronunciamento que Bolsonaro fez na quinta-feira passada, no qual reiterou mentiras sobre o sistema de votação e colocou em dúvida a honestidade da Justiça Eleitoral.

Nos dois casos, o TSE agiu de ofício, ou seja, não esperou que a iniciativa partisse do Ministério Público Eleitoral. Afinal, o procurador-geral eleitoral e da República, Augusto Aras, já mostrou que não está interessado em fazer o presidente responder por suas agressões à democracia, embora a função constitucional da Procuradoria-Geral da República seja justamente a de defender a ordem jurídica e o regime democrático.

Há um longo caminho até uma eventual punição concreta de Bolsonaro, mas o que importa, neste momento, é que afinal se passou da palavra à ação: depois de inúmeras notas de protesto, mensagens indignadas e declarações escandalizadas de ministros das Cortes superiores, o Judiciário afinal cumpriu seu papel institucional intrínseco, ao chamar o presidente à sua responsabilidade.

Mas as palavras, necessárias, também não faltaram. No momento em que se anunciavam os inquéritos contra Bolsonaro, o ministro Barroso, na condição de presidente do TSE, deixou claro que a ameaça à realização de eleições, como as que o presidente da República tem feito, “é uma conduta antidemocrática”. E acrescentou: “Conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódio e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática”. Além dos votos de todos os colegas de TSE, o ministro Barroso estava respaldado por uma nota conjunta de todos os seus antecessores desde 1988, na qual reiteraram que “jamais se documentou qualquer episódio de fraude nas eleições” desde a adoção da votação eletrônica.

Um pouco antes, na reabertura dos trabalhos do Supremo, o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, destacou que “harmonia e independência entre os Poderes não implicam impunidade de atos que exorbitem o necessário respeito às instituições” e que ataques aos ministros das Cortes superiores, como os que Bolsonaro faz, “corroem sorrateiramente os valores democráticos”.

Mesmo diante dessa robusta manifestação institucional contra seus atentados à democracia, o presidente não recuou. Ao contrário: reafirmou suas ofensas ao ministro Barroso e suas ameaças às eleições. Disse que o ministro Barroso – a quem Bolsonaro já chamou de “idiota” e “imbecil” – “presta um desserviço à nação brasileira”. Acrescentou que está pessoalmente numa “briga” com o magistrado porque este estaria “querendo impor sua vontade”. E declarou: “Jurei dar minha vida pela pátria, não aceitarei intimidações”.

Bolsonaro segue assim a cartilha tradicional dos candidatos a ditador: escolhe um inimigo, a quem atribui todo o mal, e se apresenta como vítima de perseguição de forças ocultas. Reivindica ter seu próprio “exército” – se não as Forças Armadas, que seja o punhado de camisas pardas que o adulam – e ameaça desestabilizar o País se não lhe fizerem suas vontades e as de sua família. Tem tudo para ser apenas bravata, mas, pelo sim, pelo não, Bolsonaro deve saber que esta República, ao contrário do que ele gostaria, não é uma terra sem lei.

A estabilidade do funcionalismo

O Estado de S. Paulo

É preciso resgatar o sentido da estabilidade do servidor, limitando-a aos casos necessários

As denúncias feitas pelo servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda sobre irregularidades no contrato de aquisição da vacina Covaxin não serviram apenas para questionar a lisura do governo Bolsonaro no trato com o dinheiro público. O escândalo também tem sido usado como argumento para defender o regime de estabilidade do funcionalismo público.

“Se não fosse a estabilidade, ele não estaria aqui sentado com a coragem que ele tem de denunciar isto tudo que está ocorrendo”, disse o deputado Luis Miranda (DEM-DF), irmão de Luis Ricardo Miranda, na CPI da Pandemia. Desde então, algumas corporações de funcionários públicos querem usar o escândalo da Covaxin como pretexto para manter as atuais regras sobre a estabilidade.

No entanto, ao contrário do que pretendem essas corporações, o caso envolvendo a vacina do laboratório indiano Bharat Biotech não é nenhuma demonstração de que as regras atuais de estabilidade do funcionalismo público sejam necessárias ou mesmo adequadas. O debate sobre o regime atual é importante, pois afeta diretamente a capacidade de o poder público cumprir suas funções e prover serviços públicos de qualidade.

A Constituição de 1988 estabeleceu o que se pode chamar de estabilidade indiscriminada. Com redação dada pela Emenda Constitucional (EC) 19/1998, o art. 41 prevê que “são estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”.

Segundo o texto constitucional, não existe estabilidade absoluta. Estabeleceu-se que o servidor estável pode perder o cargo em três hipóteses: sentença judicial transitada em julgado, processo administrativo com ampla defesa ou procedimento de avaliação periódica de desempenho, “na forma de lei complementar”. Na prática, a estabilidade continua sendo quase absoluta, pois o Congresso ainda não regulamentou a demissão por mau desempenho.

Tem-se, assim, um regime de estabilidade desproporcionalmente amplo e rígido. Nos países desenvolvidos, só alguns postos contam com a prerrogativa, como juízes, soldados, fiscais ou policiais. Na Suécia e na Espanha, por exemplo, apenas 1% dos funcionários trabalha em regime estatutário. Na Grã-Bretanha são 10%, e mesmo assim com estabilidade parcial.

O Estado deve ter um corpo burocrático qualificado, mas isso não significa conceder estabilidade a todos os servidores, como se faz no Brasil. Num regime assim, além de engessar o poder público, a estabilidade se converte numa espécie de privilégio próprio do funcionalismo.

É preciso resgatar o sentido da estabilidade do servidor, limitando-a aos casos necessários. Sua finalidade é proteger determinadas carreiras de pressões indevidas, de forma a assegurar a qualidade e a continuidade do serviço público. Em último termo, a estabilidade protege a coletividade, e não o funcionário que ocupa o posto público.

No entanto, a prerrogativa da estabilidade foi desvirtuada no País, sendo transformada em instrumento de acomodação de interesses políticos e eleitorais ou, em alguns casos, em subterfúgio para encobrir incompetência e desídia.

Em vez de justificar a estabilidade indiscriminada do funcionalismo, o caso da Covaxin mostra a necessidade de que a administração pública, em seus mais diversos âmbitos, disponha de um sistema eficiente de apresentação de denúncias. Todo denunciante deve sentir-se seguro, seja servidor estável, terceirizado ou irmão de parlamentar. Afinal, coibir a propagação do delito e da ineficácia é dever fundamental de qualquer funcionário.

Apesar de sua timidez, afetando apenas os futuros servidores, a reforma administrativa em discussão no Congresso aponta na direção correta em relação à estabilidade, restringindo essa prerrogativa a carreiras típicas de Estado. No entanto, a proposta comete o equívoco de deixar para depois a definição de carreiras típicas, a ser feita por lei complementar. Tão importante como corrigir excessos e desequilíbrios do texto constitucional, é regulamentar o que a Constituição já prevê, como a demissão por mau desempenho.

Repique de inflação e juros

O Estado de S. Paulo

Segunda maior inflação do século alimenta apostas na alta de juros

O Brasil poderá encerrar 2021 com inflação de 6,56%, a segunda maior desde a virada do século, se a disparada dos preços confirmar a última projeção do mercado financeiro e das grandes consultorias. Resultado pior, desde o ano 2000, só ocorreu no final do governo da presidente Dilma Rousseff, com a taxa anual de 10,67% registrada em 2015. Forte aperto monetário, com juros básicos a 14,25%, foi a resposta imediata do Banco Central (BC). A ação do novo governo foi eficaz, os juros começaram a cair e chegaram a 7% em dezembro de 2017. Continuaram em queda depois da eleição presidencial, batendo em 2% em agosto de 2020, mas voltaram subir, neste ano, por causa de um repique inflacionário, e devem seguir em alta, encarecendo o crédito e atrapalhando o consumo.

Diante da nova onda de aumentos de preços, pesadelo para as famílias e desafio para o BC, economistas do mercado elevam as apostas em novo arrocho monetário. Pela estimativa recém-divulgada, no fim do ano a taxa básica de juros estará de novo em 7%. Há um mês a projeção indicava 6,50%. O primeiro degrau da escalada será anunciado na próxima quarta-feira, depois da reunião periódica do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. O próprio Copom, depois da última reunião, havia insinuado um aumento de 0,75 ponto porcentual, igual aos dois anteriores. Não haverá surpresa, no entanto, se a taxa básica passar a 5,25%, com elevação de 1 ponto por causa da aceleração da alta de preços.

A inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), deve superar com folga, pelas projeções correntes, o centro da meta deste ano (3,75%) e também o limite de tolerância (5,25%). Mas a taxa de 6,56%, estimada pelos técnicos do mercado, só será possível se os aumentos ficarem mais moderados. Não há sinal claro de moderação, no entanto, apesar de alguma oscilação das taxas mensais.

Em julho, a prévia da inflação deste mês, medida entre os dias 15 de junho e 13 de julho, ficou em 0,72%. Embora menor que a anterior (0,83%), essa taxa ainda é muito alta e o ritmo permanece incompatível com os limites oficiais. No ano, os preços subiram 4,88%. Em 12 meses, 8,59%. Os dados são do IPCA-15, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A persistência do ritmo acelerado é confirmada por outras instituições de pesquisa, como a Fundação Getulio Vargas (FGV). O Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) subiu 0,90% na terceira quadrissemana de julho, encerrada no dia 22. No período terminado no dia 15 a alta havia chegado a 0,88%. Os aumentos se intensificaram em quatro das sete capitais cobertas em cada apuração. Em 12 meses o índice geral avançou 8,73%.

Os principais motores da alta de preços têm variado de um mês para outro, mas as pressões sobre as famílias têm permanecido muito fortes, quase sem alívio. Durante algum tempo, desde o ano passado, a inflação mais sensível foi a dos preços da alimentação. Comida cara é sempre uma grave complicação, mas outros aumentos também dificultam seriamente o dia a dia.

Não basta ter arroz e feijão. É preciso cozinhar, e o preço do gás de botijão subiu 3,89% em um mês, segundo o IPCA-15. O custo do transporte público também preocupa seriamente a maioria dos trabalhadores, assim como a tarifa de eletricidade. Com reservatórios muito baixos, por causa da escassez de chuvas, tem sido necessário recorrer à energia, bem mais cara, gerada pelas centrais térmicas.

Parte da inflação tem sido ocasionada pelas cotações internacionais de produtos agropecuários e de minérios. Outra parte dos problemas tem sido provocada pela seca. Mas uma parcela nada desprezível tem decorrido da instabilidade cambial, porque o valor do dólar acaba afetando muitos preços internos. Hoje o câmbio reflete, no Brasil, principalmente as tensões políticas e a insegurança sobre a gestão das contas públicas. Inflação se fabrica também na Praça dos Três Poderes e, de modo especial, no Palácio do Planalto. Essa inflação nenhum banco central consegue deter.

Resposta vigorosa

Folha de S. Paulo

Ao reagir a ataques à democracia, Judiciário estreita os limites de Bolsonaro

As mistificações de Jair Bolsonaro e sua celerada ofensiva contra as instituições democráticas e o processo eleitoral receberam resposta vigorosa da cúpula do Poder Judiciário na segunda-feira (2).

Na reabertura dos trabalhos do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux cobrou respeito aos limites demarcados pela ordem constitucional e reafirmou o papel exercido pela corte que preside como guardiã das regras do jogo.

Todos os ex-presidentes do Tribunal Superior Eleitoral ainda vivos vieram a público defender as urnas eletrônicas que há duas décadas garantem a lisura das eleições brasileiras —e que o chefe do Executivo busca desacreditar com suas patranhas.

Coube ao atual presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, expressar de forma mais veemente o repúdio aos ataques reiterados do mandatário. “Conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódio e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática.”

Reforçando palavras com ações, tomaram-se duas providências para que a conduta de Bolsonaro seja investigada e ele possa ser responsabilizado por suas ofensas.

O corregedor-geral eleitoral, ministro Luís Felipe Salomão, abriu inquérito administrativo para examinar não só as investidas contra as urnas eletrônicas mas também abusos de poder e outros crimes associados à campanha golpista que o presidente empreende.

Os responsáveis pelas averiguações terão poderes para realizar buscas e convocar testemunhas, incluindo autoridades participantes do espetáculo ultrajante da semana passada em que Bolsonaro usou a internet para minar a confiança da população nas urnas.

Barroso pediu ainda que o ministro Alexandre de Moraes, que há dois anos conduz investigações sobre a disseminação de notícias falsas e ataques contra o STF, amplie o escopo do inquérito criminal para escrutinar os atos de Bolsonaro.

Causa incômodo a opção por abrir investigações de ofício, sem consulta prévia ao Ministério Público Federal, mas cumpre apontar que se trata de resposta à complacência com que a Procuradoria-Geral da República e o presidente da Câmara dos Deputados tratam os desmandos do presidente.

A reação do Judiciário define com firmeza os limites cada dia mais estreitos em que o chefe do Executivo se movimenta e aumenta os riscos da sua aposta na confusão.

Bolsonaro pode até continuar propagando suas teses alucinadas e incitando fanáticos a tumultuar as eleições, como voltou a fazer nesta terça-feira (3). Entretanto não poderá mais se furtar a prestar contas de suas ações temerárias contra as instituições que até aqui agrediu impunemente.

Pago quando puder

Folha de S. Paulo

Salto do gasto com derrotas judiciais não pode ser enfrentado com pedaladas

Depois de um salto da dívida pública gerado pelo combate à pandemia, o governo federal está diante de nova emergência orçamentária. Constatou-se que será preciso pagar no próximo ano quase R$ 90 bilhões decorrentes de derrotas judiciais, o que corresponde a uma alta vertiginosa ante os pouco mais de R$ 50 bilhões deste 2021.

É imprescindível que se investiguem e se divulguem, com urgência e clareza, os motivos para uma expansão tão descomunal dessa despesa —e se houve, também nesse caso, negligência, imperícia ou irresponsabilidade por parte das autoridades envolvidas. Em qualquer hipótese, no entanto, há um problema imediato a ser resolvido.

Trata-se, claro, de como pagar essa conta com o menor sacrifício possível para a sociedade. Quanto a isso, a ideia inicial do Ministério da Economia é tristemente familiar: não pagar essa conta.

Não toda ela de uma só vez, ao menos. Pelo projeto, as dívidas de valor acima de 60 salários mínimos (R$ 66 mil) seriam parceladas em até dez anos; seria criado ainda um fundo, com recursos oriundos de dividendos e vendas de ações, para o pagamento desses precatórios e para ações sociais.

O plano suscitou de pronto paralelos com as célebres pedaladas fiscais que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff (PT). Aqui cabe uma ponderação: é melhor que intervenções no gasto público sejam propostas de forma aberta, para votação no Congresso, em vez de postas em prática com manobras obscuras e truques de contabilidade.

Isso dito, o impacto da medida no Orçamento corresponde, sim, ao de uma pedalada —vale dizer, abre-se caminho para mais despesa no presente jogando contas para o futuro. Desta vez, driblando o teto para os desembolsos do governo em um ano eleitoral.

“Devo, não nego, pagarei assim que puder”, declarou o ministro Paulo Guedes, durante seminário promovido pelo site Poder 360, sem contribuir em nada para a credibilidade da propositura.

É desejável que se amplie o Bolsa Família, como pretende o governo, mas com respeito aos limites para o gasto orçamentário total. Para tanto impõe-se parcimônia com ações menos prioritárias.

Compreende-se a gravidade do novo revés fiscal, porém há que enfrentá-lo com providências menos ligeiras do que apenas um calote a pesar sobre as administrações futuras —e a minar ainda mais a confiança no Estado brasileiro.

Tática de confronto bolsonarista tende a constranger Centrão

Valor Econômico

A restrição, pelas instituições, dos atos maléficos de Bolsonaro, terá consequências cruciais sobre a atitude da sua frágil base de apoio político

Nada parece conter as ofensivas antidemocráticas do presidente Jair Bolsonaro, mesmo depois de ter entregue, ou vendido, a “alma” de seu governo para o Centrão, ao nomear para a Casa Civil Ciro Nogueira (PP-PI). Bolsonaro se concentrou agora na questão do voto impresso para pôr em dúvida as eleições de 2022, sob ameaça se seu capricho não for satisfeito. O então deputado federal, seus três filhos e o hoje presidente foram eleitos pelo sistema em vigor, sem que, desde 1995, proferissem uma palavra sequer sobre fraudes.

Não é apenas o fato de Bolsonaro ter vencido a eleição presidencial para reclamar em seguida que elas foram fraudadas - ele teria ganho no primeiro turno, apregoa - que torna bizarra a fuzarca mal intencionada patrocinada pelo governo em torno do assunto. A live com dinheiro público e rede oficial de TV na semana passada para apresentar supostas provas de malfeitos foi um espetáculo deprimente. Após meses maldizendo urnas eletrônicas, o presidente só foi capaz de apresentar vídeos primários, um testemunho de um astrólogo que fez acupuntura em árvores, para concluir pateticamente que não tem como provar a existência de fraudes, apenas “indícios”.

Depois de fracassar em seu intuito de convencer pessoas sem argumentos críveis - prática cotidiana do presidente da República - Bolsonaro sacramentou sua aliança com o PP, representante do Centrão e de tudo o que ele tem de nefasto na história da política brasileira - condenado igualmente pelo então candidato Bolsonaro, quando quis ser rebatizado sob a benção da “nova política”. Ciro Nogueira e o presidente da Câmara, Arthur Lira, integraram o processo do “Quadrilhão do PP” na Operação Lava-Jato, encerrado pelo Supremo Tribunal Federal por falta de provas. Outros processos por recebimento de propinas de empresas correm na Justiça contra ambos.

A aproximação de Bolsonaro com o Centrão foi rápida. Para o presidente, assim como era natural desdenhar apoio partidário no Congresso para governar, tornou-se agora natural dividir o governo e sua “alma” com velhos companheiros da política. “Nasci de lá”, disse Bolsonaro sobre o grupo e sua longa permanência como deputado do baixo clero no PP. É de se supor que o presidente se sinta à vontade com os métodos e as formas de fazer política dos novos egressos em sua administração.

O caminho para uma aliança tão conveniente ao presidente não o leva ao paraíso e talvez mal possa conduzi-lo às urnas, apesar das afinidades. O PP é herdeiro da Arena, partido da ditadura militar, e seu campeão de votos por muito tempo foi Paulo Maluf, o candidato do governo na eleição indireta do fim do regime militar. A familiaridade com o autoritarismo os aproxima, de certa forma. O instinto de sobrevivência, por outro lado, pode separá-los.

O governo conta com melhoria expressiva da economia para elevar a popularidade do presidente, assim como com o reforço dos programas sociais, em especial o Bolsa Família. As ações para abrir espaço no orçamento para isso, como a do parcelamento de precatórios, estão em curso. Como ao PP só interessam verbas e obras, a austeridade fiscal corre risco de ser mandada às favas. Bolsonaro não tem compromisso com ela, seus companheiros de viagem também não, o que prenuncia mais desgaste, e menos poder, para o ministro da Economia, Paulo Guedes. No limite, se o presidente não ganhar competitividade ao longo dos próximos meses, Bolsonaro pode até prescindir de seu “Posto Ipiranga”.

Os modos e costumes do PP, entretanto, são distintos dos de Bolsonaro. O partido progride a olhos vistos no sistema democrático e quer mais. O PP já tem a Casa Civil e a Secretaria de Governo e almeja novas arrancadas eleitorais, movidas a verbas públicas. O apoio a Bolsonaro é condicionado por essa perspectiva de poder, objetivo que pode se revelar contraditório com o que o presidente quer fazer para manter-se aonde está. A estratégia de conflito permanente prejudica seus novos (velhos) aliados.

A reação do Tribunal Superior Eleitoral, STF e demais instituições aos ataques antidemocráticos de Bolsonaro é importante em si, mas também porque tende a abrir uma cunha entre o Centrão e Bolsonaro. Conhecendo por dentro o Centrão no qual “nasceu”, Bolsonaro talvez saiba que não tem um cheque em branco. A restrição, pelas instituições, dos atos maléficos do presidente, terá consequências cruciais sobre a atitude da sua frágil base de apoio político, além de tender a dissuadir seus adeptos entusiasmados nas casernas.

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