O Estado de S. Paulo.
Situação do Brasil não é comparável à da Rússia ou à da Hungria, mas é bom ficar de olho
É fácil se ver no meio de uma manifestação
ao caminhar pelas ruas de Budapeste, a belíssima capital da Hungria. De um lado
do rio Danúbio, em Buda, o partido ultraconservador Mi-hazank exibe seus
símbolos patrióticos. Do outro, em Peste, militantes antivacina prestam
solidariedade aos caminhoneiros canadenses. Todos os anos há uma enorme parada
gay, sem repressão policial.
Parece uma democracia, mas não é. Livros de
temática inclusiva são multados, uma universidade inteira acabou expulsa do
país por abrigar intelectuais críticos ao governo e a
Constituição foi reescrita para permitir a
reeleição eterna do Fidesz, o partido do primeiroministro Viktor Orbán.
Nas duas últimas semanas foram divulgados os resultados anuais de dois rankings de democracia, o da revista britânica The Economist e o do instituto V-dem, que é sediado em Gotemburgo, na Suécia. Tais rankings são especialmente necessários em casos como o da Hungria, em que o autocrata de plantão, Viktor Orbán, usa o manto da democracia para esconder um duro regime autoritário. Os dois estudos estão anexados à versão digital da coluna.
Estive na Hungria quando Jair Bolsonaro
visitou Viktor Orbán, a quem chamou de “irmão”. Antes, o presidente brasileiro
havia visitado o autocrata russo, Vladimir Putin, que nunca tentou disfarçar
seus ímpetos autoritários. “A visita de Bolsonaro a Putin e a Orbán não trouxe
nenhum resultado prático, apenas serviu para mostrar à base do presidente que
ele tem amigos no mundo”, analisa o cientista político Christian Lynch no
minipodcast da semana.
E que amigos! Dias depois da visita de
Bolsonaro, Vladimir Putin invadiu a Ucrânia. Num congresso no ano passado, o
V-dem vaticinou que a onda autoritária aumentaria a possibilidade de guerras
pelo planeta. Viktor Orbán enfrenta uma eleição difícil no próximo dia 3 de
abril, e fustiga o tempo todo o Judiciário, a academia e a imprensa para se
manter no poder. No Brasil, essas mesmas instituições têm ajudado a frear seu
“irmão” Bolsonaro.
Vivemos numa época em que golpes de Estado,
de direita ou de esquerda, saíram do cardápio político do Ocidente. O
autoritarismo passou a ser uma doença que se instala aos poucos. Rankings como
o do Vdem e o da The Economist detectam os primeiros sinais do mal.
No ranking do V-dem, o Brasil está entre os
países em que a democracia mais se deteriorou nos últimos dez anos. Nossa
situação não é comparável à da Rússia ou à da Hungria, a ditadura explícita e a
disfarçada – mas é bom ficar de olho.
*Escritor, professor da Faap e doutorando em ciência política na universidade de Lisboa
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