Valor Econômico
Esgotamento gradual de ativos viáveis traz
desafio a concessões
A iniciativa privada atualmente opera menos
de 24 mil quilômetros de estradas, o que corresponde a apenas 7% da malha
rodoviária no país, mas já surge no radar o possível esgotamento de ativos
economicamente viáveis para fazer concessões “puras”.
O debate do governo com as empresas poderá
entrar, nos próximos anos, em uma nova seara: tentativas de viabilizar
concessões que não param em pé sozinhas e precisam de algum empurrão para
atrair investidores. A campanha presidencial deste ano é uma oportunidade de
levantar a discussão, que precisa ocorrer.
Em condições normais de temperatura e
pressão, ativos sem viabilidade econômica ficam com o Estado, que se encarrega
da manutenção e ampliação - duplicar pistas, por exemplo. O orçamento do
Ministério da Infraestrutura, entretanto, é o mais baixo em pelo menos duas
décadas. A dotação para 2022 está em apenas R$ 8,6 bilhões. Há dez anos, no
auge do longínquo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), alcançou R$ 42
bilhões - em valores já atualizados pela inflação.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) avalia experiências nacionais e internacionais na aplicação de subsídios cruzados em concessões de infraestrutura em transportes, evitando o comprometimento de recursos orçamentários.
Entre os modelos observados pelo Ipea,
estão fundos públicos, concessões em blocos, criação de câmaras de compensação
e concessões patrocinadas (as PPPs). São possibilidades ainda pouco exploradas
no Brasil, em âmbito nacional ou pelos governos estaduais, mas que devem vir
mais à tona com a gradual redução de ativos superavitários (conhecidos como
“filés” no jargão do mercado) ainda não concedidos e a presença cada vez maior
de projetos deficitários (os chamados “ossos”).
“Ao optar por um modelo que se mostre mais
adequado ao projeto, o governo deve observar não apenas os custos totais dessa
iniciativa, mas também os custos de oportunidade e riscos envolvidos nas
etapas, uma vez que os projetos envolvem arranjos complexos e longos prazos de
execução”, conclui esse trabalho recente do Ipea.
“Implementar soluções híbridas que se
adequem às condições econômicas e ao marco institucional consolidado no país,
sem afastar a participação ainda relevante do crédito público, permite ampliar
o papel desempenhado pelo setor privado na capitalização desses projetos.”
No caso dos fundos públicos, é citada a
experiência do Chile, que constituiu mecanismos com receitas provenientes de
concessões de infraestrutura para desenvolver outros projetos com menos
viabilidade econômica.
No modelo de concessões em bloco, que
misturam “filé com osso”, já existem casos no próprio país. Foram assim o novo
contrato da Presidente Dutra (que incorporou trecho da Rio-Santos), do corredor
rodoviário Piracicaba- Panorama (com estradas menores no interior de São Paulo
que não se sustentariam sozinhas) e os últimos leilões de aeroportos (com um
carro-chefe no meio de terminais menores).
O risco, diz o estudo, está nos critérios
usados para a seleção dos ativos agregados em bloco, o que pode levar a
desgastes políticos. Estados ou regiões que subsidiam rodovias ou aeroportos
menos apetitosos costumam se queixar. Quem é deixado de lado não gosta. O
critério de escolha nem sempre guarda clareza. Por que uma rodovia ou um
aeroporto em detrimento de outro? Muitas vezes cai na discricionariedade.
As câmaras de compensação, no Brasil e no
exterior, têm sido usadas principalmente em concessões de mobilidade urbana,
como a Linha 4-Amarela do metrô em São Paulo. Um trabalho do BNDES já indicou,
como solução ao esgotamento das rodovias superavitárias, a criação de um
sistema de concessões no qual a malha funcionaria como uma rede integrada. O
sistema tomaria como base a instituição de uma política tarifária nacional, a
criação de classes de rodovias e a implantação de uma câmara de compensação
para equilibrar as tarifas do sistema como um todo.
Outra possibilidade é a aceleração de PPPs.
Contratos de parcerias público-privadas podem ocorrer por meio de um aporte
inicial ou pagamentos regulares do Tesouro Nacional, normalmente atrelados a
metas de execução e qualidade, ou na forma de pedágios-sombra, considerando o
repasse de determinada taxa por usuário.
O desafio precisa ser enfrentado. Não é
sangria desatada. Mas, se nada for pensado agora, vai dar ruim lá na frente.
Com o investimento público em infraestrutura cada vez mais reduzido, pioraram
as condições das estradas federais e estaduais, segundo pesquisa da
Confederação Nacional do Transporte (CNT). A parcela da malha avaliada como
péssima, ruim ou regular subiu de 59% em 2019 para 61,8% em 2021.
Dois grupos - Ecorodovias e CCR - têm
dividido a cena nos principais leilões de rodovias federais. Nas concessões em
São Paulo, uma terceira empresa - Pátria Investimentos - tem entrado forte.
Para as licitações de ativos menores, em Estados como Rio Grande do Sul e Mato
Grosso, outros investidores ou construtoras locais de menor porte vêm salvando
a lavoura.
Ecorodovias e CCR estão com seus balanços
comprometidos depois das vitórias recentes em disputas como a da BR-153 e da
Dutra, que exigem desembolsos pesados. Novos estrangeiros não têm aparecido.
Diante dos riscos envolvidos e da necessidade de investimentos muito elevados,
o leilão da BR-381 em Minas teve que ser suspenso pelo governo, porque não
havia interessados.
Na semana passada, vários ajustes foram
feitos no edital para a concessão do lote Rio- Valadares, que prevê R$ 8,8
bilhões em aportes do futuro operador. O leilão ocorrerá no dia 20 de maio.
Será um teste importante, mas o problema continuará colocado à mesa.
Para resolvê-lo, há opções: 1) mais
orçamento ao Ministério da Infraestrutura para reativar obras públicas; 2)
explorar os modelos aventados no estudo do Ipea; 3) priorizar o “project
finance”, financiamento em que as receitas futuras servem como garantia para o
projeto, como fez o BNDES na Linha 6 do Metrô de São Paulo; 4) aprovar logo o
projeto de lei das debêntures de infraestrutura, que pode atrair uma nova onda
de recursos ao setor. Não são alternativas excludentes entre si.
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