O Globo / Folha de S. Paulo
Jair Bolsonaro tem toda a razão:
— Agora estão me acusando de ter armado na
Educação compras superfaturadas de ônibus. Porra, nem a licitação foi feita.
Quem descobriu fomos nós. Nós temos compliance, temos gente trabalhando em cada
ministério com lupa em contratos.
Faltou dizer que, se não fosse o serviço
dos repórteres André Shalders, Breno Pires e Julia Affonso, a Viúva poderia
acabar comprando por R$ 480 mil ônibus escolares que valem R$ 270 mil. A
operação poderia comprar 3.850 ônibus e custar mais de R$ 2 bilhões. Eles
mostraram que o jabuti havia sobrevivido às advertências da área técnica do
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, e da Controladoria-Geral
da União. Ontem, o Tribunal de Contas da União puxou o freio de mão, e a compra
foi suspensa.
Bolsonaro orgulhou-se indevidamente quando disse que “quem descobriu fomos nós”. Olhando direito para sua relação com a CGU na gestão do ervanário do FNDE, andou para trás. Em 2019, no seu primeiro ano de governo, o benevolente FNDE soltou um edital de R$ 3 bilhões para a compra de equipamentos eletrônicos para a rede pública de ensino. Uma gracinha. A Viúva mandaria um número de laptops superior ao de alunos para 355 colégios. Os 255 estudantes da escola Laura Queiroz, de Itabirito (MG), receberiam 30 mil laptops. A CGU mostrou o jabuti, a explicação do Fundo foi risível, e a licitação foi suspensa. Posteriormente, foi cancelada. No caso dos ônibus, ela foi em frente.
Infelizmente, o memorável trabalho da CGU
em 2019 impediu a mamata, mas nenhum órgão do governo de Bolsonaro identificou
os responsáveis pelo maldito edital. A CGU o examinou com lupa, viu
discrepâncias e direcionamento, e o governo suspendeu a operação, mas olhou
para outros lados.
Passaram quase três anos, e o terceiro
ministro da Educação de Bolsonaro caiu por causa de suas ligações perigosas com
pastores que corretavam recursos do FNDE. Em troca, armavam eventos para o
ministro e publicavam seu retrato em Bíblias. Nesse meio-tempo, o Centrão havia
capturado o fundo. Atualmente, ele é presidido pelo ex-chefe de gabinete do
senador Ciro Nogueira, atual chefe da Casa Civil da Presidência.
O FNDE tem um orçamento de R$ 55 bilhões e
administra programas tão vastos quanto as dificuldades da educação nacional.
Pode comprar laptops ou ônibus, construir escolas ou creches. Em 2020, o FNDE
licitou a compra de três milhões de kits escolares, e ela foi abatida pelo
Tribunal de Contas da União. Estavam de olho na aquisição de lápis, borrachas,
cadernos e tesouras. Duas licitações do FNDE, a dos equipamentos eletrônicos e
a dos ônibus, aliviariam o cofre da Viúva no equivalente a algo como 15
toneladas de ouro.
Um veterano conhecedor da máquina federal
ensina: um bom fundo vale mais que muito ministério e não chama tanta atenção.
O FNDE é uma árvore roída por cupins.
Atacam ônibus escolares, lápis, borrachas, reformas de creches e laptops que
serviriam para educar a garotada. As canetas dos gestores do FNDE têm mais
tinta disponível que as da cúpula do MEC. Em 2019, Bolsonaro teve a
oportunidade de levar para o Fundo seu suposto combate à corrupção.
Desprezou-a, agravando-a.
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