Folha de S. Paulo
Desproporcionalidade na alocação de pastas
ministeriais foi a marca dos mandatos do ex-presidente, mas pode mudar
Lula anunciou que o novo governo não será
do PT, mas da aliança de forças que se forjou no segundo turno das eleições. Se
essa promessa se concretizar na forma clássica de partilha de poder, equivalerá
a uma radical inversão.
Ela não se deve apenas ao fato de que o PT
é muito menor hoje (68 deputados), à hegemonia da oposição no Congresso ou nos
estados mais importantes da federação. Aqui a variável central é o resultado
renhido das urnas; o país cindido.
A característica principal das coalizões dos governos Lula, no passado, foi a desproporcionalidade na alocação de pastas ministeriais. A concentração de pastas no PT e os métodos heterodoxos de premiação da fidelidade de parceiros produziram insatisfação e estão por trás do mensalão. Antecipa-se a inversão desse padrão.
Em 2002, Lula alocou 21 ministérios (60% do
total) para membros de seu partido, cuja bancada tinha 91 deputados,
correspondentes a 18% da Câmara. Com 78 deputados, o PMDB, maior partido da
coalizão de governo, ficou com 2 ministérios, de um total de 35. O contraste é
marcante quando se considera o governo FHC: o PSDB detinha ainda mais deputados
que o PT (99), mas acabou ocupando 26% das 23 pastas, menos da metade que o PT.
A decisão de partilha de poder só ocorreu
por default, na 25ª hora; é consistente com o padrão descrito acima. A base do
novo governo ainda não está definida, mas algumas sinalizações surpreenderam
pela velocidade. É o caso do
PP. A polarização destruiu pontes, mas o partido "estendeu a
mão" menos de uma hora depois do anúncio do resultado oficial. O que está
por trás é o multipartidarismo.
O que me veio de imediato à mente foi Vitor
Nunes Leal, que afirmou que, na República Velha, os governadores disputavam o
privilégio de colaborar com os presidentes. Agora há muito mais em jogo.
Primeiro, as relações Executivo-Legislativo
sofreram grande transformação em duas décadas. E isso ocorreu em detrimento do
Poder Executivo. As emendas individuais e de bancada, que o presidente já não
controla, perderam importância. Surge o "orçamento secreto", que no
passado correspondia a recursos de livre alocação pelos ministérios. (Foi neles
que a grossa corrupção se concentrou, mostraram Boas, Hidalgo
e Richardson, 2014).
A alocação de pastas ministeriais embutia a
partilha de recursos políticos no atacado; o "orçamento secreto", no
varejo. Os recursos dos ministérios de "porteira fechada" são hoje
pulverizados em projetos localistas, sob controle legislativo centralizado.
Em segundo lugar, os protagonistas do jogo
também são vitoriosos e detêm poder de agenda sobre a transição de governo. E
continuarão a ser protagonistas no futuro.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Um comentário:
Geraldo fazendo a transição é ótimo.
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