domingo, 29 de janeiro de 2023

Fernando Carvalho* - Doce holocausto

De holocausto em holocausto, assim caminha a humanidade. Aconteceram holocaustos na Antiguidade, na Idade Média e na Idade Moderna. E há holocaustos acontecendo sob nossos olhos. O holocausto mais famoso é o judeu, patrocinado pelos nazistas. Assim como Gillette virou sinônimo de lâmina de barbear, holocausto é quase sinônimo de holocausto judeu.

A África é o paraíso dos holocaustos, mas como lá só tem negros, nós os brancos não enxergamos o que acontece por lá, tudo fica no escuro.

Hoje Israel patrocina o holocausto palestino. Foram lançados recentemente dois livros intitulados de livros negros: um dá conta do holocausto que resultou das revoluções comunistas, e o outro o concomitante à expansão do capitalismo.

O livro negro do comunismo é mais grosso que o livro negro do capitalismo. Quem gostava dessa contabilidade macabra era o filósofo Olavo de Carvalho.

Para mim o holocausto capitalista é imbatível, até porque o capitalismo já tem alguns séculos de existência e o comunismo só não é uma experiência com começo, meio e fim porque ainda restaram os regimes da Coréia do Norte, Cuba e China. Sendo este um mistério histórico, um comunismo de mercado.

O holocausto capitalista deve incluir em sua contabilidade as vítimas das guerras cujo fim último era implantar o modo capitalista de produção, como as Guerras Napoleônicas ou a Guerra da Secessão. Aqui no Brasil a República capitalista esmagou Canudos e Contestado. Agora somem-se todas as pessoas que o capitalismo teve que liquidar para poder se implantar em todos os países em que hoje funciona o regime capitalista.

É gente que não acaba mais. Agora somem as pessoas que morrem normalmente com o regime funcionando. Lembro que em plena Ditadura de 64 dizia-se que no Brasil crianças de até cinco anos de idade morriam de fome ou de doenças em consequência da inanição a um ritmo de uma a cada minuto.
Vítimas do milagre capitalista verde-oliva O holocausto capitalista é tão grande e abrangente que engloba outros menores dentro dele, ou sub-holocaustos.

É o caso do holocausto negro e do indígena. A escravidão dos africanos deve-se basicamente ao comércio de açúcar. O próprio holocausto judeu é um sub-holocausto capitalista. A não ser que a nova ordem que Hitler pretendia implantar abolisse a propriedade privada e seu regime fosse uma espécie de socialismo.

Acho que não, a nova ordem dele no fundo era a velha ordem capitalista monopolista com altas doses de autoritarismo. A marca nacional-socialismo era para enganar o trabalhador alemão. Essa digressão holo-cáustica é para apresentar um holocausto oculto ainda maior que o capitalista, o holocausto sacarino. Já vimos que a invasão da mesa da humanidade pelo açúcar originou a ração patogênica que inaugurou a era das doenças crônicas, metabólicas e degenerativas. O holocausto sacarino imola as vítimas da dieta açucarada moderna: todos aqueles que morreram em conseqüência de doenças não transmissíveis.

É uma mortandade que começou na Europa no século XVI e atravessou os séculos XVII, XVIII, XIX, XX e adentrou o século XXI , expandindo-se para abranger todo o planeta e num crescendo de intensidade para alcançar toda a raça humana, do pigmeu ao esquimó e do bebê ao ancião.

Em 1978, Kelly West epidemiologista americano disse que o diabete já havia matado mais gente no século XX do que todas as guerras combinadas. Cheguei a pensar se o holocausto sacarino não seria um sub-holocausto capitalista, mas como Cuba, União Soviética e China produzem e consumem açúcar o holocauso sacarino está acima do modo de produção.

A dieta açucarada é responsável por uma série de epidemias em cascata: cárie, uma pandemia mundial seguida de outras: obesidade, doenças micro e macro-vasculares agudas ou crônicas e doenças metabólicas.

E cada uma dessas doenças responde por uma série de outras que lhe são secundárias, ou ainda por graves complicações que levam à morte ou à morte em vida, quando a vítima fica apenas mutilada.

A mais difundida e vergonhosa das epidemias, a de cárie, uma forma de mutilação que atinge uns sete bilhões de almas, é uma porta aberta para inúmeras doenças, inclusive do coração, que são mortais como a endocardite bacteriana.

O diabete, doença sistêmica, é a principal causa de retinopatia, nefropatia e amputações de membros inferiores. Além de 90% dos diabéticos estarem propensos a morrer de doenças cardiovasculares, e 60% dos homens e 40% das mulheres terem mais chances de morte súbita. Estima-se que em 2025 o mundo terá 300 milhões de diabéticos. O holocausto sacarino é o mais terrível de todos os holocaustos.

Quando o povo chinês, que hoje consome menos de 30 kg de açúcar em média por ano, estiver consumindo a quantidade que hoje consomem europeus e americanos. A humanidade vai assistir o maior desastre humanitário que se possa imaginar. E o pior de tudo é que suas vítimas lambem os beiços enquanto são sacrificadas.   

*Fernando Carvalho é historiador, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), autor de “Livro Negro do Açúcar

7 comentários:

Fernando Carvalho disse...

Querid@s. Esse texto meu foi escrito há 17 anos. Faz parte do meu livro. Daí o "Já vimos que a invasão da mesa..." Para facilitar o entendimento coloco aqui um esboço de minha teoria geral: Ao contrário do que todos pensam, inclusive os médicos, os nutricionistas e até os químicos, o açúcar não é um alimento. Tido como uma espécie de mel de abelhas em pó, na verdade ele está mais para uma pólvora branca, travestida de alimento, que vem sendo criminosamente adicionada aos alimentos: da mamadeira do bebê à xícara de chá do idoso.
Composto químico puro, isolado de uma gramínea, o açúcar impregna a alimentação da humanidade contemporânea transformando-a numa ração patogênica.
O açúcar é uma substância agressora do organismo. Além de ser o grande responsável pela pandemia mundial de cárie -isso mesmo, se o açúcar fosse varrido da mesa as cáries desapareceriam- ele agride diuturnamente vários sistemas do corpo: o endócrino, o imunológico, o nervoso e o vascular; e especialmente o metabolismo, do qual dependem todas as funções do organismo.
A dieta açucarada moderna empurrou a humanidade para a era das doenças crônicas, metabólicas e degenerativas. Se quisermos nos livrar das epidemias de cárie, obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, etc., teremos que, em primeiro lugar, deter o avanço da ditadura do açúcar e expulsar da mesa esse corpo estranho, doce e nocivo.

Fernando Carvalho disse...

Quando mencionei o holocausto indígena os índios brasileiros em que pensava eram os bororos (diga bôrórus). E sabia-se que os bororus estavam cometendo suicídio. Os ianomâmis que se saiba não estão fazendo isso. O presidente da República em 2006 era Luiz Inácio Lula da Silva. Conclusão obrigatória: O holocausto indígena brasileiro não é uma questão de governo e sim de Estado. O que não impede que a gente reconheça que Lula está se tornando um verdadeiro estadista. Ao passo que o boçal é um Hitlerzinho infinitamente piorado. E se essa essa dialética infernal (Bozó x Lula) foi necessária para fazer Lula evoluir. Melhor para o povo brasileiro.

Anônimo disse...

O açúcar na Europa é obtido principalmente da beterraba.
FHC, Lula e Dilma talvez não tenham se diferenciado muito em suas políticas indigenistas. Mas nenhum destes governos foi tão maligno para os indígenas quanto Bolsonaro, que desmontou a Funai, tirando indigenistas e antropólogos dos cargos de direção e substituindo-os por POLICIAIS e MILITARES, com clara intenção de prejudicar as antigas e minimamente corretas políticas sociais de proteção aos índios.

Fernando Carvalho disse...

Caro anônimo. A beterraba da qual se sintetiza a sacarose não é essa vermelhinha que a gente consome. É uma raiz branca e amarga, da qual se extrai apenas o açúcar refinado, branco. Igualzinho à sacarose refinada de cana. Com o detalhe de ser ligeiramente alcalino. O açúcar de beterraba entrou na história quando a Inglaterra impôs o Bloqueio Continental à Europa. Aí o estadista Napoleão incentivou seus cientistas a descobrir alguma forma de produzir açúcar. Claro que não dá pra comparar Dilma com o boçal. Este é uma ridícula caricatura de Hitler, mas tão perigoso quanto. Mesmo assim temos que saber o que aconteceu com os bororos.

ADEMAR AMANCIO disse...

Muito bom o artigo e os comentários.

Fernando Carvalho disse...

Nesse tópico a cárie é chamada de epidemia. Hoje a cárie é uma vergonhosa pandemia mundial permanente de causa evitável. Que só vai acabar quando for proibida a adição de açúcar aos alimentos, bebidas alcoólicas e refrigerantes e até fumaça de cigarro. Resumindo a tudo o que entra pela boca.

Fernando Carvalho disse...

ÚLTIMO COMENTÁRIO:Este meu artigo precisa que ser discutido. Bem que Maria Alice Rezende de Carvalho poderia dar o ar da graça. Para ajudar o debate adianto algumas dicas: por conta dessa minha teoria  pretendo ser um continuador de Karl Marx e de Gilberto Freyre (deve ter gente de cabelos em pé). Trotsky desenvolveu o marxismo com a teoria da revolução permanente; Lênin com a teoria do Estado, e Gramsci com a teoria da revolução em condições ocidentais democráticas. Euzinho pretendo ter explicado apenas esta frase de Marx: "As mais avançadas fontes de saúde, graças a uma misteriosa distorção, tornaram-se fontes de penúria". Segundo César Benjamin em Marx e a transformação social, tudo começou "Quando o sistema-mundo capitalista estava se formando, organizou-se uma empresa territorial com administração portuguesa, capitais holandeses e venezianos, mão de obra africana, tecnologia mediterrânea e a cana-de-açúcar como matéria prima. Uma holding multinacional, regida pelo cálculo econômico e pela busca do lucro. E assim foi criada a primeira mercadoria de consumo de massas do mundo -o açúcar- e em torno dela o moderno mercado mundial. César Benjamin desenvolve seu belo artigo trilhando o caminho da "mercadoria" esse demiurgo do mundo moderno. Já minha obra pegou pelo pé aquela frase em que o pobre Mouro do alto de sua racionalidade dialética apela para causas ocultas. Estruturado sobre a mercadoria "açúcar", o capitalismo nada mais é que a velha "Indústria da Doença". Há quem prefira "Indústria da Morte". O médico Jayme Landman optou por "Complexo Médico Industrial" à guisa do Complexo Militar Industrial americano. Se Maria Alice escrever um texto me situando na evolução da ciência social brasileira. Em troca escrevo um trabalho sobre sua obra: Cidade & Fábrica: A Construção do Mundo do Trabalho na Sociedade Brasileira. 'Topa, Dona Maria'? como carinhosamente dizia o Werneck.