O Estado de S. Paulo
Relator do projeto na Câmara afirmou que eventuais alterações no texto original serão para melhorá-lo. Os contribuintes e os cidadãos em geral adorariam acreditar
Resistências e críticas à proposta de
arcabouço fiscal encaminhada pelo governo Lula ao Congresso Nacional na semana
passada surgiram à esquerda e à direita, e não apenas no ambiente
político-parlamentar. Talvez isso possa significar que, para estruturar a
proposta, a equipe coordenada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenha
buscado o caminho médio entre os muitos rumos examinados. Se verdadeira essa
hipótese, pode até ter sido um bom método de trabalho, que implicou escolhas
políticas. Nem por isso, porém, será fácil a trajetória do projeto. São muitos
os riscos de que ele acabe desagradando a todos.
Há, da direção do Congresso, disposição de acelerar a tramitação da proposta. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), disse que a votação poderá ser concluída até o dia 10 de maio, embora o governo ainda não tenha assegurado votos suficientes (257) para a aprovação. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de sua parte, assegurou que o projeto “será aprovado” também com presteza na Casa que preside, ainda que com “eventuais mudanças” para torná-lo melhor. Nem a instalação, nos próximos dias, da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os atentados à democracia praticados em 8 de janeiro prejudicará a tramitação do projeto, previu Pacheco. “Temos senso de urgência em relação ao arcabouço fiscal.”
Tal disposição não é observada, porém, na
base governista. A bancada do PT na Câmara afirmou que as propostas do
arcabouço fiscal e da reforma tributária, ainda em elaboração, destinam-se a
superar problemas gerados por governos anteriores “que tantos prejuízos
trouxeram aos investimentos, programas e políticas sociais”. Mas não fez elogio
claro à proposta. A oposição, como previsto, reagiu com dureza, sugerindo que a
proposta pode gerar “uma fábrica de crimes de responsabilidade fiscal”, como
disse o deputado André Fufuca (PP-MA). De fato, ela estabelece que o
descumprimento da meta de resultado primário não configura crime de
responsabilidade fiscal, daí não haver previsão de punição.
Em análise serena publicada no Boletim
Macro do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas,
Armando Castelar Pinheiro e Silvia Matos apontam os principais desafios que a
proposta terá de superar. As metas primárias (evolução de um déficit de 0,5% do
PIB em 2023 até um superávit de 1,0% em 2026) exigirão, além de contenção da
alta do gasto, “significativo aumento da carga tributária”, por meio de
correção de “algumas distorções tributárias”. Além disso, parte do aumento da
arrecadação pode vir de receitas não recorrentes, isto é, que não se repetirão
automaticamente no futuro, razão pela qual não mais contribuirão para a redução
da dívida pública a partir de determinado período. Por fim, os autores advertem
que a regra do aumento real das despesas, acompanhada do piso para um conjunto
de rubricas do orçamento federal, exigirá crescimento real e perene da receita.
Outras críticas foram feitas à exclusão, do
limite de despesas, de mais de dez itens, alguns com peso expressivo nos gastos
da União. Os que exigem ajuste fiscal rigoroso, com estabilização imediata da
dívida pública como proporção do PIB e sua queda em seguida, apontam para a
projeção do crescimento dessa relação nos próximos anos como sinal de
inconsistência.
Sob esse manto de críticas, aspectos
positivos da proposta estão sendo ignorados ou menosprezados. O limite de
dispêndios sugerido no arcabouço é mais rigoroso do que o do antigo teto de
gastos, pois a relação entre despesas e PIB no final do governo Lula será menor
do que a observada no governo anterior. A lista de gastos excluídos dos limites
é, em grande parte, decorrência de exigências constitucionais.
Em recente artigo, o ex-ministro da Fazenda
Maílson da Nóbrega observou que a reclamação dos que exigem corte imediato e
profundo de gastos é injusta. O presidente do Banco Central, Roberto Campos
Neto, disse praticamente a mesma coisa em Londres. Ambos estão certos. A maior
parte das despesas orçamentárias é de natureza obrigatória, ou seja, não pode
ser cortada por decisão administrativa. Reduzir tais despesas depende até de
mudança constitucional. E em boa parte elas crescem vegetativamente em valores
reais. Por isso, nos últimos anos, os cortes de gastos, quando ocorrem,
implicam sacrifício de um item essencial para a qualidade do serviço público,
que são os investimentos. E um dos objetivos centrais do arcabouço fiscal é
justamente recuperar a capacidade do governo de investir – embora com limites,
o que gerou críticas em partidos da base governista.
Por fim, mais do que desafios, a tramitação da proposta de política fiscal enfrentará riscos à sua integridade e coerência. Escolhido para relatar o projeto na Câmara, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA) afirmou que eventuais alterações no texto original serão para melhorá-lo. Os contribuintes e os cidadãos em geral adorariam acreditar.
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